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GT quer ‘conscientizar’ comunidades tradicionais sobre mineração de sal-gema

Presidido pela pasta de Rigoni, GT garante votos para as empresas e nenhum para comunidades e ONGs

Um Grupo de Trabalho (GT) criado para “conscientizar e integrar” as comunidades tradicionais à mineração de sal-gema em seu território não tem nenhuma cadeira para essas comunidades nem para a sociedade civil organizada. A contradição salta aos olhos durante uma leitura atenta do Decreto nº 5546-R, de 14 de novembro de 2023, publicado na edição do último dia 16 do Diário Oficial do Espírito Santo.

A normativa é assinada pelo governador Renato Casagrande (PSB) e “institui o Grupo de Trabalho Interinstitucional para o Desenvolvimento Sustentável do Polo de Sal-Gema em Conceição da Barra destinado ao acompanhamento do processo de estudos, pesquisas e exploração minerária no município de Conceição da Barra”.

Em seu artigo 2º, o decreto estabelece as duas competências do GT: “acompanhar os processos administrativo-minerários destinados à exploração mineral e suas decorrências nos órgãos pertinentes, inclusive o de licença ambiental”; e “propor ações administrativas destinadas à conscientização do processo de exploração minerária e integração com comunidades tradicionais”.

Apesar da importância das comunidades tradicionais para a criação do GT, sua composição as exclui totalmente, visto que não há qualquer organização ou entidade representativa dos povos tradicionais entre as dez cadeiras, cada um com um titular e um suplente, listadas no artigo 3º. São elas: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama); Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sedes); Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema); Agência Nacional de Mineração do Espírito Santo; Prefeitura de Conceição da Barra; Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Saneamento, Habitação e Meio Ambiente de Conceição da Barra; Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes); Conselho Regional de Química XVI Região; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes); e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, acrescenta que “é admitida a participação de um representante de cada empresa responsável pelas 11 áreas de exploração do sal-gema no Grupo de Trabalho, com direito a voto”. Em setembro de 2021, a Findes divulgou quatro empresas como vencedoras do leilão: Dana Importação e Exportação LTDA, José Augusto Castelo Branco, Pedras do Brasil Comércio Importação e Exportação LTDA e Unipar Carbocloro S.A. Os nomes dos respectivos representantes serão conhecidos em uma portaria a ser publicada pela Seama em breve.

Oportunidade no desastre

A presidência do Grupo é da Seama, cujo gestor, o ex-deputado Felipe Rigoni (União), é conhecido como “embaixador capixaba do sal-gema”, desde que atuou fortemente em 2019 para destravar o leilão de onze áreas, localizadas em Conceição da Barra, o que aconteceu em setembro de 2021 pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

Pelo prazo regimental, as empresas têm mais um ano para realizar pesquisas e atualizar os estudos feitos pela Petrobras. Na ocasião do leilão, a Assembleia Legislativa divulgou o relatório de 1991 da Petrobras, dando conta de que as onze poligonais pesquisadas possuem profundidades variando de 1,2 mil a 1,7 mil metros e que, “na parte emersa da bacia, é possível delimitar um depósito de sais solúveis com reservas totais da ordem de 19,4 bilhões de toneladas”.

O empenho de Rigoni junto à Agência de Mineração foi um reflexo imediato do anúncio de suspensão das atividades da Braskem em Maceió, capital de Alagoas, cerca de um ano após os primeiros tremores em bairros onde a mineradora explorava sal-gema desde a década de 1970. Ao longo dos anos, a tragédia só se agravou. Mais de 60 mil pessoas de cinco bairros foram obrigadas a abandonar seus imóveis devido ao afundamento do solo, conforme informou a Prefeitura de Maceió à Agência Brasil em julho, quando foi fechado um acordo de indenização com a Braskem no valor de R$ 1,7 bilhão.

‘Sociedade’ no empreendimento

Em abril, em entrevista ao jornal ((o))eco, o gestor da Seama disse que pretendia oferecer “sociedade” nos negócios às comunidades localizadas no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte. Rigoni conhece a posição das comunidades, contrária à mineração em seu território, visto que elas conseguiram, com apoio do Ministério Público Federal (MPF), que a ANM excluísse da atual fase de pesquisas todas as áreas localizadas na região do Sapê do Norte. “Do lado de cá do Rio São Mateus [margem norte] não pode ter atividade do sal-gema”, afirma, com base em reuniões feitas com o MPF, Domingos Firmiano dos Antos, o Chapoca, membro da Coordenação Quilombola Estadual Zacimba Gaba, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq) e da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.

