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Estudo lista 278 espécies de peixes na APA Baía das Tartarugas

Biodiversidade e pesca artesanal podem dar as mãos, defendem pescadores excluídos da unidade de conservação em Vitória

Uma grande biodiversidade marinha sobrevive em meio à região de maior adensamento urbano do Espírito Santo. A constatação é dos pesquisadores responsáveis pela elaboração da primeira lista de espécies de peixes da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía das Tartarugas, em Vitória. 

O estudo registrou 278 espécies, sendo que dessas 233 são peixes recifais, o que corresponde a cerca de 32% dos peixes encontrados em toda o país. Outro destaque é a existência de 20 espécies endêmicas das águas brasileiras e 12 ameaçadas de extinção. “Mostra a importância biológica da região”, acentuam os autores do levantamento.

Espécies endêmicas da Província Brasileira encontradas na APA Baía das Tartarugas. Fotos: João Luiz Gasparini

O artigo pode ser acessado na íntegra no site do Jornal Pan-Americano de Ciências Aquáticas e é escrito pelo cientista do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP) Hudson Pinheiro, pelo pesquisador do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nupem/UFRJ), João Luiz Gasparini, e pelo graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Guilherme da Cruz. 

Na publicação, os cientistas ressaltam que o nome da APA decorre da grande ocorrência de indivíduos juvenis da Tartaruga-verde (Chelonia mydas) e que a região possui “uma grande diversidade de ambientes, como estuários, recifes rochosos, praias arenosas e poças de maré (…) e “está localizada no meio de uma região de transição biogeográfica, formando um ecótono de espécies marinhas do norte e do sul do país”.

Ecótonos são áreas de encontro entre dois ambientes com características diferentes. No caso da Baía de Vitória, trata-se de uma latitude onde o litoral brasileiro tem seu ponto de transição, marcando, inclusive, o início do Banco de Abrolhos, que tem no Parque Nacional Marinho homônimo, localizado no sul da Bahia, seu principal local de proteção da incrível biodiversidade que faz da região um grande berçário.

João Luiz Gasparini

Também a cadeia submarina Vitória-Trindade é um diferencial único em todo o litoral brasileiro, caracterizada por um conjunto de montanhas submersas que ligam o litoral da capital capixaba até a ilha oceânica de Trindade, a 1,2 mil km, um dos principais sítios reprodutivos da tartaruga-verde, cujos filhotes vêm se alimentar em Camburi e outras praias do Espírito Santo e outros estados do Sudeste e Nordeste. 

Em meio a tanta riqueza e sensibilidade ambiental, os pesquisadores destacam a diversidade de pressões antrópicas, impactos de atividades humanas sobre a natureza. “Dentre as problemáticas, podemos encontrar o descarte inadequado de efluentes, a intensa atividade portuária e a pesca ilegal”, assinalam. 

Pesca ilegal que também é denunciada pelos pescadores artesanais locais. No âmbito do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca) – que desde 2003 reúne bimestralmente representações de 13 instituições públicas federais e estaduais, 13 prefeituras, nove associações e nove colônias de pesca, além dos Ministérios Públicos Estadual (MPES) e Federal (MPF) – algumas soluções já foram encaminhadas nesse sentido, buscando frear a invasão de grandes barcos de fora com instrumentos predatórios de pesca de lagosta, camarão e outros. A solução para a exclusão dos pescadores artesanais da gestão e da vida da APA, no entanto, ainda não foi encontrada. 

Exclusão

A unidade de conservação foi criada há quatro anos – Decreto 17.342/2018 – e abrange toda a Baía de Vitória, desde Complexo de Tubarão, no limite com a Serra, até as proximidades da Terceira Ponte, incluindo a praia de Camburi e Curva da Jurema, e as ilhas do Boi e do Frade, totalizando 1,6 mil hectares, sob gestão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam).

João Luiz Gasparini

Abrange, portanto, uma área litorânea com intensa densidade demográfica e diversificados usos econômicos, com destaque para o porto de Tubarão, que atende a um dos maiores complexos minerossiderúrgicos do mundo, formado pela Vale e ArcelorMittal, que produz grande poluição atmosférica e do mar. Além disso, a região é palco de atividades de lazer pela população local e de outras regiões da Grande Vitória e do Estado, além de um ecoturismo em desenvolvimento focado no potencial da observação de baleias. E, o mais antigo dos ofícios no local, a pesca artesanal. 

