“Alguns contratos, que a gente consegue alcançar, estão eivados de possibilidades de vícios, de falta de isonomia e de isenção do Poder Público”, denuncia o secretário de Relações Institucionais da Famoc, Dauri Correia da Silva.
No caso da Zorzal, Dauri conta que, com três autos de infração, dificilmente ela estaria habilitada para continuar servindo à Prefeitura, como acontece. A empresa acumula três multas aplicadas pelo corpo técnico da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente (Semdec) e as negativas dos recursos impetrados pela tanto na própria Secretaria quanto no Conselho de Meio Ambiente de Cariacica (Consemac).
Há ainda uma terceira tentativa de recorrer, que a entidade considera ilegal, segundo a legislação, pois, depois de perder no Conselho, a multa precisa ser paga e, caso não seja, cabe ao secretário municipal judicializar o caso e incluir o infrator na dívida ativa do município, o que não ocorreu. “A Prefeitura ainda não os obrigou a pagar nada”, protesta o líder comunitário.
A obra em questão foi a realização de um aterro em uma área de quase 84 mil quilômetros quadrados, localizada em um terreno à Rua Afonso Schwab, dentro da Zona de Amortecimento da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Manguezal de Cariacica.
Crimes ambientais
Os seguidos pareceres técnicos apontam os seguintes crimes ambientais: destruição de nascentes, carreamento de sedimentos ao córrego que passa pelo terreno – o córrego deságua no Rio Bubu e faz a ligação entre o terreno e a RDS – e “diminuição do aporte de água doce à RDS, causando alterações na dinâmica flúvio-marinha natural dos manguezais e consequentes prejuízos à biota”.
Num primeiro parecer, os técnicos ambientais da Prefeitura solicitam que seja feito um novo projeto de intervenção no terreno, com delimitação das APPs – nascentes, córrego e áreas de declividade superior a 45º, todas ignoradas no Plano de Controle Ambiental elaborada pela empresa – e que sejam proibidas quaisquer intervenções nas APPs.
Ignorando o parecer, emitido em fevereiro de 2014, a empresa executa a obra irregularmente, sendo então multada após vistoria feita em março de 2015. No laudo, fica proibida qualquer atividade na área sem a devida licença ambiental e é exigida a apresentação de proposta de recuperação das nascentes e do córrego aterrados e sua implementação.
O documento também ressalta que, “conforme o Decreto Municipal n° 177/2002, a empresa pode sofrer a penalidade de proibição de contratar com a administração pública pelo período de até três anos (…) [e,] quando não for passível a reparação do dano ambiental e não houver indenização do dano cometido, a empresa não poderá voltar a contratar com a administração pública municipal” e sugere envio de cópia do processo ao Ministério Público Estadual (MPES).
Hospital
O último parecer técnico, de 23 de maio de 2016, é referente à tentativa da empresa de recorrer, novamente, à Semdec, numa espécie de “terceira instância” do processo. Nele, o coordenador de Sistemas de Licenciamento, Igor Machado, alerta sobre essa manobra ilegal, confirmando os crimes praticados e listados em pareceres anteriores, as multas e novamente sugerindo a intervenção do MPES.
O processo já está no Ministério Público e a Famoc estuda que outras ações podem ser realizadas para coibir esse tipo de crime ambiental e favorecimento por parte do Executivo, como o projeto de loteamento do Parque Leste-Oeste, que inclui a polêmica construção do Hospital Geral de Cariacica. Infrações que, pouco a pouco, vão destruindo a qualidade de vida no município, principalmente no que diz respeito aos recursos hídricos e microclima.
“Aterrar virou moda em Cariacica. E as pessoas não alinham uma obra que traz uma suposta melhoria, com uma situação grave de falta de água e de transbordos, que provocam doenças, psicológicas e físicas, à população”, pondera Dauri.