Pesquisa é inédita no Brasil e deve embasar maior controle da poluição atmosférica na Grande Vitória
O pó preto, um dos poluentes atmosféricos que mais incomodam os moradores da Grande Vitória, é uma partícula considerada “grande” pela legislação e, por isso, alvo de padrões mais permissivos de controle ambiental, já que, supostamente, não se infiltra nas áreas mais delicadas do corpo humano. Mas ela só é grande aparentemente. Em contato com soluções do ambiente ou do corpo – rios, mares, manguezais, mucosas – se transforma em nanopartículas que são internalizadas nos pulmões humanos e podem sim provocar problemas graves de saúde.
A conclusão é da bióloga Iara da Costa Souza, por meio da pesquisa “Internalização de nanopartículas metálicas presentes no material particulado atmosférico em células de pulmão humano”, que ela está desenvolvendo em seu pós-doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade Nacional de Córdoba/Argentina, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e do projeto MAX600, da ONG Juntos SOS ES Ambiental.
O resultado surpreendeu, relata a pesquisadora, afinal, mexe com um dos argumentos mais utilizados pelas poluidoras e pelos próprios órgãos ambientais de fiscalização – primordialmente o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) – para não serem, mais rigorosos no controle da poluição por pó preto.
O próximo passo é identificar qual percentual das nanopartículas entra de fato nos pulmões. “Já sei que entra, só não sei quanto. Depende de análise química”, diz. Os resultados, propõe a pesquisadora, “darão embasamento pra que se tenha um controle maior da poluição por pó preto no Espírito Santo”. Aqui, argumenta, os padrões do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) deveriam ser menores, mais restritivos, pois as partículas são feitas de partículas menores.
E por que isso acontece na Grande Vitória? Iara explica que o pó preto, ao sair das unidades produtivas da Vale e da ArcelorMittal, que estão localizadas no litoral, se aglomeram, por ação do spray marítimo (maresia), tornando-se partículas grandes. Mas voltam a se dissociar, até o tamanho nano (mil vezes menor), em contato com o ar ou com água.
O tempo necessário para essa dissolução varia de acordo com o meio, diz a pesquisadora. No ar demora mais. Em soluções do ambiente e do corpo, o processo é mais rápido. Em laboratório, algumas partículas metálicas chegam ao tamanho nano após poucos minutos em contato com células pulmonares humanas, exemplifica.
A falha de controle do Estado sobre esses poluentes atmosféricos não é exclusividade capixaba, informa a bióloga, tampouco do Brasil. “Em nenhum lugar do mundo é solicitado algum tipo de avaliação dessas partículas pra saber se elas são realmente desse tamanho”. Essa verificação só é obtida por análises de microscopia de varredura ou algum outro método físico que as analisa em soluções.
Técnicas essas que todas as grandes mineradoras e siderúrgicas, como a Vale e a ArcelorMittal, dominam, ressalva Iara. Mas que deveriam ser feitas com o material que é liberado para a atmosfera como poluente e não apenas com o material usado internamente no processo produtivo. “Mas como os órgãos não exigem, as indústrias não fazem”, lamenta
Manguezal
Iara conta que chegou aos pulmões humanos após onze anos de pesquisas, iniciadas com a análise de robalos encontrados no manguezal da Baía de Vitória. Capixaba, seu interesse era descobrir quais as fontes agressoras a esse ecossistema.
Em outubro de 2016, apresentou uma palestra na Ufes explanando os primeiros resultados. Naquele momento, já era possível afirmar que as três principais fontes de poluição eram os efluentes industriais (lançamento direto no mar e emissários submarinos); os resíduos sólidos (formados basicamente pelo passivo ambiental da Vale); e o pó preto. Agrotóxicos também foram encontrados em quantidade significativa, mas esgoto doméstico não foi detectado.
Mais recentemente, com novas metodologias de investigação – Nanocristalografia, que permite comparar a estrutura tridimensional do metal analisado – foi possível constatar novamente a origem atmosférica das nanopartículas metálicas encontradas nos robalos.
“Conseguimos ver as nanopartículas de titânio e ferro no musculo do peixe, como um cisto, nas brânquias, em todo o peixe”, diz. Comparando o material encontrado nos animais e o coletado da poluição atmosférica, viu-se que eram as mesmas, confirmando o resultado obtido em 2016.
Esses últimos resultados obtidos no estudo com os peixes constam no artigo Nanoparticle transport and sequestration: Intracellular titanium dioxide nanoparticles in a neotropical fish, publicado neste mês de janeiro de 2019 na revista Science of the Total Environment, umas das mais respeitadas revistas cientificas internacionais na área ambiental.