Medida é demanda antiga dos pescadores, que apontam impactos da atividade
A proibição da pesca de cerco com traineiras no mar territorial capixaba será discutida pelo Governo do Espírito Santo com o Comitê da Cadeia Produtiva da Pesca e da Aquicultura (Compesca) no próximo dia 6 de maio, quando será apresentada a proposta de projeto de lei sobre a limitação da atividade nas 12 milhas náuticas sob jurisdição do Espírito Santo. O encontro será às 15h, no auditório do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), em Jardim América, Cariacica, e atende a uma reivindicação histórica dos pescadores artesanais, que denunciam os impactos dessa modalidade à fauna marinha e às condições de trabalho e sobrevivência da categoria.
A pesca de cerco com traineiras é um método industrial reconhecidamente predatório, que utiliza grandes redes circulares e embarcações de médio e grande porte, com a sardinha como principal alvo de captura. No Estado, onde ela não é frequente, tem resultado na captura de espécies como o xixarro (Caranx crysos) e o peroá-branco (Balistes capriscus), ambas listadas como “Vulneráveis” no Livro Vermelho da Fauna e Flora do Espírito Santo.

O problema se agrava pelo fato de que a maior parte dessas embarcações não é capixaba, vem de estados como Santa Catarina e Rio de Janeiro, operam na costa capixaba, capturam grandes volumes de peixe e retornam aos seus portos de origem. “Pelo menos há 15 anos isso vem sendo discutido com os pescadores, mas nunca conseguimos implementar a proibição. A pesca industrial tem um lobby muito forte. Desta vez, é mais uma tentativa”, observa o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e representante do Compesca, Nilamon de Oliveira Leite Junior.
Ele destaca que a proposta atende a um desejo antigo dos pescadores artesanais que têm sofrido mais de uma década de impactos sobre os recursos pesqueiros. “Os órgãos ambientais reconhecem esse impacto, principalmente pela concorrência com a frota artesanal. As traineiras têm um poder de pesca dezenas de vezes maior do que os barcos artesanais locais”, afirmou.
Segundo a gerente estadual de Biodiversidade da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Thaís Volpi, as embarcações industriais que operam em larga escala na costa capixaba não estão registradas no Espírito Santo. “Temos apenas três registros de traineiras artesanais, sendo que apenas uma está ativa. Essa, por ser artesanal e de menor porte, continuará autorizada. A proibição é voltada às traineiras industriais”, explicou.
A proposta será apresentada pelo Iema e, após eventuais ajustes, precisará passar pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) e pelo gabinete do governador Renato Casagrande (PSB), até ser enviada à Assembleia Legislativa para análise.
Thaís destacou, ainda, que o esforço de pesca das cinco traineiras industriais identificadas tem um potencial de captura 25 vezes maior do que toda a frota de pesca artesanal (composta por 712 pescadores) e industrial (87 pescadores) do Espírito Santo somadas.
A atuação dessas embarcações também compromete a biodiversidade marinha local. Com o declínio da sardinha nas regiões Sul e Sudeste, as traineiras passaram a pescar outras espécies com menor capacidade de regeneração populacional. O xixarro e o peroá são exemplos que têm sofrido pressão crescente, aponta a representante da Seama. Isso impacta diretamente os pescadores capixabas, que vêm enfrentando redução dos estoques e queda de renda.
Além disso, as embarcações extrapolam os limites do mar territorial estadual. De acordo com Thais, a proposta legislativa prevê a proibição nas 12 milhas náuticas sob jurisdição do Espírito Santo, no entanto, a intenção do governo é, após a aprovação estadual, pleitear com o governo federal a extensão da medida para as 200 milhas náuticas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), onde também atuam com autorização federal. “Por ora, nossa competência legal é limitada às 12 milhas. Mas vamos buscar apoio para ampliar essa restrição”, garantiu.
A pesca de cerco com traineiras começou a ser praticada no Espírito Santo nos anos 2000, e desde então, tem sido alvo de críticas por parte dos pescadores artesanais, que relatam dificuldades crescentes para garantir a subsistência de suas famílias. “Antes não tínhamos dados suficientes para embasar a decisão. Hoje temos, e isso torna a proposta mais sólida. A reunião do Compesca será fundamental para dar força à medida e mostrar que existe um consenso entre os pescadores locais”, ressalta Thaís Volpi.