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Exposição ‘A Vale, A Vaca e a Pena’ completa 21 anos de denúncias da poluição do ar

“Lutar contra o vento é quixotice”, metaforiza o pintor Kleber Galvêas, em referência à poluição atmosférica que varre a Grande Vitória há quatro décadas, desde a instalação do complexo minero-siderúrgico formado pela Vale e a ArcelorMittal, na Ponta de Tubarão, localizada entre os municípios de Vitória e Serra.

“Você já foi em Tubarão?”, pergunta-me o artista e ambientalista. “Viu como venta?”, enfatiza. “A única solução é retirar o complexo de Tubarão de lá. A nossa vocação é portuária e turística, nunca foi a siderurgia. Isso é um erro absurdo de estratégia”, ataca o pintor, que também é economista.

O tema da conversa é seu projeto A Vale, A Vaca e A Pena, que completa maioridade neste ano de 2017. Na “provocação artística”, como Galvêas gosta de chamar, o famigerado pó preto, que inferniza a vida dos moradores da Grande Vitória, é utilizado como tinta sobre telas brancas expostas à poluição atmosférica durante 50 dias.

Os desenhos, feitos com o dedo indicador, ironizam, ano após ano, o sequestro da saúde e do conforto dos moradores da região metropolitana, reféns de governos historicamente inoperantes sobre o assunto e de empresas que, confortavelmente, conseguem esconder os verdadeiros dados sobre a poluição que produzem, conquistando licenças ambientais irregulares e ampliando suas plantas industriais, seu arsenal de mentiras, seus programas sociais de “compensação”, seus lucros e suas pegadas antiecológicas.

Voltando à conversa com o pintor, de fato, a “localização estratégica” da Ponta de Tubarão, como classificam os gestores das duas multinacionais, se transformou, há meio século, em uma espécie de maldição contra a população da região metropolitana. O vento é constante e forte o ano todo. Sudeste, na maior parte do tempo, encobrindo Vitória e Vila Velha com seu manto negro-brilhante. Nos poucos mais de 60 dias de vento sul, é contra a Serra que a “maldição” recai.

Racismo ambiental às avessas

Curiosamente, o “racismo ambiental” – verificado no Brasil, em que as populações com menor poder aquisitivo arcam com a maioria dos problemas ambientais – na capital capixaba, é a área mais nobre a mais afetada, especialmente as ilhas do Frade e do Boi, obrigando limpezas de móveis e do chão mais de uma vez por dia. Nas demais áreas da urbe, no entanto, o desconforto com a limpeza dos lares não é menor e os problemas respiratórios proliferam também nas casas mais humildes.

Na Barra do Jucu, por exemplo, endereço do ateliê de Galvêas, a 30 km de Tubarão, os 50 dias de exposição fornecem matéria-prima farta para a produção artística, a arte-protesto que não cansa de denunciar o grotesco e revoltante jogo de poder que mantém a maior planta da maior mineradora do mundo, e uma das maiores unidades da maior produtora de aço do mundo, funcionando no coração de uma região metropolitana.

Kleber Galvêas chegou a manifestar firmemente a necessidade de iniciar o processo gradativo de transferência do Complexo de Tubarão no ano de 2006, quando se iniciava o licenciamento da 8ª Usina da Vale.

A Vale “nadava em ouro”, conta, citando a escalada de crescimento dos lucros da mineradora: em 1997, seu último ano como estatal, foi (US$ 257 milhões; no ano seguinte, cerca de US$ 765 milhões; no seguinte, US$ 1,2 bilhão; em 2006, foi de US$ 20 bilhões, já tendo chegado a mais de US$ 30 bilhões. “E ela foi vendida por US$ 3,7 bilhões!”, protesta.