O objetivo legal é “ordenar os usos das diversas atividades de modo a assegurar a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental dos ecossistemas costeiros”. Mas, na prática, simplesmente excluiu a atividade mais tradicional. Desde que foi criada – na verdade, no ano anterior já havia uma proibição por parte da prefeitura – os pescadores artesanais da Baía de Vitória foram expulsos do local. Apesar dos protestos e reivindicações, ainda não integram o conselho gestor da APA e continuam apartados da importante área de pesca, que é tradicionalmente usada pelas famílias pescadoras da Ilha das Caieiras. 

“Não entendo como isso não foi resolvido ainda [a ausência dos pescadores no conselho gestor da APA]”, repudia o vice-presidente da Associação dos Pescadores, Marisqueiros e Desfiadeiras da Região da Grande São Pedro, Celso Henrique Luchini. “Essa pesca que a gente faz é uma profissão milenar. Vitória é uma ilha. A pesca sempre fez parte da vida do município, não pode chegar e proibir. Precisa é criar uma lei que permita a natureza e a pesca andar de mãos dadas”, sugere.

Ellen Campanharo/Ales

“O pescador artesanal não é o culpado pela poluição, pela degradação. Ele não joga toneladas de óleo no mar, pó de minério, toneladas de esgoto. Não é ele que tem porto para navios que jogam rejeitos na água. Ele sabe que tem que cuidar, senão, não vai ter nada para ele”, expõe. 

A baía de Vitória é uma área importante de pesca para as famílias, especialmente as da Ilha das Caieiras. “É um mar de boca aberta. Muito difícil para a gente perder essa área. Camburi tem biodiversidade, golfinhos, tartarugas…tem que trabalhar em conjunto, proteger a natureza sem tirar o sustento das famílias dos pescadores”, reivindica. 

Pesca assistida 

A conciliação pesca e conservação foi defendida na Assembleia Legislativa em fevereiro, durante reunião da Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba, presidida pelo deputado Gandini (Cidadania).

Celso Luchini foi um dos participantes do debate e lembrou que “o pescador está sendo massacrado desde 2017”, referindo-se à Lei Municipal nº 9.077, que em seu artigo 1º estabelece que “fica proibida a pesca utilizando qualquer tipo de rede, na Baía do Espírito Santo, na Baía de Vitória e nos canais de navegação: Canal de Vitória e Canal de Camburi, do Município de Vitória”. 

Em 2020, pescadores realizaram um protesto contra a expulsão sistemática da categoria de seu local de trabalho, em uma das tentativas de adequação das leis municipais que os excluem.

Redes sociais

Um dos pontos reivindicados é parcialmente contemplado no artigo 2º da Lei 9.077/2017, que permite “pesca com linha de anzol assistida na Baía do Espírito Santo e na Baía de Vitória”, porém “em locais fora da Unidade de Conservação”, o que inviabiliza o acesso pelos pescadores artesanais com seus barcos de menor porte. 

A pesca assistida, dentro da APA, conta Celso, tem sido discutida pelos membros do Compesca, como uma solução possível para conciliar os objetivos de conservação da unidade com a manutenção da milenar atividade econômica. Por ser uma modalidade em que a rede não fica sozinha por muitas horas, como geralmente acontece, não há o risco de morte de tartarugas e golfinhos, pois o pescador consegue identificar rapidamente se algum desses animais se prende na rede e o liberta antes que ele se afogue (ambos são espécies marinhas com respiração pulmonar, precisando emergir da água continuamente para obter oxigênio do ar). 

Na reunião da Frente Parlamentar, a representantes da ONG ambiental Instituto Voz da Natureza, Marcela Nunes Tavares, também defendeu a participação dos pescadores na gestão da APA Baía das Tartarugas, ressaltando que ela foi criada sem consultas aos pescadores artesanais e que o turismo gerado com ela leva benefícios apenas aos empresários. A conservação da natureza, afirmou, “não existe sem o ser humano”.

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