“Alguns contratos, que a gente consegue alcançar, estão eivados de possibilidades de vícios, de falta de isonomia e de isenção do Poder Público”, denuncia o secretário de Relações Institucionais da Famoc, Dauri Correia da Silva.
No caso da Zorzal, Dauri conta que, com três autos de infração, dificilmente ela estaria habilitada para continuar servindo à Prefeitura, como acontece. A empresa acumula três multas aplicadas pelo corpo técnico da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente (Semdec) e as negativas dos recursos impetrados tanto na própria Secretaria quanto no Conselho de Meio Ambiente de Cariacica (Consemac).
Há ainda uma terceira tentativa de recorrer, que a entidade considera ilegal, pois, depois de perder no Conselho, a multa precisa ser paga e, caso não seja, cabe ao secretário municipal judicializar o caso e incluir o infrator na dívida ativa do município, o que não ocorreu. “A Prefeitura ainda não os obrigou a pagar nada”, protesta o líder comunitário. A pasta é ocupada, interinamente, por Carlos Renato Martins
A obra em questão foi a realização de um aterro em uma área de quase 84 mil quilômetros quadrados, localizada em um terreno à Rua Afonso Schwab, dentro da Zona de Amortecimento da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Manguezal de Cariacica.
Crimes ambientais
Os seguidos pareceres técnicos apontam os seguintes crimes ambientais: destruição de nascentes, carreamento de sedimentos ao córrego que passa pelo terreno – o córrego deságua no Rio Bubu e faz a ligação entre o terreno e a RDS – e “diminuição do aporte de água doce à RDS, causando alterações na dinâmica flúvio-marinha natural dos manguezais e consequentes prejuízos à biota”.
Num primeiro parecer, os técnicos ambientais da Prefeitura solicitaram que fosse feito um novo projeto de intervenção no terreno, com delimitação das APPs – nascentes, córrego e áreas de declividade superior a 45º, todas ignoradas no Plano de Controle Ambiental elaborada pela empresa – e que fossem proibidas quaisquer intervenções nas APPs.
Ignorando o parecer, emitido em fevereiro de 2014, a empresa teria executado a obra irregularmente, sendo então multada após vistoria feita em março de 2015. No laudo, fica proibida qualquer atividade na área sem a devida licença ambiental e é exigida a apresentação de proposta de recuperação das nascentes e do córrego aterrados e sua implementação.
O documento também ressalta que, “conforme o Decreto Municipal n° 177/2002, a empresa pode sofrer a penalidade de proibição de contratar com a administração pública pelo período de até três anos (…) [e,] quando não for passível a reparação do dano ambiental e não houver indenização do dano cometido, a empresa não poderá voltar a contratar com a administração pública municipal” e sugere envio de cópia do processo ao Ministério Público Estadual (MPES).
Hospital
O último parecer técnico, de 23 de maio de 2016, é referente à tentativa da empresa de recorrer, novamente, à Semdec, numa espécie de “terceira instância” do processo. Nele, o coordenador de Sistemas de Licenciamento, Igor Machado, alerta sobre essa manobra ilegal, confirmando os crimes listados em pareceres anteriores, as multas e novamente sugerindo a intervenção do MPES.
O processo já está no Ministério Público e a Famoc estuda quais outras ações podem ser realizadas para coibir esse tipo de crime ambiental e favorecimento por parte do Executivo, como o projeto de loteamento do Parque Leste-Oeste, que inclui a polêmica construção do Hospital Geral de Cariacica.
Infrações que, pouco a pouco, vão destruindo a qualidade de vida no município, principalmente no que diz respeito aos recursos hídricos e microclima. “Aterrar virou moda em Cariacica. E as pessoas não alinham uma obra que traz uma suposta melhoria, com uma situação grave de falta de água e de transbordos, que provocam doenças, psicológicas e físicas, à população”, pondera Dauri.
Posicionamento
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente (Semdec) confirmou que a Zorzal Terraplanagem foi multada pelo cometimento de infrações ambientais, porém, ela possui prazos previstos em lei para que possa recorrer. E, após a decisão de primeira instância, a empresa recorreu ao Conselho Municipal de Meio Ambiente de Cariacica. Este, por sua vez, proferiu uma decisão em segunda instância, alvo de pedido de reconsideração pela empresa, tendo como questionamento principal a existência ou não de uma nascente no local objeto da infração.
A obra, segundo a assessoria de comunicação da Semdec, foi embargada e o processo foi encaminhado para equipe técnica da Gerência de Meio Ambiente para realização de análise e elaboração de um Parecer Técnico. Posteriormente, diz, o processo será encaminhado para o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Cariacica para decisão quanto ao pedido de reconsideração formulado.
Além disso, finaliza, o processo é acompanhado pelo Ministério Público Estadual, por meio da Promotoria de Justiça de Cariacica e, assim que forem cumpridas as diligências necessárias, será expedido um ofício para o Ministério Público para ciência da decisão.
O coordenador de Sistemas de Licenciamento, Igor Machado, esclarece (abaixo) alguns pontos da reportagem.