Negar, negar, negar, enquanto puder

Aqui, um adendo: em 1998, numa audiência pública sobre poluição atmosférica na Câmara de Vitória, o então presidente da Comissão de Meio Ambiente da Casa, Luciano Rezende, convidou Kleber Galvêas para compor a mesa, junto a representantes dos órgãos públicos e das poluidoras. O pintor preferiu ficar na galeria, próximo às suas telas. Foi quando um dos técnicos da Vale disse que, no pó preto das telas de Galvêas não havia minério de ferro.

O artista tomou então seu lugar à mesa e, com um experimento simplório, mostrou a presença do Ferro no pó. Com um escovão de sapatos, recolheu um pouco de pó depositado na sala e o colocou sobre uma folha de papel. Com um ímã de geladeira trazido no bolso, movimentado embaixo do papel, fez a poeira preta dançar guiada pelo ímã, deixando aos “doutores” da Vale e os demais presentes boquiabertos.

Pois bem, assumido o pó de minério, nada, porém, mudou. Quase uma década do episódio, o licenciamento da 8ª Usina da Vale foi feito – com várias irregularidades denunciadas e ainda pendentes – e, contrariando o bom senso, a mineradora praticamente duplicou sua capacidade produtiva. Na mesma época, a ArcelorMittal também dobrou sua produção, o que explica, muito objetivamente, o aumento significativo da poluição percebida pelos moradores. “Aumentou muito”, afirma Galvêas.

Morador de Vila Velha desde a década de 1950, Galvêas conta que chegou a apoiar a privatização da Vale, pois acreditava que, sendo privatizada, sua poluição seria fiscalizada. E que a primeira tela do Projeto A Vale, A Vaca e A Pena, em 1997, tinha objetivo de “documentar que havia tido poluição”. 

“E ninguém fala das chaminés!”, alerta, enunciando uma operação química banal: “SO² (enxofre lançado nas chaminés de Tubarão) + H²O (água) = H²SO4 (ácido sulfúrico). E também há ferro sendo liberado nas chaminés”, reclama.

Muito além do Espírito Santo

O baú de memórias do pintor-ativista revela ainda outras histórias, que distribuem a responsabilidade sobre a esdrúxula escolha da Ponta de Tubarão como localização do gigantesco (monstruoso) complexo minero-siderúrgico. Na década de 1960, chegou-se a pensar em Linhares, no norte do Estado, como sede, mas a Associação Comercial de Vitória, formada majoritariamente por descendentes de libaneses, insistiu na capital, para atrair investimentos, movimentar a economia da região, “inchada” com a chegada de agricultores órfãos da quebra da cafeicultura.

Galvêas chegou a lembrar aos comerciantes um milenar ensinamento de seus ascendentes: “No Líbano, em 2.000 a.C., não era permitido que as indústrias de tingimento de tecidos se instalassem a sotavento das cidades, por causa do chorume dos caramujos apodrecidos, usado como matéria-prima na produção das tintas mais caras”.

Ensinamento ignorado, Vila Velha então foi indicada, especificamente a ponta de Itapuã, mas, conta o pintor, o poderoso Eliezer Baptista, da então Companhia Vale do Rio Doce, espantou dali os planos, que atrapalhariam a paz de sua casa de veraneio na Praia da Costa.

A Ponta de Tubarão por fim foi o destino final. “Augusto Ruschi [Patrono da Ecologia do Brasil], chegou a dizer que o complexo precisaria se afastar pelo menos dois quilômetros do litoral”, recorda Galvêas. Mas, a “posição privilegiada” para os negócios, o porto e a exportação dos dividendos gerados à custa da saúde ambiental e física da Grande Vitória falaram mais alto.

Galvêas alerta ainda que, possivelmente, a poluição da Vale e da ArcelorMittal se espalhe para muito além do Espírito Santo. “Foram proibidas indústrias em Michigan, nos Estados Unidos, porque estavam matando as florestas do Canadá”.

Serviço: 

A exposição A Vale, A Vaca e A Pena fica aberta ao público todos os dias, de 9h às 18h00, com entrada franca, até o dia seis de junho. Para saber mais sobre o projeto, acesse o site do Ateliê

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