Entre as 72 recomendações, aplicação dos recursos somente nas áreas atingidas, a partir de um Fundo Social
A aplicação dos recursos da repactuação exclusivamente nas áreas atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP. Essa é uma das 72 recomendações feitas no relatório final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar e fiscalizar a o processo liderado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“É preciso envidar todos os esforços para que todo recurso financeiro proveniente deste acordo seja efetivamente na reparação socioambiental da região e na compensação destes municípios para que consigam superar o modelo econômico implementado e possam se beneficiar de políticas de desenvolvimento econômico e social, que tenham impacto sobre a saúde, educação, segurança, meio ambiente, saneamento, infraestrutura, emprego e renda”, pondera o relator, deputado Helder Salomão (PT), nas conclusões do documento.
As enchentes de janeiro de 2022, sublinha, são um fato que corroboram essa necessidade de definição geográfica da área a receber os recursos, pois “revitimizaram essas comunidades com o deslocamento de milhares de metros cúbicos de lama que estavam adormecidos no leito do rio para dento das cidades, fazendo estas famílias reviverem o caos e o horror da enchente de lama tóxica”.
O relatório, destaca, é fruto de “seis meses de muito trabalho, reuniões e diligências” e tem como principal objetivo “dar vez e voz aos atingidos e fazer justiça para as pessoas e o meio ambiente”, garantindo “dignidade e a reparação de seus direitos”, além de apontar que “as empresas que provocaram enormes prejuízos ao meio ambiente e às comunidades paguem pelos seus crimes”.
As 72 recomendações são distribuídas em grupos, sendo 26 destinadas ao Supremo Tribunal Federal (STF); sete ao CNJ; quatro ao Congresso Nacional; outras seis direcionados para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), aos Tribunais de Justiça do Espírito Santo e Minas Gerais (TJES e TJMG), aos dois Ministérios Públicos Estaduais; e às Defensorias Públicas Estaduais, no sentido de que acompanhem todo o processo de repactuação, com foco na reparação dos atingidos; além dos poderes executivos federal, estaduais e municipais; havendo ainda dez recomendações gerais.
Ao Supremo, as orientações passam pela definição geográfica da aplicação dos recursos e pela participação dos atingidos nas decisões, que são dois pilares do relatório, e abordam também os direitos dos herdeiros dos atingidos, e padrões mínimos de construções para reassentamento de comunidades.
Fundos Social e Popular
Um bom número de proposições ao STF enfatiza medidas que já são reivindicadas de forma persistente pelos atingidos e as instituições de justiça que os defendem. Entre elas: “a imediata contratação, à custa das empresas, de Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) indicadas pelos próprios atingidos”; a retirada da competência da Fundação Renova como executora das ações do futuro acordo, “com a transferência dos recursos sob sua responsabilidade para o Fundo Social”; bem como a retirada “do poder decisório das empresas sobre a destinação de recursos e a gestão das reparações, devendo seu papel se limitar ao cumprimento de decisões judiciais ou extrajudiciais”.
O próprio Fundo Social é uma das recomendações aos ministros da suprema corte, devendo ter, em seu conselho diretor, “participação paritária de atingidos e atingidas, da sociedade civil e do poder público”. Ao seu lado, um Fundo Popular, “direcionado à recuperação econômica da região, objetivando uma reparação coletiva, com gestão das próprias comunidades atingidas e possibilidade da instituição de bancos comunitários para atuação nas localidades”.
Ainda na toada de registrar pleitos permanentes dos atingidos, estão as recomendações pelo “recadastramento de atingidos e atingidas, incorporando categorias negligenciadas até o momento”; pela implementação de “medidas estratégicas de pacificação social com objetivo de diminuir os conflitos sociais que surgiram em razão do processo longo e inefetivo de reparação e compensação”; pela garantia de imparcialidade do judiciário com o respeito ao princípio do juiz natural”; e pela definição da “imprescritibilidade da pretensão reparatória”.
Há também um grupo de apontamentos voltados a questões mais específicas de saneamento básico, educação, saúde, governança direta dos atingidos na gestão dos recursos (no mínimo 40%); e, finalmente, algumas sugestões para atender às necessidades dos pescadores artesanais, incluindo “correção inflacionária do pescado extraído para a composição da matriz de danos”; “repovoamento da bacia do Rio Doce da espécie de peixe Surubim, em risco de extinção na região”; e a “transposição de pescado na Usina Hidrelétrica de Mascarenhas, em Baixo Guandu ou de escada biológica”.
Projetos de lei
As recomendações ao Congresso Nacional tratam da aprovação de quatro projetos de lei, com objetivo de implementar a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens e o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens; instituir o Dia Nacional do Rio Doce; criar “o marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o tema”; e alterar a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), esta, voltada a expandir um dos pilares do relatório da Comissão Externa, para todo o território nacional e quaisquer processos de reparação de danos advindos de desastres naturais.
O PL acrescenta à Lei de Crimes Ambientais o artigo 72-A, que estabelece, “no mínimo 90% dos recursos oriundos da multa simples (…) e demais valores pagos (…) a título de reparação por danos ambientais devem ser destinados a um fundo para aplicação exclusiva na região impactada”.
O objetivo, consta na justificativa do PL, é impedir “que tais recursos sejam depositados na conta do tesouro estadual, federal ou municipal, ou destinados a outras regiões que nada têm a ver com a atingida”. Como exemplo de situação a ser evitada, o PL cita o caso de Brumadinho, onde “parte expressiva dos recursos está sendo destinada aos demais municípios de Minas Gerais, à construção do metrô de Belo Horizonte e ao anel viário da Região Metropolitana, que pouco ou nada têm a ver com a região e as populações atingidas pelo desastre”.
Aprovação
O Relatório é dedicado “em memória das vítimas e vidas impactadas diariamente pela lama que segue revitimizando populações de comunidades mineiras e capixabas” e não tem caráter vinculante, ou seja, o CNJ ou qualquer outro ente envolvido na repactuação não tem obrigação de executar as recomendações, porém, documento tem a força de apontar o que o parlamento brasileiro considera necessário constar no novo acordo, tendo os atingidos como foco.
Ele será apresentado por Helder aos demais membros da Comissão Externa na próxima quarta-feira (8). Aprovado, será enviado para o CNJ e demais envolvidos no processo de repactuação.