Não bastassem a desertificação, o esgotamento hídrico, a erosão do solo, a alteração do microclima e o ataque brutal à biodiversidade, as monoculturas de eucalipto também podem intensificar o problema da febre amarela no Espírito Santo.
Localizados entre fragmentos florestais de norte a sul, de leste a oeste do Estado, os eucaliptais – a serviço das multinacionais Aracruz Celulose (Fibria) e Suzano, além de fábricas de móveis e placas de MDF – servem de ponte para a expansão da área de contaminação pelo vírus da febre amarela.
Onde há macacos e outros animais, há mosquitos transmissores da doença no seu ciclo silvestre. Esses animais, por sua vez, também utilizam as copas dos eucaliptos para passar de um remanescente de floresta a outro, carregando então o vírus para mais e mais regiões da Mata Atlântica capixaba. “Eucaliptos funcionam como ponte para o vírus, sim”, afirma o professor Aloísio Falqueto, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), infectologista e especialista em entomologia médica, um dos maiores pesquisadores sobre a febre amarela no país.
Um estudo mais detalhado sobre o trânsito do vírus no Espírito Santo está em curso, com apoio do Fundo de Amparo à Pesquisa e à Inovação no Espírito Santo (Fapes), Ufes, Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e Secretaria Estadual de Saúde (Sesa).
“Vamos estudar a ecologia dos mosquitos silvestres, por onde passam, migram e se reproduzem, se por florestas primárias, secundárias, capoeiras, macegas e eucaliptais”, conta o cientista.
O que já se sabe é os mosquitos do ciclo silvestre da febre amarela – Sabethes e Haemagogus – gostam de “pequenas coleções de água”, como o interior de bromélias e taquaras, recessos nas rochas e até folhas largas que caem no chão, onde a água pode durar duas a três semanas.
Estados agiram tardiamente
Aloísio é um dos pesquisadores que faz duras críticas à forma com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo reagiram aos primeiros indícios do surto, ainda em setembro de 2016, na região de Montes Claros, no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais. “De lá ela ganhou a calha norte do rio Doce, chegando ao Espírito Santo por Pancas, ao norte, e Irupi, ao sul”, relata.
O professor explica que em Irupi e Ibatiba são localidades que estão na divisa entre as bacias hidrográficas dos rios Doce e Itapemirim. E que no norte capixaba o surto foi menos intenso em função da menor cobertura florestal. “Quando se fala em rio Doce, as pessoas pensam só na calha principal, mas ali é o local menos provável pro mosquito, pois tem menos mata. O que aconteceu foi a passagem pelas cabeceiras das bacias”, esclarece.
Esse é o caminho natural do surto: seguir a floresta. “O bloqueio vacinal por fronteira não funciona. Mosquito não conhece fronteira, ele segue o caminho da floresta”, esclarece. Quando o governo anunciava vacinação cautelar no noroeste capixaba, Aloísio criticava, em vão: “Ali não tem mata”.
Ciclo deve terminar ainda este ano
O infectologista acredita que o ciclo silvestre da febre amarela se encerrará no Espírito Santo até o final deste ano. O período de força máxima da transmissão já passou, a mortandade de macacos diminuiu e os casos em humanos também.
“Há dois meses que os macacos morreram e o mosquito infectado vive até dois meses. Morrendo esses, a nova geração de mosquitos não vai mais se infectar e os macacos que sobreviveram ficaram imunes”, conta, descrevendo o fenômeno de “esgotamento de suscetíveis”, que será o responsável pelo fim do ciclo no estado.
Sobre o risco de um surto urbano, Aloísio descarta a possibilidade. “O risco de um ciclo urbano é mínimo”, afirma, com base no índice de infestação predial de Aedes aegypti no estado, que é 1% a 2%. É o suficiente para a dengue, mas ainda pouco para a febre amarela, que se dissemina em locais onde o índice é superior a 5%. “Somente em alguns bairros de periferias, em épocas de muita chuva, o índice chega a 5%”, conta.
Evolução e adaptação
Originário da África, o vírus da febre amarela ainda encontra no continente um campo largo para se disseminar, inclusive nas cidades, onde o índice de infestação com Aedes aegypti é de 15% a 40%!
O professor conta que, na África, os macacos evoluíram ao longo de milhões de anos, adaptando-se aos vírus, por isso as espécies de lá se infectam, mas não morrem. Semelhante adaptação evolutiva pode, talvez, explicar porque o Muriqui (Brachyteles hypoxanthus) passou praticamente ileso ao atual surto da doença em Caratinga/MG, enquanto a população de bugios ou barbados (Allouata) foi simplesmente dizimada.
O vírus chegou no Brasil por meio dos escravos africanos, nas cidades portuárias como Rio de Janeiro, Santos, Recife. Encerrado esse ciclo urbano, ele iniciou um ciclo silvestre, em direção à Amazônia. Agora, está retornando à Mata Atlântica, ainda no ciclo silvestre. “Pessoas que viajaram para a Amazônia sem se vacinar e voltaram à cidade, trouxeram a doença para Minas Gerais”, explica. “É um desatino. Ninguém deveria viajar para a Amazônia sem se vacinar”, reclama.
Na trilha dos mosquitos
No Espírito Santo, a vacinação cautelar já está bem avançada, em praticamente todos os municípios. O trabalho de Aloísio Falqueto e seus colegas, no entanto, apenas começou. Sua parte no estudo, voltado à coleta de mosquitos para medir o nível de infecção pelo vírus – 6.300 indivíduos coletados até agora – já passou por Santa Teresa, Pancas, Cariacica e Venda Nova do Imigrante.
O foco do entomologista está nas regiões mais acidentadas, onde há mais mata. É onde ele acredita também que o eucalipto pode trazer mais facilidades para a disseminação da doença, pois os eucaliptais interligam muitos fragmentos florestais. No norte e noroeste, o alerta é para as plantações próximas aos poucos blocos de floresta ainda existentes, basicamente na forma de unidades de conservação, como as Reservas Biológicas de Sooretama e Comboios (Linhares), e de Córrego do Veado (Pinheiros), e o Parque Estadual de Itaúnas (Conceição da Barra), entre outros.