Em diligência à aldeia, equipe do Parque Nacional ouviu clamor indígena: “Estamos do mesmo lado, pela proteção do local”
Lideranças Guarani do Espírito Santo pedem apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para que promova a formalização da Tekoá Yy Retxakã (Aldeia Águas Cristalinas Sagradas), localizada na Serra do Caparaó, dentro da área expandida do Parque Nacional, no sudoeste do Estado.
Em ofício encaminhado à Procuradoria Federal Especializada (PFE) da Funai, os caciques Werá Kwaray e Werá Djekupé, das aldeias Boa Esperança e Nova Esperança, em Aracruz, norte do Estado, explicam que esse apoio agora se faz urgente devido à destruição da Casa de Reza (Opy) e da cozinha comunitária da aldeia, no final de janeiro, em um “incêndio criminoso”, segundo denunciam os Guarani.
“O crime foi uma clara ofensa aos direitos dos povos originários e se configura em ameaça, gerando insegurança à população Guarani, que tem a localidade como sagrada e pode ter sua integridade física e até sua vida atacada”, alertam os caciques.
O documento expõe a relação de tensão que existe entre os Guarani e a gestão do Parque Nacional do Caparaó. “Existe um conflito antigo”, afirmam, devido à falta de entendimento, por parte do Parna, de que “é da cultura Guarani respeitar e conviver com a natureza de forma respeitosa e sagrada”.
Tentativas de expulsão já ocorreram no passado e voltaram após o incêndio. Mas os Guarani continuam firmes na posição. “Não vamos admitir que o Parque Nacional do Caparaó expulse nossa população de um lugar sagrado”.
O ofício cita também o Inquérito Civil Público (ICP) nº 1.17.001.000016/2010-30, segundo o qual o Ministério Público Federal (MPF) “já compreendeu que é possível a harmonia entre humanos e a natureza”. A busca agora, afirmam as lideranças, é para que o Parque também reconheça o direito dos Guarani de ocupar o território sagrado.
ICMBio
Werá Djekupé conta ainda que, durante o mutirão de reconstrução da Opy e da cozinha comunitária, realizado nesse feriado de Carnaval, os participantes receberam a visita inesperada de uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que, a princípio, trataram de comunicar a ordem de desocupação do local pelos Guarani.
“Quatro funcionários armados do parque”, ressaltando, sendo que um deles se identificou como Carlos Henrique Bernardes, diretor do parque. O cacique chama atenção para o fato de que o diretor diz ter tomado conhecimento do incêndio por meio da reportagem em Século Diário. “Por se tratar de uma área de preservação, alguma tecnologia deveria estar monitorando via satélite os focos de incêndio”, pondera.
Apesar de ter ficado “assustada e triste com a ameaça feita por Carlos sobre a tomada do território”, a comunidade Guarani percebeu que a conversa teve um desfecho positivo, pois os servidores do parque concordaram que a presença dos Guarani no local ajuda a afugentar caçadores e palmiteiros (cortadores de palmito juçara, espécie ameaçada de extinção no Estado), que têm até congelado animais selvagens que matam, para vender a pessoas de elevado poder aquisitivo.
“Foi uma conversa tranquila. Estamos todos do mesmo lado, da preservação do local e referência as águas, temos o direito de ocupar nossos esforços sagrados”, afirma. Foi feito ainda um convite para que algum representante do Parque e do ICMBio compareça à reunião que estamos agendando com a Funai”, relata Djekupé. O MPF e a Polícia Federal também são aguardados no encontro, que tem objetivo de tratar da formalização da aldeia e da investigação para identificar os responsáveis pelo incêndio.
Donos da terra
Werá Kwaraí, o Toninho, lembra que a aldeia caparoense surgiu primeiro nos sonhos de sua avó, a xamã Tatantin-Rua Retée, que guiou os Guarani do Rio Grande do Sul até Santa Cruz, no final da década de 1960. A xamã encontrou nas montanhas do Caparaó o local ideal para que o pajé, Tupã Kwaray, pudesse falar com Deus e receber a mensagem sobre onde seria a Terra Sem Males para onde os Guarani deveriam se mudar, já que em Aracruz, a truculência da então Aracruz Celulose e de outros grandes empreendimentos industriais castigava a saúde dos Guarani e também dos parentes Tupinikim.
Para cumprirem a missão, os índios precisam de um terreno no alto da montanha. Foi então que um grupo de amigos, entre eles o fundador de Século Diário, jornalista Rogério Medeiros, compraram um terreno e o doaram para os Guarani.
O local era ideal para os Guarani, por ser próximo do Pico da Bandeira e com boas condições naturais. Os índios então ganharam o terreno, uma pequena área, e fizeram sua aldeia. Como pela lei brasileira os índios não podem ter patrimônio, eles não puderam receber a escritura do terreno. Mas são os donos da terra doada. A área foi incorporada ao Parque Nacional, quando houve sua ampliação, em 1997, para os atuais 31,8 mil hectares.
“Minha avó sempre dizia que sonhos são revelações e que não podemos perder, temos que lutar por eles. Nós vamos lutar por essa aldeia, ela vai ser não só um lugar de reza, mas uma aldeia de verdade”, ressalta Werá Kwaray.