“Não é firula não, foi uma necessidade de adequar a linguagem. A realidade do Brasil hoje só desse jeito mesmo. Documentário dessa vez não foi suficiente para mostrar o absurdo que aconteceu”, diz André D'Elia, diretor de O Amigo do Rei, sobre a mistura de ficção e documentário na obra que fala sobre o crime socioambiental ocorrido em Mariana (MG) em 2015 sob responsabilidade de Samarco/Vale-BHP, com graves impactos no Espírito Santo. O filme estará em cartaz de 15 de agosto, às 18h, no Cine Sesc Glória, em Vitória.
É o quarto longa-metragem do diretor, que tem conquistado reconhecimento com filmes dentro da temática ambiental, Lei da Água, Belo Monte: anúncio de uma guerra e Ser Tão Velho Cerrado, este disponibilizado pelo Netflix.
Em Amigo do Rei, como nas obras anteriores, o diretor dá voz às denúncias dos movimentos sociais e ambientalistas que muitas vezes são ignoradas pelos poderes políticos e econômicos. Mas para mostrar o outro lado e o que acontece na surdina e dificilmente poderá ser captado pelas câmeras de um documentário, a obra opta pela criação de um personagem ficcional, o deputado federal Rey Naldo, cujo cotidiano e atuação mostram o conluio e as relações íntimas entre a política e as grandes mineradoras.
O projeto surgiu como parte da campanha “Mar de Lama Nunca Mais”, do Ministério Público de Minas Gerais, e também registra cenas do Espírito Santo, como da manifestação do Grito dos Excluídos de 2016, quando manifestantes carregaram um grande pano marrom simbolizando a lama de rejeitos. Em entrevista à O2 Filmes, o diretor cita como referência sociológica a professora Norma Valencio (Ufscar), que estuda a perspectiva da sociologia do desastre. A O2 Filmes, para quem não se lembra, é a produtora criada por Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio sobre a Cegueira.
Foto: Divulgação/ O2 Filmes
André D'Elia conta que foram muitas as dificuldades para conseguir lançar o filme, fora as acusações de estarem promovendo alarde e desinformação com a obra ao apontar o risco de outras barragens se romperem em Minas Gerais. “A barragem de Fundão [em Mariana] era uma barragem tida como estável, declarada estável nos laudos técnicos fornecidos pela Samarco”, lembra ressaltando que existem muitas outras já declaradas oficialmente como instáveis, representando risco real. “A população tem obrigação de saber. A pessoa mora ali, precisa saber que está numa área de risco, precisa estar preparada e também cobrar do poder público e das empresas mais informação e mais segurança”.
O rompimento da barragem em Brumadinho (MG), também da Vale, este ano gerou a indignação necessária para a finalização da obra. O diretor havia recebido o título de Guardião do Rio Paraopebas, que foi diretamente afetado. “Agora não tem mais Rio Paraopebas para eu ser guardião. Fiquei muito triste, foi péssimo para mim. Sofri muito com isso, mas foi o que deu fôlego para terminar O Amigo do Rei“.
Para ele, o filme busca ajudar a entender a importância da mineração no contexto político e econômico do País e mostrar a omissão histórica do poder público sobre os impactos da atividade. “A gente planta essa revolta de certa forma tentando colher no futuro um pouco mais de coerência, de justiça e de sustentabilidade”.
AGENDA CULTURAL
Filme O Amigo do Rei, de André D’Elia (Brasil , 2019, 142’, cor)
Quando: 15, 16, 17, 18, 20 e 21 de agosto, às 18h
Onde: Cine Sesc Glória – Avenida Jerônimo Monteiro, 428, Centro de Vitória/ES
Ingressos: R$ 6 (inteira), R$ 3 (meia-entrada e comerciários) e R$ 3,60 (conveniados e comerciantes).