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Histórias de amor pelas árvores urbanas

As árvores são fáceis de achar

Ficam plantadas no chão 

Mamam do sol pelas folhas e pela terra
Também bebem água e cantam no vento 
E recebem a chuva de braços abertos.  
As que dão frutas e as que dão frutos
As de copa larga
E as que habitam esquilos
As que chovem depois da chuva
As cabeludas, as mais jovens mudas
As árvores ficam paradas
Uma a uma, enfileiradas na alameda
Crescem pra cima como as pessoas
Mas nunca se deitam
O céu, aceitam
Crescem como as pessoas, mas não são soltas no espaço
São maiores, mas ocupam menos espaço
Árvore da vida
Árvore querida
Perdão pelo coração que eu desenhei em você com o nome do meu amor
(Arnaldo Antunes)
 
A Ficus plantada em frente ao Edifício Bramante, em Jardim da Penha, resiste há 28 anos, graças aos cuidados dos moradores do simpático edifício. Incrível a sintonia dos habitantes dos sete apartamentos, todos dedicados a cuidar da bela árvore, que lhes protege do sol da tarde, embeleza as varadas e, ok, também joga folhas que “sujam” a calçada e quebram a mesma de vez em quando, mas são duas coisinhas fáceis de resolver.
 

Em Jardim Camburi, a simpática casa de muro e portões róseos tem a Mangueira e a Tento Carolina como destaques na história de amor construída com o reino vegetal. A mangueira já existia quando o terreno foi comprado e cresceu ao longo desses 18 anos. A Tento Carolina foi plantada, a partir de sementinhas encontradas na Mata da Praia. A memória da infância, encantada com as bolinhas vermelhas, que a criança aprendeu como “falso pau-brasil”, tornou irresistível o impulso de semeá-la na frente da casa nova.

De dentro de uma repartição municipal de meio ambiente, uma servidora pública coleciona inúmeros casos de salvamento de árvores por toda a cidade. Seu amor pelas árvores é fonte de inesgotável argumentação e poder de convencimento, que conseguem mudar um projeto arquitetônico aqui, permitir um plantio ali, impedir um corte acolá …

No mínimo, 12m² por habitante

A recomendação das Organização das Nações Unidas (ONU) é de que as cidades disponham de, no mínimo, 12m² de área verde por habitante. É um dos principais indicadores de qualidade de vida.

Vitória atende à recomendação, com um índice entre 12 e 15 m² per capita, segundo o último Plano Diretor de Urbanização, de 2012. Mas o pedestre, o ciclista e o cadeirante, que transitam pelas ruas da capital capixaba, sentem na pele que esse percentual é mesmo o mínimo, um ponto de partida para tornar a mobilidade de qualquer cidade de fato mais sustentável.

A capital capixaba retrata bem isso. Apesar de atender à recomendação mundial, a distribuição das áreas verdes é muito desigual entre as regiões. A zona norte, a partir da Praia do Canto, que concentra os bairros mais planejados, concentra também as árvores. Ao sul do bairro nobre, a situação vai ficando mais árida. Mas mesmo em meio à maior presença das “irmãs de copa larga”, a situação dos transeuntes não é tão confortável quanto se gostaria.

A explicação é cultural. Ainda impera, na mente de cidadãos e dos gestores públicos brasileiros, uma visão arcaica da importância da arborização urbana. A jornalista Cristina Almeida se viu envolvida num episódio que comprova isso. A mãe, idosa, tropeçou em uma calçada quebrada em Jardim da Penha e quebrou duas costelas. Processaram o edifício em frente e a prefeitura. A solução judicial foi pelo corte da árvore, o que as deixou muito decepcionadas. “Era tudo o que a gente não queria”, lamenta Cristina.

Raquel, uma das moradoras do Edifício Bramante, é testemunha dessa cultura exterminadora de verde. Na vizinhança, os prédios, em sua maioria, estão desprovidos das árvores predecessoras à construção, que, via de regra, são cortadas no início das obras ou logo que os edifícios são inaugurados. Resultado: os moradores convivendo com o alto preço do calor e da aridez da paisagem, que é muito mais elevado que o valor de um conserto de calçada de tempos em tempos. Nos últimos quatro anos, período em que a artista plástica vive no Bramante, foi feito apenas um conserto, com adaptação para a calçada cidadã.

