O Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce reforçou nessa sexta-feira (1º), em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington (EUA), e no protesto realizado no Palácio Anchieta, na Capital do Estado, a urgência de se realizar estudos independentes dos impactos do crime do rompimento da barragem da Samarco/Vale-BHP em Mariana (MG).
O grupo, formado por mais de 80 entidades, também apelou aos organismos internacionais pela formalização de um comitê de especialistas “capaz de avaliar o verdadeiro mal para a saúde e segurança humana” da água fornecida às comunidades atingidas.
“Não temos nenhuma confiança nas instituições do governo que fiscalizam essas empresas. Não confiamos nos relatórios que mostram que a água está própria para consumo. Não confiamos nos relatórios que indicam que a presença de metais pesados na água está em nível normal”, enfatizou o advogado Bruno de Souza Toledo, membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória (CJP/ES), no evento do Centro Internacional de Direito Ambiental.
Em seu discurso, o representante do Fórum alertou que os mecanismos brasileiros para tratar o caso têm se mostrado insuficientes e que, somente com pressão internacional, os direitos humanos das populações afetadas se sobressairão aos interesses econômicos das empresas.
“A voz que aqui levanto são as vozes que a Samarco, a Vale e a BHP Billiton querem calar”, protestou o advogado, durante o encontro internacional. Ele destacou a importância de se fazer ecoar, para além das fronteiras do País, a verdade dos fatos. “Verdade esta que as empresas e o governo insistem em esconder e desvirtuar”.
Na denúncia à OEA, o advogado discorreu sobre quatro pontos, que destacaram os impactos ambientais, sociais e econômicos do maior desastre e crime ambiental que o Brasil já presenciou, a omissão das empresas e o acordo firmado entre elas, a União, os governos do Espírito Santo e de Minas Gerais, que violam os direitos humanos.
“Não foi um acidente. Foi o maior crime ambiental do Brasil. E este crime poderia ter sido evitado se as autoridades brasileiras não fossem cúmplices de ilegalidades cometidas pelas empresas de mineração”, pontuou.
O advogado lembrou ainda que o maior crime socioambiental da história do Brasil certamente deixará impactos de nível global. “Defender as pessoas afetadas significa não só defender as comunidades dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no Brasil, mas proteger a humanidade, acima de tudo”.
O discurso feito à OEA foi lido durante o ato realizado simultaneamente no Palácio, que reuniu movimentos sociais e estudantes na manhã dessa sexta-feira, 1º de abril, para denunciar as mentiras da Samarco/Vale-BHP.
Denúncia
No discurso feito à OEA, o representante do Fórum tratou o rompimento da barragem como o maior desastre com barragem de rejeitos em termos de volume dos últimos 100 anos.
A lama tóxica, como aponta, matou pessoas e animais, destruiu cidades no estado de Minas Gerais e, seguindo a bacia do rio Doce (o quinto maior rio do Brasil), cruzou o estado do Espírito Santo, chegando no oceano. “Até hoje os especialistas não sabem dizer qual será a direção dos resíduos e nem os impactos causados no ecossistema”, lembrando que seis meses após o rompimento, a lama continua a vazar da barragem.
Bruno informou da grave situação do Brasil, que tem 27 mil barragens operando, enquanto a agência responsável pela fiscalização, o Departamento Nacional da Produção de Minério (DNPM), possui 220 técnicos, sendo apenas 12 treinados para inspecioná-las. “Em números concretos, a falta de profissionais nesta área nos faz concluir que em 2015 apenas 60 projetos foram adequadamente monitorados”.
A denúncia relatou ainda o caso de Colatina, noroeste do Estado, onde o abastecimento de água foi completamente interrompido, causando caos social. “A falta de água não foi o único problema, mas sérios conflitos geraram uma avaria social, sendo necessária a intervenção de militares e forças especiais”. E, ainda, que a contaminação da água afetou a atividade pesqueira nas comunidades ribeirinhas do rio Doce, que foi paralisada imediatamente.
O estudo divulgado recentemente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que aponta a contaminação por metais pesados em algumas espécies de peixe em até 140 vezes o permitido pela legislação, também foi apresentado no evento internacional.
“Muitos produtores reclamam que ninguém quer comprar vegetais ou nenhum outro produto agrícola que tenha sido irrigado com as águas do rio Doce. Desta maneira, as plantações estão sendo perdidas porque muitas pessoas dependem dessas águas para irrigação, produtores sofrem um impacto na queda das vendas e, consequentemente, na suas rendas. O modo de vida foi afetado. Crianças, por exemplo, não podem mais brincar no rio”.
Outro ponto denunciado foi que a Samarco tem assumido o papel de definir ações como identificar a população afetada e determinar uma distribuição segura de água potável para consumo dos humanos. “Portanto, a não ser que o Poder Judiciário interfira, é a Samarco que tem a palavra final na distribuição de água mineral para a população afetada”.
Segundo o Fórum, em encontro realizado na comunidade ribeirinha de Mascarenhas, no Espírito Santo, em dezembro do ano passado, a empresa proibiu a entrada de um membro da entidade de sociedade civil e de jornalistas que estavam com ele. Esse episódio, como apontou Bruno, mostra uma prática comum na relação das empresas mineradoras com as comunidades afetadas: elas escolhem alguns líderes locais e fazem negociações a portas fechadas. “As negociações da empresa com as comunidades promovem uma fragmentação da própria comunidade, já que ignora seu modelo organizacional das comunidades”.
O discurso enfatizou ainda os descumprimentos pela empresa dos prazos estabelecidos nos termos de ajuste de conduta e o acordo extrajudicial “construído sem nenhuma participação popular e sem que os atingidos fossem ouvidos”. Esse acordo, denunciou o advogado, defende muito mais os interesses das empresas do que o das comunidades.