Não bastassem as fracassadas tentativas de estabelecer um diálogo com o governador do Estado Paulo Hartung (PMDB) e o secretário de Estado da Educação, Haroldo Rocha, a gestão estadual designou uma comissão sem poder de decisão para debater a pauta da educação do campo com o movimento que ocupa o prédio da Sedu há 21 dias. “A questão, até hoje, não saiu da estaca zero”, pontuou Fátima Ribeiro, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Segundo ela, em reunião com o subsecretário de Planejamento e Avaliação da Sedu, Eduardo Malini, na última sexta-feira (4), foi reiterado o pedido de intermediação para que se estabeleça essa mesa de negociação, o que é esperado para até esta quarta-feira (9).
Desde o início das mobilizações, que denunciam as tentativas do governo estadual de fechar as escolas dos assentamentos, a única proposta feita pelo governo do Estado, como aponta o MST, foi instituir essa comissão, que teria o prazo de 45 dias para analisar as reivindicações do movimento. Fátima afirma que até foram realizadas algumas reuniões, nenhuma, porém, com avanços na pauta, exatamente porque não escalaram pessoas com essa autonomia.
Além disso, o governo quer ainda mais prazo – dois meses – para solucionar o impasse em relação ao principal ponto da pauta dos movimentos sociais, a pedagogia da alternância, aplicada em 25 escolas de assentamentos rurais nos municípios do interior.
Essa metodologia alterna o período dos professores nas salas de aula (tempo escola) e no campo (tempo comunidade), mas o governo, hoje, quer pagar apenas a hora/aula dos professores de 55 minutos, não contabilizando o tempo de acompanhamento do campo e da auto-organização dos estudantes. “A gestão Hartung mantém-se irredutível e sequer aceita ouvir qualquer contraproposta”, ressalta Fátima.
Também não há, como aponta o MST, garantias aos assentados de que, passado esse período, o governo estará de fato disposto a solucionar o impasse. Os sem-terras aguardam há anos, sem sucesso, que o governo do Estado reconheça a pedagogia da alternância oficialmente.
Para a entidade, a posição do Estado é no sentido de inviabilizar a existência das escolas dos assentamentos e precarizar as condições de trabalho de seus professores.
Diante da falta de sinalização de avanços nas negociações e sem uma resposta efetiva à pauta, os militantes ainda não têm prazo para encerrar a ocupação na Sedu.
Anos de omissão
As escolas de assentamento, segundo o MST, surgiram no Estado em 1985, a partir de reivindicações das famílias por terra, trabalho e educação diferenciada em consonância com as especificidades do campo, o que é possível com a aplicação da pedagogia da alternância, método inaugurado pela Rede Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes).
Sete anos depois, essas escolas passaram a ofertar também o segundo segmento do ensino fundamental pela rede pública estadual, com a inclusão das disciplinas de Agricultura, Práticas na Propriedade Familiar, Educação Familiar e Zootecnia.
Durante esse período, como informam os sem-terras, foi aprovado um projeto de resolução pelo Conselho Estadual de Educação com validade de dez anos, que reconhecia a pedagogia de alternância como método de ensino e aprendizagem. Após esse prazo, iniciaram-se vários diálogos com o governo do Estado, que resultaram apenas em acordos verbais, sem qualquer documento oficial que reconhecesse esse método de ensino.
Diante da necessidade de garantir a legalidade dos direitos conquistados nessas negociações com o Estado, o MST iniciou, em 2012, a produção das Diretrizes de Escolas de Assentamentos, documento que regulamentaria o funcionamento da pedagogia da alternância.
“Com esse propósito foram realizadas diversas reuniões no Coletivo de Educação dos Assentamentos, inclusive com participação de técnicos da Sedu e, em 2013, foi protocolado no Conselho Estadual de Educação um relatório contendo o que foi produzido nessas reuniões e seminários e posteriormente encaminhado para a pasta estadual para análise e aprovação. Em 2014 as Diretrizes de Escolas de Assentamentos foram organizadas em forma de portaria, que, contudo, não chegou a ser publicada”, diz a entidade em nota.
A situação se agravou no ano passado, quando o governo do Estado anunciou o corte do pagamento dos professores do segundo segmento do ensino fundamental das escolas de assentamento, sob alegação de que não existia documento oficial que assegurasse o reconhecimento das horas trabalhadas pelo professor no “tempo comunidade”.
A posição da gestão estadual motivou a primeira ocupação da Sedu, mas o Estado recuou e manteve o pagamento dos contratos em curso (professores DT’s), solicitando três meses para a regularização das diretrizes. Para tanto foi criado um Grupo de Trabalho (GT) para atualização, revisão e adequação do documento.
Meses depois, ainda sem avanços nos acordos realizados com o governo, os movimentos sociais realizaram uma nova ocupação da Sedu. Na ocasião, foram informados de que o GT havia realizado visita a apenas 15 escolas de um total de 25 escolas e, por isso, as diretrizes ainda não poderiam ser aprovadas.
Considerando o histórico do caso, a decisão deste ano do governo Hartung de não pagar das horas-aula prestadas no “tempo comunidade” para os professores contratados sob o regime de designação temporária (DT’s) foi o estopim para desencadear a atual mobilização. Com o impasse, as escolas de assentamento estão atualmente sem funcionamento regular.