Mas, na entrevista a ((o))eco, o secretário insistiu que, na próxima fase, de exploração, a intenção é vencer essa exclusão. “O governo, junto com as empresas, vai abrir amplo diálogo. Eles [quilombolas] podem se beneficiar muito da exploração do sal-gema, porque o que nós vamos construir com as empresas é fazer uma série de benefícios para a população que ele está ali. A área que ocupa para fazer a exploração é muito pequena. Nessas três áreas que têm quilombola é um pedaço pequeno. E dá para fazer um combinado para que eles sejam como sócios dos empreendimentos. Óbvio que vai depender da vontade deles, mas a proposta que vai ser feita é que eles sejam sócios”, argumentou, na ocasião.

A reportagem acrescentou outro ponto sensível no caso, que são as unidades de conservação localizadas na região: a Área de Proteção Ambiental (APA) de Conceição da Barra, com 7,7 mil hectares, sobre a qual a área leiloada está toda inserida; o Parque Estadual de Itaúnas, com 3,84 mil hectares; e o Parque Natural Municipal de Conceição da Barra, já na área urbana, com seis hectares.

Racismo ambiental

Até o momento, não houve qualquer diálogo direto da Seama com as comunidades quilombolas. Além da atuação do MPF, elas atuam também na produção de seus protocolos de consulta, nos moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A ideia é elaborar para cada uma das mais de trinta comunidades certificadas no Sapê do Norte, estabelecendo sob que condições as empresas, governos e outros entes devem proceder com as consultas às comunidades em caso de empreendimentos, obras e demais intervenção com impacto potencial sobre o território.

O objetivo é colocar um freio na histórica prática de racismo ambiental que acomete o Sapê do Norte, explica a educadora quilombola Olindina Cirilo Nascimento Serafim, integrante da Comissão Quilombola do Sapê do Norte e colabora do projeto Biblioteca Quilombola Yayá Luzia dos Santos – Ponto de Memória da Comunidade do Angelim II.

“É racismo ambiental, porque se instalam vários empreendimentos no território, desconsiderando aquela população que está lá, plantando não sei quantos milhares de hectares de eucalipto, sem que a população seja considerada, sequer consultada. Desde 2007 que o Brasil é signatário na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho [OIT], que tem um artigo que prevê a consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais, antes de qualquer empreendimento se instalar”, expõe.

Solo afundou

Em Maceió, o caso também é acompanhado pelo Ministério Público Federal. Na capital alagoana, as jazidas têm profundidade aproximada de 850 metros e totalizam uma reserva estimada em três bilhões de toneladas. O licenciamento ambiental para operação dos poços de sal e do salmouroduto – duto que leva o sal-gema até a fábrica – é de responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas.

O órgão ministerial conta que o primeiro tremor foi sentido pelos moradores em março de 2018. “No Pinheiro, um tradicional bairro da capital alagoana, além dos tremores surgiram rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram sem aparente motivo. Os moradores do bairro relataram que após um forte temporal, em fevereiro daquele mesmo ano, danos estruturais no bairro – que já eram frequentes – começaram a se agravar, culminando no tremor sentido semanas depois. Naquele momento surgiram as hipóteses de que haveria uma acomodação do solo, bem como, de que a antiga estrutura de esgotamento sanitário poderia ser a causa dos danos na superfície”, relata o MPF/AL.

“Um ano após o tremor de terra, e com base na realização de diversos estudos, análises e com envolvimento direto de 52 pesquisadores, o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) apresentou, em audiência pública, estudos conclusivos que apontaram a extração mineral de sal-gema, pela empresa petroquímica Braskem, como a responsável pelos danos. Na ocasião, o fenômeno foi classificado como subsidência, ou seja, um rebaixamento da superfície do terreno devido às alterações ocorridas no suporte subterrâneo (…) Os cientistas envolvidos nos estudos afirmam que o tremor de terra ocorrido em março de 2018 se deu em razão do desmoronamento de uma dessas minas. De acordo com as pesquisas, aquele não foi o único tremor, pois os laudos apontam a existência de outras minas deformadas e desmoronadas”, explica.

As atividades foram interditadas pela ANM em nove de maio de 2019, em conjunto com o IMA, tendo sido feita também a suspensão da licença de três poços e a emissão de duas autuações no valor de R$ 29,3 milhões.

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