Grupo de mulheres de assentamento em Pinheiros agora pode integrar novos programas de apoio à reforma agrária
Os problemas decorrentes de um projeto de geração de renda paralisado há uma década foram finalmente solucionados, para alívio de um grupo de 23 mulheres empreendedores do assentamento Nova Vitória, em Pinheiros, extremo norte do Estado. Impedidas de acessar a totalidade dos recursos aprovados no final de 2013 pelo governo federal, as mulheres tiveram inviabilizada a iniciativa de produção comercial coletiva de galinhas caipiras e haviam arcado com os prejuízos junto ao comércio local.
A solução foi alcançada por meio de um repasse de verbas por parte da nova gestão da superintendência capixaba do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a partir de uma atuação do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da Defensoria Pública Estadual (Nudam-DPES), que foi demandado pelas mulheres ao relatarem o drama que viviam.
“A Defensoria oficiou o Incra e iniciou o processo de pedidos de informação para solução extrajudicial do caso. Após terem sido esclarecidas todos as questões apontadas pelo Instituto, os fornecedores foram pagos e as mulheres inseridas em outros programas de desenvolvimento”, explica o Nudam-DPES.
“Com a ajuda da Defensoria deu uma animada, porque é muito difícil acessar as políticas públicas, é muito burocrático. O Incra nunca tinha ido falar com o lojista sobre o problema do não repasse dos recursos, então ele recolheu os materiais, inviabilizou o projeto e aquilo virou uma bola de neve, um problema muito grande para nós. Agora a dívida está paga e nós podemos acessar outros projetos do Fomento Mulher”, conta Ednalva Moreira Gomes, uma das integrantes do grupo.
A expectativa, conta, é que o Governo Lula não só retome o programa, mas aumente seu orçamento para que mais mulheres de assentamentos possam ter o apoio necessário para implementar suas iniciativas de geração de renda.
O projeto inviabilizado havia sido aprovado no programa As Margaridas, ligado ao Fomento Mulher. Era uma verba de R$ 3 mil por mulher. Reunidas, elas tinham intenção de fazer uma grande criação comercial de galinhas caipiras, para venda em feiras e comércios da cidade. “Mas com a ofensiva do TCU [Tribunal de Contas da União] contra o governo Dilma, o recurso foi recolhido e a gente não conseguiu pagar a loja que forneceria os materiais. Nós entendemos que essa ofensiva foi mesmo uma estratégia da direita para sabotar a reforma agrária e os programas de apoio aos assentados”, pondera.
Durante uma década, as mulheres tentaram outras formas de colocar o projeto para funcionar, inclusive fazendo uma capacitação sobre criação de galinhas caipiras com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) de Linhares, mas sem a verba para compra de materiais, foi impossível. “A loja ficou cobrando das mulheres ao invés de cobrar do Incra. Fomos várias vezes a Vitória cobrar do Incra, mas nunca tivemos qualquer apoio”, relata Ednalva. “Não que as mulheres não tenham criação de galinhas, elas criam galinhas caipiras, mas o projeto estratégico de produção maior, para venda no comércio, não foi viabilizado”, explica.
Além da sabotagem ao Fomento Mulher, as agricultoras assentadas também sofreram com a redução drástica do orçamento para outras políticas públicas de comercialização importantes, como os programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal, e o Compra Direta de Alimentos (CDA), do governo estadual. Mas são programas que não chegam às mulheres mais jovens, que não possuem vínculo direto com a Secretaria de Estado de Agricultura (Seag) ou o Incra.
“As mulheres que são filhas das assentadas buscam alternativas. Geralmente são inseridas junto com as famílias nos programas de entrega de alimentos, mas nesses quatro anos de Bolsonaro, teve um esvaziamento muito grande”, conta.
A retomada das políticas públicas do Incra se somam agora a iniciativas do âmbito estadual, comemora Ednalva. “Atualmente, as mulheres mais jovens aqui do assentamento estão com projeto de panificação. O governo do Estado liberou apoiar uma panificadora, elas estão se organizando para ver um espaço. Estão animadas, começando com recurso próprio, mas têm uma grande vontade de melhorar a sua renda”.
Luta popular
O assentamento Nova Vitória é um dos mais antigos do Espírito Santo, criado em 1986. Conforme noticiou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por ocasião de 30 anos do assentamento, é resultado do processo de negociação com o governo do Estado, por meio da Secretaria de Agricultura (Seag).
Uma luta decisiva das famílias, para obtenção do assentamento, foi o arrendamento de meio alqueire de terra para construção de uma horta comunitária. “O governo achou que não queríamos trabalhar e falou que, para comprar a terra para nós, primeiro arrendaria meio alqueire de terra para fazermos horta. Trabalhamos na horta, em meio alqueire de terra, com umas dez famílias, para segurar essa terra”, declarou à reportagem na época Dona Mariana Rosa da Silva, uma das primeiras moradoras.
A partir daí foi criada a associação Haste da Terra, formada por famílias de Pinheiros, principalmente agricultores e meeiros que haviam sido expulsos do campo. “Após dois anos de reuniões e, com apoio da Igreja Católica, as reivindicações se intensificaram e, no dia três de março de 1986, essas famílias conquistaram 540 hectares de terra. Na época, apenas 32 famílias foram assentadas na área, hoje são aproximadamente 55”, descreve o MST.
A infraestrutura do assentamento foi sendo erguida pelos assentados e órgãos responsáveis. Em outubro passado, foi concluída uma pavimentação das ruas da comunidade, por meio de parceria entre a Prefeitura de Pinheiros e o governo do Estado.