Ótima notícia para um estado que chegou a ter mais de 90% de sua cobertura vegetal nativa desmatada. Pena, porém, que esteja sendo usada, indevidamente, para promover uma gestão florestal equivocada, que tem como carro-chefe um programa potencialmente muito bom, mas efetivamente pífio, o Reflorestar.
A notícia do aumento da cobertura florestal capixaba está sendo explorada pelo governador Paulo Hartung e pelo secretário de Meio Ambiente, Aladim Cerqueira, porque o pequeno aumento da cobertura florestal registrada é fruto, basicamente, da ação dos camponeses que, à medida que ampliam sua consciência ambiental e entendem não poder contar com apoio do Estado, realizam o reflorestamento de suas propriedades por conta própria, recursos próprios, riscos próprios.
A conservação ambiental é uma das principais colunas que sustentam o trabalho de formação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), afirma Valmir Noventa, da coordenação estadual da organização. “Ao longo desses vinte anos de MPA, temos feito um trabalho de conscientização permanente, para que o agricultores não fiquem apenas esperando pelo governo”, diz o líder camponês, ressaltando que a cobrança de políticas públicas caminha em paralelo da ação efetiva em campo.
Outro grande gerador de aumento de cobertura florestal é o abandono de pastagens degradadas e cafezais improdutivos. Mais de 80% das terras agricultáveis do Estado estão, ainda, cobertas com três monoculturas: pastagens (50%), cafezais (20%) e eucaliptais (12%).
A diferença é que, enquanto as duas primeiras estão em declínio, a terceira continua em franca expansão.
A cafeicultura e a pecuária extensiva são os ciclos econômicos primordiais do Espírito Santo, iniciados no final do século XIX, quando os imigrantes europeus foram trazidos para derrubar a floresta e produzir café e, num segundo momento, instaurar a criação de gado.
Depois de um século, os solos exauridos já não produzem a contento e o resultado é o abandono de grandes áreas degradadas – áreas que têm sido ocupadas pelas plantações de eucalipto de duas multinacionais, a Aracruz Celulose (Fibria) e a Suzano.
Essa substituição de monoculturas, de lavouras e gramíneas por árvores exóticas de ciclo curto constitui o momento atual da expansão do deserto verde, pois a fase inaugural, há cinquenta anos, foi ainda mais cruel, com a derrubada de florestas virgens para enfileiramento dos eucaliptos da Aracruz Celulose.
A atual fase continua tendo o norte e o noroeste do Estado como mais representativa. Pois é na região que a fúria das duas multinacionais atinge maior potência, invadindo também antigos canaviais, além de manter a expropriação dos territórios quilombolas e o isolamento de camponeses e agricultores familiares.
Equivocada
A gestão florestal de Hartung é equivocada por motivos variados, mas no contexto do Atlas da Mata Atlântica, destacam-se o amplo e irrestrito apoio estatal à máquina desertificadora das duas papeleiras.
Seja “simplificando” o licenciamento ambiental, com a ampliação da área mínima de silvicultura para se exigir estudos ambientais para mil hectares; seja ignorando decisões judiciais visando impedir a ampliação do deserto verde; seja concedendo incentivos fiscais; seja pela inviabilização da participação da sociedade civil nos conselhos de meio ambiente; seja por total falta de diálogo com os movimentos sociais do campo; seja por meio de um programa de barragens que prevê R$ 90 milhões em 60 barragens, sendo as maiores localizadas em áreas que favorecem os grandes empreendimentos do agronegócio.
E é equivocada porque sustenta a incoerência de manter um (teoricamente bom) programa de reflorestamento e, ao mesmo tempo, conhecer muito mais incentivos à ampliação de uma monocultura comprovadamente maléfica à diversidade biológica e humana.
Pífio
E nessa incoerência reside o motivo da classificação do Programa Reflorestar como pífio, infelizmente, apesar de todo o seu potencial.
Quando foi lançado, em 2011, a meta anunciada era recuperar 80 mil hectares de Mata Atlântica até o ano de 2018, segundo estabelecido no Planejamento Estratégico 2015/2018 do governo estadual. Posteriormente, a meta foi anunciada como contribuição capixaba ao Desafio 20×20, acordo proposto na Conferência das Partes (COP 20), ocorrida no Peru em 2014, por países da América Latina e Caribe (LAC) para restaurar e/ou evitar o desmatamento em 20 milhões de hectares.