 

Alice Linhares, a bióloga e servidora pública protetora das árvores, há 20 anos preenche seu cotidiano de trabalho com esses dilemas. Afirma que guarda mais conquistas do que perdas. Certamente, fruto de sua determinação amorosa. E ela nunca se cansa. Xixi, namorados, ladrões, sujeira e trincados nas calçadas … o arsenal de argumentos contra as árvores já é bem conhecido. E a bióloga, pacientemente, compassivamente, se debruça sobre cada caso, investiga as possibilidades, expõe, conversa, negocia … muitas vezes a solução é mudar o projeto arquitetônico de construção ou reforma, como o de um prédio comercial em Jardim Camburi, recentemente.

A predisposição em adaptar a arquitetura ganhou uma força em Vitória com uma determinação municipal em repassar, ao proprietário o custo da retirada de uma árvore que já existia antes do projeto de construção ou reforma. Fica entre R$ 2,5 mil e R$ 4.mil. “A gente senta com o arquiteto, adapta o projeto, salva a árvore”, conta Alice.

Comunicação direta

Muita gente diz que adora o verde, mas parece que só gosta do verde no vizinho, brinca a gestora de áreas verdes. “Até que ponto, onde está a divisória: a calçada é de quem? Do munícipe ou do dono da casa? Na rua são milhares de pessoas”, argumenta. É preciso apelar para a beleza, para a sensibilidade, ensina a bióloga.

 

Jovana Aparecida Demoner, a Nineaoum*i, sabe bem o que é isso. A miniagrofloresta que tem no seu quintal de um lote em Jardim Camburi é impressionante. As árvores que plantou nas calçadas e no terreno baldio vizinho, com autorização do proprietário. Até plantação de batata e amendoim! Já colheu muito alimento saudável na cidade de pedra e asfalto. Atualmente, cuida das pequenas placas de papel plastificado que colocou em suas filhas-árvores na rua.

O objetivo é tocar o coração das pessoas. “Já vi vizinhos elogiando, já vi pessoas, homens e mulheres passeando com suas crianças, e lendo e conversando. Já aconteceu estudante jornalismo me abordar, muita gente fotografando … mas também já teve depredação lá do outro lado. O meu objetivo não é confronto, é chamar pelo coração”, explica.

A inspiração maior veio dos ensinamentos de Mahatma Gandhi para “sermos, nós, a mudança que queremos ver no planeta”. A Tento Carolina está levantando a calçada novamente e, mais uma vez Nineaoum*i vai consertá-la. Ela tem consciência também de que a calçada é muito pequena. Já era, originalmente, e ficou ainda menor depois da pavimentação da rua.

Enfim, hoje, tanto as árvores precisam de caixas maiores ao redor quanto os pedestres precisam de mais espaço para caminhar. Temendo que a “solução” para o dilema fosse o corte das árvores, a cuidadora de árvores colocou as plaquinhas. “Não quis lutar com nenhum órgão nem com ninguém, só quis demonstrar o que está no meu coração”, relata. A solução, afirma, passa por adaptar todo o resto à existência das árvores. “O deserto é a pior consequência possível”, alerta.

Certamente as árvores sentem o amor de Nineaoum*i e o retribuem, incessantemente. No dia a dia, são várias as manifestações, as “provas” de comunicação com elas. Uma fruta que cai quase no colo no exato momento em que ela a identifica lá no alto inacessível, uma flor que se abre atendendo a um pedido íntimo de encantar a visão, enfim … só quem consegue se abrir para “ouvir” as árvores, conseguem de fato receber suas mensagens e agradecimentos.

Esta repórter mesmo já foi testemunha de alguns momentos mágicos assim. Provas científicas ainda não tenho, mas “só sei que é assim”. 

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