Samarco participa com 3,3% a 4% do PIB do Espírito Santo, entre R$ 4 e R$ 4,8 bilhões, estimam Casa Civil e PGE
O Governo do Espírito Santo estuda a abertura de ação judicial contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton no Reino Unido, em busca da reparação dos danos econômicos, sociais e ambientais provocados em municípios capixabas pelo crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, em novembro de 2015, o maior do país e da mineração mundial.
Após o fracasso das tratativas de repactuação do acordo vigente – o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em março de 2016 entre as empresas criminosas, a União e os governos capixaba e mineiro – lideradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos os estados já haviam anunciado a decisão de judicializar o caso no Brasil. A alternativa segue de pé e agora é acrescida pelo ingresso também no país sede da BHP.
A Corte britânica já aceitou julgar uma ação coletiva relacionada ao crime das mineradoras, proposta pelo escritório Pogust GoodHead (PG) em nome de mais de 200 mil atingidos, entre pessoas físicas, municípios, comunidades indígenas, autarquias, empresas e instituições religiosas no Espírito Santo e Minas Gerais.
Em reunião recente, os advogados prestaram informações sobre o processo ao subsecretário de Estado da Casa Civil e coordenador executivo do Comitê Pró-Rio Doce, Ricardo Iannotti, e o procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral.
“O Governo considera o ingresso de ações em Londres por acreditar no êxito judicial, visando à garantia da proteção do Estado contra os danos ambiental e socioeconômico. Um fator importante a favor é o fato de a Justiça inglesa aceitar o dano econômico, desconsiderado na mesa de repactuação na Justiça brasileira. A Samarco participa com 3,3% a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) capixaba, o que equivale a entre R$ 4 e 4,8 bilhões anuais. Com a interrupção das operações, o Espírito Santo sofreu uma queda na arrecadação, impactando diretamente nos investimentos nos municípios”, explicou o subsecretário Ricardo Iannotti.
O coordenador executivo do Comitê Pró-Rio Doce acrescentou que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) fará a análise técnica sobre o ingresso na Corte inglesa e os instrumentos jurídicos a serem adotados, uma vez que se trata de uma conduta atípica.
Justiça inglesa
A ação na justiça inglesa foi impetrada pelo escritório PG em 2018 com o valor de cinco bilhões de libras esterlinas – atualizados hoje para cerca de R$ 31 bilhões – e chegou a ser negada, mas, após nova análise, foi aceita no dia oito de julho.
Na ocasião, Tom Goodhead, sócio-administrativo do escritório, declarou sua expectativa de que, diante do aceite da Justiça, a empresa propusesse um acordo em no máximo 90 dias. O escritório acredita tratar-se da maior ação coletiva relacionada a um desastre ambiental nos tribunais ingleses.
Negociações inviabilizadas
O esforço de repactuação se deu durante 14 meses, envolvendo os dois governos estaduais, seus respectivos Ministérios Públicos (MPES e MPMG) e Defensorias Públicas (DPES e DPMG), além do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU).
Foram nove rodadas de negociação, com a mediação do CNJ e mais de 250 reuniões, além de visitas técnicas aos locais atingidos, coordenadas pelo conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que, no Espírito Santo, afirmou que “a repactuação deve garantir vida digna aos atingidos”.
A continuidade das negociações, entretanto, foi inviabilizada pela apresentação de proposta por parte da Samarco, da Vale e da BHP Billiton de desembolso financeiro incompatível com a necessidade de reparação integral, célere e definitiva do Rio Doce e das populações atingidas.
Na avaliação do procurador-geral do Estado do Espírito Santo, Jasson Hibner Amaral, as empresas foram desrespeitosas com o poder público e, principalmente, com a população capixaba atingida. “Hoje, passados sete anos do desastre, a reparação que se diz ter feito é imperceptível e as empresas ainda pedem mais 20 anos de prazo. O que vamos dizer para aqueles que perderam suas casas, suas fontes de sustento? Esperem mais 20 anos?”, pontuou.
Amaral destacou ainda que agora, passada a fase da tentativa de repactuação do acordo inicial, o poder público não ficará inerte. “Vamos buscar de todas as formas possíveis fazer com que os responsáveis pela tragédia paguem, efetivamente, pelo que aconteceu. Porque até o momento, somente as vítimas estão pagando. Para isso, vamos ingressar com novas petições na Justiça brasileira e, possivelmente, na Justiça inglesa para garantir a penhora de valores, o pagamento aos atingidos e a recuperação do meio ambiente”, salientou.
Indígenas ocupam ferrovia
Assim como os governos, que se lançaram à tentativa de repactuação sem interferência da Fundação Renova, os indígenas de Aracruz, no norte do Estado, também buscam uma revisão do acordo de reparação e compensação dos danos provocados pela contaminação dos rios que abastecem as aldeias Tupinikim e Guarani com os rejeitos de mineração trazidos pelo Rio Doce através do Canal Caboclo Bernardo e também pelo mar.
Após um ano do acordo assinado com a Fundação Renova, as comunidades se veem desassistidas e exigem atendimento a seus direitos em negociação direta com as mantenedoras da Renova.
O diálogo com as mineradoras foi aberto pela Vale, após reunião realizada nesta sexta-feira (16) na sede do governo do Estado, no Palácio da Fonte Grande, em Vitória, com forte presença dos executivos da Vale, da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) e da ONG empresarial ES Em Ação.
Nesta segunda-feira (19), uma nova reunião, em Aracruz, pode dar fim à ocupação da ferrovia da Vale, iniciada em primeiro de setembro, envolvendo centenas de famílias indígenas. A condição para desocupar dos trilhos é a garantia, em documento assinado pelos responsáveis pela mineradora, de retorno imediato do pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE) e de um cronograma de planejamento para atendimento das demais pautas reivindicadas pelas comunidades.