Nas cidades do ES, relevância ambiental dos manguezais é ainda maior, alerta professor
Uma pesquisa realizada no delta do rio Amazonas, sob liderança do professor Angelo Bernardino, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), evidencia mais um aspecto da importância ambiental fundamental dos manguezais para o planeta, inclusive a saúde das pessoas. A pesquisa, que já havia detectado a elevada capacidade de sequestro de carbono por esses ecossistemas – muito maior que a das florestas e savanas terrestres – agora mediu o serviço de remoção de microplásticos, que chegou a meia tonelada por ano, na região amazônica, conforme artigo publicado na Science of the Total Environment.
Os microplásticos, explica o pesquisador, são “contaminantes onipresentes nos ecossistemas aquáticos do mundo, originários de múltiplas fontes de atividades humanas” e identificar formas de enfrentar esse problema é uma tarefa encampada por diversos campos da ciência. Na Expedição Perpetual Planet Amazon, Bernardino e sua equipe objetivaram mensurar esse valor adicional dos manguezais, especialmente para os ambientes e pessoas que vivem em suas proximidades, no caso, especialmente moradores costeiros da Amazônia que usam água do rio não tratada para suas necessidades diárias.
A análise de amostras coletadas em vários pontos das florestas de mangues do Amazonas mostrou presença de microplásticos em quase todas as regiões amostradas, mas em quantidades moderadas, com baixos riscos ecológicos para a fauna aquática, devido ao serviço de remoção desses poluentes pelas raízes das árvores dos manguezais. A taxa média de enterramento, segundo o estudo, é de meia tonelada por ano no Delta do Rio Amazonas. “O valor econômico dessa remoção de plástico pelos manguezais pode ser comparado com os custos das instalações de tratamento de água para remover a mesma quantidade de plástico da água”, afirmam os pesquisadores, que estimam algo em torno de US$ 0,3 a US$ 1,1 milhão por ano.
O coordenador da pesquisa explica que os resíduos plásticos, assim como o carbono, ficam retidos no solo de qualquer manguezal, por meio das raízes das árvores, que funcionam como uma peneira, que prendem as partículas orgânicas e inorgânicas que estejam na água e que isso acontece até uma capacidade limite, quando o solo fica todo coberto de plásticos, como já ocorre em alguns centros urbanos.
Para Século Diário, Angelo Bernardino destacou que, em áreas de maior concentração urbana, como a região metropolitana da Grande Vitória, a relevância ambiental dos manguezais é ainda mais estratégica, considerando a intensa concentração de poluentes plásticos e a elevação do nível do mar, já em curso, devido à emergência climática. Confira a entrevista:
O que acontece com o microplástico que desce a coluna de sedimentos e se armazena na grandes profundidades do solo (como o que foi constatado na Amazônia, com resíduos encontrado em solos datados de tempos anteriores à era do plástico)? Ele se degrada de forma segura ao ambiente?
Esse plástico é enterrado por um mecanismo de mistura de sedimentos com a maré e as ondas, que vão empurrando esse microplástico cada vez mais fundo e por isso ele é encontrado em sedimentos datados anteriormente à era do plástico. Na Amazônia, pela quantidade de plásticos que encontramos, pela massa de plástico, entendemos que não oferece riscos à biota aquática. Mas se essa concentração aumenta, é comum observar outros compostos associados a esses plásticos, outros poluentes, que podem ser prejudiciais aos animais e à saúde humana. O plástico provavelmente permanece lá por muito tempo, pois se não são degradáveis facilmente, vai ser demorado, por isso é encontrado em grandes quantidades. Devido à concentração ser baixa, não vemos risco ecológico, mas em áreas urbanas, devido à alta concentração e pelos poluentes que se prendem, podem ser uma preocupação de saúde pública.
Desde aquela grave ameaça de mudança na proteção legal dos manguezais protagonizada pelo então ministro Ricardo Salles, em 2020, houve algum tipo de avanço ou retrocesso na legislação e na prática dos governos em relação à conservação desse ecossistema no Brasil?
