Projeto está parado há dois anos no legislativo, enquanto a poluição do ar segue impune contra a população
Passadas as eleições, ainda não há sinal de mudança na gestão da qualidade do ar na Grande Vitória. Em meio a arquivamento de processos criminais por poluição e a Termos de Compromisso Ambiental (TCA) inócuos firmados com as maiores poluidoras, Vale e ArcelorMittal, agora o governo do Estado pede à Assembleia Legislativa que retire de pauta o Projeto de Lei nº 328/2020, que deveria instituir a “Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no âmbito do Espírito Santo”.
Na mensagem enviada pelo governador Renato Casagrande (PSB) nessa quinta-feira (10), o pedido é de devolução da matéria para o Executivo, para “reexame da proposição”, sem maiores explicações sobre os objetivos dessa análise.
Anunciado pelo governo do Estado durante as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente de 2020, o PL está parado na Casa Legislativa há mais de dois anos. Nesse período, nenhuma movimentação no sentido de votação ou mesmo discussão ampla com a população. Apenas recebeu uma série de emendas, mais de 50 no total, a maioria do deputado Sergio Majeski (PSDB), visando aprimoramento do texto com foco em padrões mais rigorosos para os principais poluentes monitorados e na participação da sociedade civil no controle ambiental.
No final de agosto passado, o parlamentar criticou a estagnação do projeto, pedindo que a Casa se esforçasse para retirá-lo do limbo, mas nada aconteceu. Em suas emendas, Majeski procurou adequar o PL às novas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em setembro de 2021, e que motivaram, em maio deste ano, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) a atualização dos padrões nacionais, com base na OMS.
No Espírito Santo, os parâmetros em vigor sequer atendem às antigas recomendações da OMS. Mas, ao invés de atualizar os números e cobrar com mais rigor a redução da emissão de poluentes, o governo do Estado se limita a apoiar os Termos de Compromisso Ambiental assinados pela Vale e ArcelorMittal com o Ministério Público Estadual (MPES), outro ente de extrema permissividade em relação à poluição do ar.
Em “moção de repúdio”, divulgada nesta sexta-feira (11), a Juntos SOS ES Ambiental apontou que o projeto demandou “muitas horas de trabalho dos senhores deputados, assessores e servidores da Casa, exaustivos debates na Comissão de Meio Ambiente, com a presença de autoridades de diversos poderes, integrantes do setor produtivo e da sociedade civil”, e estava prestes a ser votado, “produto final que traduzia, de forma clara e objetiva, normas e diretrizes de proteção da qualidade do ar no Estado, com padrões em acordo com as Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
Para a entidade, “passadas as eleições, o governador atende aos interesses das poluidoras, impedindo a tramitação do projeto, demonstrando desprezo pelo meio ambiente e pela realidade da população que é vítima do pó preto”, e em sentido contrário à sua atuação no âmbito nacional e internacional, em que “tenta se credenciar como defensor do meio ambiente”.
Ações na justiça
Mesmo sem definir métricas objetivas para redução da poluição por parte das duas indústrias, os acordos chegaram a suspender, por um ano, a tramitação de duas ações impetradas contra as duas poluidoras na Justiça-. Desde a retomada do processo, no entanto, não foi tomada nenhuma decisão judicial.
As ações tramitam há 16 anos, no caso da Vale (processo nº (2006.50.01.006596-7), e há nove anos, no caso da ArcelorMittal (Processo nº 0006440-95.2013.4.02.5001). Perícias já foram feitas, inclusive uma que reconheceu a falta de metas objetivas de redução da poluição por parte dos TCAs.
Há um ano, a Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), ONG autora da ação contra a siderúrgica, chegou a propor a construção de domus, para o enclausuramento total das unidades industriais que mais emitem partículas sedimentáveis (pó preto).
As ações também requerem indenização à população sobre os impactos causados pela poluição do ar emitida pelas duas empresas. A movida contra a ArcelorMittal está com o juiz desde 15 de março para decisão e, contra a mineradora, desde 23 de junho, também sem qualquer decisão.