A meta, aparentemente grandiosa, é equivalente a projeções de crescimento das áreas de silvicultura da Aracruz Celulose no Estado, por meio de três programas apoiados pelo governo, o Fomento Florestal II e o Poupança Florestal I e II, que totalizam 78 mil. O Florestal II já foi declarado ilegal pela Justiça Estadual no início deste ano, após 16 anos de tramitação de uma ação impetrada em setembro de 2001.
Enquanto a papeleira, muito provavelmente atingiu sua meta, o governo Paulo Hartung parece bem longe de conseguir. Com o prazo chegando ao fim, o máximo que o Palácio Anchieta conseguiu foi anunciar a expansão de 27 mil hectares na cobertura de Mata Atlântica, desde 2007. Boa parte deles, porém, é, provavelmente, resultado do esforço individual dos pequenos agricultores, que são relegados das grandes políticas de incentivo fiscal do governo estadual, voltadas, maciçamente, para o agronegócio.
Provas disso são, entre tantas, a completa falta de diálogo do governador com os movimentos sociais do campo, que chegaram a acampar em frente à Secretaria Estadual de Agricultura (Seag) à espera de uma audiência, sem sucesso; e o déficit de investimentos e políticas públicas voltados às necessidades da agricultura familiar, como caixas secas e pequenas barragens e o financiamento efetivo de ações de recuperação ambiental.
Mas o indicativo maior da mediocridade do Reflorestar reside exatamente na negação sistemática a uma prestação de contas do afamado Programa. E aqui não se fala apenas da falta de resposta a pedidos de informações feitos por este Século Diário ou pelos criminalizados movimentos sociais do campo, como o MPA. Mesmo requerimentos oficiais, oriundos de gabinetes parlamentares, são ignorados.
Em 2016, a publicidade oficial do Palácio Anchieta anunciava um investimento de R$ 25 milhões para o reflorestamento de seis mil hectares e o reconhecimento – pagamento por serviços ambientais a proprietários rurais que já preservam áreas de florestas – de outros seis mil. O valor, no entanto, corresponde a menos de um quarto do que vai ser gasto na construção de barragens, com o agravante que se tratam de grandes barragens que, novamente, não beneficiam os trabalhadores rurais.
Valmir Noventa é incisivo em afirmar que o Programa não chega a de fato a quem precisa e quer reflorestar, como os camponeses conscientes da importância da recuperação da Mata Atlântica, principalmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), para melhorar a produção de água, o clima e a qualidade do solo. “Os recursos não são acessíveis”, afirma.
Em sua propriedade, Valmir Noventa conseguiu o apoio do Programa para reflorestar um hectare. Foram cerca de R$ 1,15 mil para compra de mudas e recuperação de mata ciliar do Córrego Boa Vista. “Ajuda, mas os cálculos foram muito rasos. É insignificante”, diz. “O Programa que tem suas vantagens, mas ainda é muito escasso”, observa.
Dados
Mesmo vinculado a um programa pífio em campo, utilizado para mascarar uma gestão florestal ineficiente e equivocada, o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, ao menos, revelou dados interessantes.
Segundo divulgado pela Seama nessa quarta-feira (25), atualmente, Marechal Floriano é o município com maior percentual do seu território com cobertura florestal, com 45,49%, e Linhares, o de maior extensão territorial, em termos absolutos, com 73,9 mil hectares, ou 21,16% do território do município, o que corresponde a 10% de toda a cobertura florestal do Estado.
Já Marataízes é o que possui menor percentual e menor cobertura florestal em termos absolutos com 50,51 hectares, correspondendo a 0,39% do seu território.
E com relação ao crescimento da cobertura florestal, Serra é o município que apresentou maior crescimento, saindo de 11,6% para 15,1% do seu território – ou seja de 6,3 mil hectares em 2008 para 8,2 mil hectares em 2012 e 2013 – e Rio Novo do Sul foi o que apresentou maior redução de crescimento da cobertura florestal, saindo de 15% do seu território para 14% e que em termos absolutos caiu de 3 mil hectares para 2,8 mil hectares.
O Atlas mapeou 25 classes de usos do solo em dois períodos: 2007 a 2008 e 2012 a 2015. A elaboração do Atlas foi coordenada pela Seama, com apoio do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).