Esse é o entendimento de homens e mulheres que estão recebendo, da Renova, as propostas de indenização por danos morais, materiais e lucro cessante advindos da impossibilidade de exercitar sua profissão após o derramamento de rejeitos de mineração na calha do rio.
Rosilene da Silva Carvalho, pescadora em Baixo Guandu, conta que ela e o esposo possuem o RGP e trabalhavam da mesma forma. A proposta da Renova para seu marido, porém, foi de aproximadamente R$ 78 mil e a dela, de R$ 42 mil, pouco mais da metade.
“A mesma coisa que o marido faz a esposa também faz. Eu acho isso um absurdo! A pessoa tem a carteira de pesca, mexe com peixe, e fazer isso!”, reclama a pescadora profissional, que conta fazer todo o serviço, da mesma forma que o esposo: armar a rede, pescar de vara e molinete, limpar e vender o peixe. “Trabalhava igual a ele, mas estão nos colocando como ajudantes de pesca. Eu falei pra ela [representante da Renova, em reunião sobre as indenizações]: então a minha carteira de pesca pra vocês não vale nada, eu não sou profissional?”, relata Rosilene.
Na cidade vizinha de Aymorés, já em Minas Gerais, o pescador Vagner Aparecido de Souza conta que sua esposa sequer conseguiu se cadastrar, e a indenização foi proposta apenas para ele, e num valor muito inferior à renda que a família obtinha antes da chegada da lama. “Estão discriminando as mulheres, sim!”, denuncia.
Vagner conta que a esposa limpava e comercializava o peixe que ele pescava. Mas ela foi totalmente excluída do cadastramento. “Não estão cadastrando as mulheres, colocando só como dependente, pagando 20%“, conta.
O cálculo para as indenizações, explica Vagner, é feito a partir do valor atualmente pago nos auxílios emergenciais. A proposta da Renova é pagar de uma única vez o valor equivalente a cinco meses de auxílio emergencial, descontando os meses já pagos, os honorários dos advogados – que variam de 20% a 30%, dependendo do contrato feito entre a associação/colônia/sindicato de pesca e o escritório de advocacia – e o imposto de renda; e acrescendo de indenizações por danos morais (R$ 10 mil em média) e dos barcos que ficaram parados (R$ de 8 mil a R$ 10 mil).
“É muito menor do que o orçamento que a gente tirava”, reclama Vagner, que hoje recebe um auxílio de pouco mais de R$ 1.300,00, quase metade do que conseguia quando podia pescar.
E quem garante que em cinco anos o rio voltará a ser piscoso? Que os rastros da lama terão desaparecido e os peixes voltarão a ser saudáveis e seguros para o consumo? Ninguém tem a resposta precisa, por isso, os pescadores e pescadoras estão receosos em assinar um acordo de indenização que, além de se basear em valores inferiores aos rendimentos anteriores ao crime, discrimina as mulheres e ainda pode lhes deixar completamente sem renda em um futuro próximo, quando o dinheiro antecipado do auxílio emergencial e das indenizações acabar e a pesca continuar inviável.
“Mataram nosso rio e querem pagar essa indenização e acabar o cartão. Eles acabaram como o rio, não dá mais pra viver da pesca, aqui em Baixo Guandu ninguém compra mais peixe, estão cheios de machucado. Agora querem pagar essa mixaria. Eu não pego. E não quero exercer outra atividade. Como eu vou largar a minha profissão de pescadora para tentar fichar agora em outro serviço, perto de me aposentar?”, desabafa Rosilene.
A discriminação contra as mulheres pescadoras é uma das sete pautas enviadas para a Defensoria Pública do Espírito Santo e para o Comitê Interfederativo (CIF), após reunião realizada no dia 13 de setembro, no Centro de Treinamento Dom João Batista, na Praia do Canto, em Vitória, a convite da Comissão Pastoral da Pesca (CPP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O encontro reuniu dez associações, colônias e sindicatos de pesca capixabas, além do Fórum Norte da Foz, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) e a Federação das Associações de Pescadores do Espírito Santo (FAPAES).
Lama ainda desce
Vagner conta que, para conseguir o peixe para a família comer, percorre cerca de 33 km para chegar na região de Santa Aninha, acima da barragem velha, que não foi afetada. Mas é só para subsistência, porque ninguém acredita que o peixe vem de uma região não contaminada. No Rio Doce, há cerca de vinte dias, decidiu “dar uma tarrafada” e só encontrou peixes doentes, “todo cheio de lepra”.
Acima de Governador Valadares, alerta que há uma barragem com muita lama, que vai descer a qualquer momento, assim que cair a próxima chuva forte. “E um colega meu que mora perto diz que a lama ainda tá descendo de Mariana no Rio Doce”. Os pescadores, lamenta Vagner, “ou estão na droga ou estão nos botecos bebendo cachaça”. “Não tem pesca, acabou”.