Desde a mudança do governo, as resoluções que o antigo governo tinha proposto em relação à não proteção de manguezais, que nunca se tornaram efetivas se não me engano, não passaram pelo Congresso, foram desautorizadas. Então os manguezais continuam como área de proteção permanente, sob o Código Florestal. Existe um problema hoje, que os apicuns, a parte superior, na transição com a restinga e outros ecossistemas terrestres, são passíveis de utilização para certas atividades. O apicum é um problema regulatório no Brasil, porque não está incluído na legislação relativa aos manguezais, mas é sim parte desse ecossistema, inclusive funcionando como uma área de escape, de fuga, nesse novo cenário de subida do mar. É um problema muito importante para a regulação ambiental hoje. Existem várias áreas de apicuns onde os manguezais podem colonizar no futuro, com a subida do nível do mar, que hoje não são protegidas e podem ser ocupadas por áreas privadas ou zonas urbanas, o que dificulta a adaptação das cidades costeiras, como a região metropolitana de Vitória, à subida do nível do mar. Isso é um problema grande que aumenta a vulnerabilidade de cidades. A proteção do manguezal continua garantida por lei pela resolução nacional do meio ambiente, mas continuam algumas lacunas dentro do Código Florestal.
A restauração de manguezais degradados faz parte de um horizonte projetado por estudos científicos ou políticas públicas no Espírito Santo e no Brasil?
Existem muitos trabalhos, tanto científicos, quanto iniciativas públicas e privadas de restauração de manguezais degradados no mundo. No Espírito Santo, uma área morta em 2016, no Piraquê-açu e Piraquê-mirim, em Aracruz, é alvo hoje de estudos científicos para sua restauração. No Brasil em geral o número de projetos não é grande, porque a conservação dos manguezais é relativamente bem-sucedida, os manguezais são protegidos legalmente, então a perda de manguezais é limitada quando comparado com a Indonésia e outras áreas do sudeste asiático, eles foram dizimados, com perdas acima de 50% nas últimas décadas, para fazendas de camarão e plantações. No Brasil não há esse cenário desastroso, apesar de haver algumas áreas que concentram perdas para fazendas de camarão no Nordeste, pressão por pastagens, perda de manguezais para áreas urbanas, como é o caso da baía de Vitória, que já foi mais comum, mas ainda acontece em menor escala. Então, para muitas nações, a restauração é um processo ativo e muito importante. No Brasil existe em pequena escala, porque os manguezais têm sido preservados com sucesso. Mais de 80% dos manguezais hoje se encontra em unidades de conservação, seja municipal, estadual ou federal, o que ajuda na sua conservação.
O Espírito Santo perdeu o equivalente a um manguezal do Rio Benevente em menos de meio século, segundo pesquisa de Roberto Vervloet, publicada em e-book há um ano. Como reverter esse processo de degradação?
A taxa de perda que esse trabalho informa é de 2,2 mil hectares em 45 anos, em torno de 50 hectares por ano. É uma taxa relativamente baixa e isso é observado no Brasil inteiro. Na Amazônia, que concentra dois terços dos manguezais do país, são cerca de 700 hectares por ano. Comparado com a extensão dos manguezais, é menos de 1% por ano. É uma constante, o que é um ponto de atenção, que continua acontecendo apesar da proteção, mas ainda é pequena quando comparada com outras nações. O que é mais importante não é a quantidade, mas as causas das perdas. De onde são essas perdas? Como essas perdas são causadas? São conversões de manguezais em pastos, em áreas produtivas, ou são perdas criminosas, como é muito frequente em zonas urbanas, onde aterros vão além da área autorizada, como aconteceu recentemente em Vitória ou como ocorre constantemente na Serra, onde a pressão por urbanização costeira ocorre muito próximo às baías, aos lençóis freáticos, áreas inundáveis, áreas alagáveis.
Considerando a emergência climática e a elevação do nível dos oceanos, essas áreas urbanas com grande pressão sobre os manguezais, como na Grande Vitória, merecem então uma atenção especial para a conservação dos manguezais?
Sim, é um cenário preocupante. É possível que grandes perdas ocorram mais vezes em áreas naturais, como no Piraquê, em Aracruz, onde 500 hectares morreram de uma só vez, o que é equivalente a dez anos da perda média no Espírito Santo. Mas como é uma área natural, as chances de recuperação são maiores. Agora, quando são áreas pequenas, mas próximas a cidades ocupadas com infraestrutura urbana, isso é mais difícil de recuperar, porque tem uma casa, um porto, um píer, o que impede que a floresta se regenere ou impede a restauração. E são áreas que possivelmente vão ser alagadas com a subida do mar, o que aumenta a vulnerabilidade das cidades no futuro. Por isso é mais importante o estado ter uma atenção especial próximo às áreas urbanas, porque os manguezais fornecem não só esses serviços de limpeza, mas protegem a zona costeira da subida do mar, o que vai ser muito sério e vai causar grandes prejuízos econômicos para essas cidades.