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Humanidade entra no ‘cheque especial’ dos recursos naturais da Terra nesta sexta

No ES, economia baseada em petróleo, minero-siderurgia e agronegócio, mantém padrão ecocida de produção e consumo

Nasa

A estrutura econômica capixaba, baseada na indústria de petróleo e de minero-siderurgia e no agronegócio, perpetua um padrão “ecocida” de produção e consumo que tem levado o planeta à exaustão, já que os recursos naturais extraídos não conseguem ser repostos pela natureza no mesmo ritmo. 

A constatação surge facilmente a partir da observação de que os setores com maior poder político e econômico, historicamente no Estado, são também os que encabeçam a lista de atividades que precisam pisar no freio para que a humanidade pare de “entrar no vermelho” do banco de serviços ecossistêmicos do planeta. 

Em 2022, o chamado Dia da Sobrecarga da Terra ocorre nesta quinta-feira (28), quando, segundo cálculos da organização internacional de pesquisa Global Footprint Network, esgotamos a capacidade da nossa nave-mãe de repor a água, solo, biodiversidade e outros bens naturais extraídos incessantemente para abastecer fábricas que se beneficiam do consumo crescente e desenfreado que caracteriza a cultura contemporânea. 

A partir desta sexta-feira (29), então, começamos a utilizar o “cheque especial” da Terra. Isso significa que consumiremos, em 2022, o equivalente aos recursos naturais de 1,7 planetas Terra. “Mas só temos um planeta”, alerta o Instituto Akatu, uma das entidades brasileiras que atuam na divulgação da campanha e de formas, individuais e coletivas, de reduzir a pegada ecológica. 

Essa data tem sido antecipada ano a ano, desde 1970, mostrando que a fome de destruição da humanidade só cresce, conforme mostra o infográfico abaixo, produzido pelo Akatu.

Ocorre que, além da data média global, cada país tem sua própria data-limite, sendo que o hemisfério do Norte concentra a maioria das nações mais irresponsáveis do ponto de vista ambiental, onde o Dia da Sobrecarga da Terra ocorre ainda no primeiro semestre. Já os países latino-americanos, africanos e asiáticos são os que mais prolongam o fatídico dia-limite.
Conforme publicado pelo site Canal Agro no último Dia Mundial do Meio Ambiente, em junho passado, a população de Catar esgotou todos os seus recursos naturais do ano no dia 14 de fevereiro, enquanto a Jamaica só deverá ultrapassar o limite de equilíbrio de sua pegada ecológica em 20 de dezembro.

“Isso significa que, se o padrão de consumo desses países fosse a média mundial, seriam necessárias duas Terras por ano para sustentar todas as pessoas”, destaca a reportagem. “A Holanda, por exemplo, teve seu Dia da Sobrecarga em 12 de abril. Se toda a população mundial consumisse como os holandeses, seriam necessários 3,6 planetas para atender à demanda. No entanto, como o país importa 78% de seus recursos, se fosse contar apenas com seu território, seriam necessários 7,3 Holandas para regenerar o que foi consumido”, compara.

O Brasil, conforme o infográfico acima, tem sua Data da Sobrecarga em 12 de agosto. Na falta de cálculos regionalizados por estado, a avaliação dos segmentos econômicos historicamente predominantes, que combinam algumas perigosas características: drenam recursos públicos por meio de isenções fiscais já há muito questionadas; geram cada vez menos postos de trabalho e de forma cada vez mais precarizada; devoram os recursos naturais que deveriam estar disponíveis para toda a população, incluindo água doce superficial e solos agricultáveis; e violam direitos fundamentais de povos e comunidades tradicionais que habitam os territórios por eles cobiçados, intensificando a injustiça fundiária e a concentração ilegal de terras. 

“O Espírito Santo continua expandindo a lógica petroleira, da mineração, do extrativismo, da monocultura. É impossível pensar no desenvolvimento do Estado mantendo essas indústrias destruidoras dos povos e da natureza”, avalia o sociólogo Marcelo Calazans, coordenador estadual da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional no Espírito Santo e Rio de Janeiro (Fase-ES/RJ), uma das entidades que organiza a Campanha Nem Um Poço a Mais, que reivindica a transição para uma sociedade pós-petroleira, e que denuncia sistematicamente as violações cometidas pela Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano Papel e Celulose) contra quilombolas, indígenas, camponeses, pescadores artesanais e a sociedade capixaba como um todo. 

O mais grave, enfatiza, é a interação perniciosa que há entre os setores mais ecocidas, como já se desenha, no caso do Espírito Santo, entre o petróleo e os monocultivos de eucalipto. “A indústria petroleira diz que vai neutralizar suas emissões de carbono com os projetos da economia verde. Eles ganham dos dois lados. A economia verde não é contraditória à petroleira, é complementar. Ela não foi feita para reduzir o consumo de energia fóssil; ao contrário, foi feita para expandir ainda mais. Essas empresas tendem a se tornar um mix de negócios: uma planta de celulose, mais uma planta de bioenergia, mais uma planta produtora de papel higiênico … E de acordo com os preços do mercado, vão investir mais em um ou outro. A mensagem é: você pode continuar consumindo muito, porque sempre haverá uma nova lógica econômica e financeira par manter ou até expandir o consumo”, expõe.

Marcelo Calazans enfatiza ainda a necessidade de um olhar socioeconômico sobre o problema. Combater a extrema pobreza, afirma, só pode acontecer combatendo também as grandes fortunas. “Tem um debate de fundo nisso que sempre atravessa que é o seguinte: a redução dos padrões de consumo não pode se dar linearmente, porque há setores da sociedade que quase nada consomem, eles têm que expandir [o consumo]; outros têm que reduzir. As desigualdades têm que permear o debate ambiental. As políticas de desigualdades têm que ser incisivas sobre os mais ricos, porque por enquanto fica só a promessa [insustentável e utópica] dos mais pobres consumirem como os mais ricos”. 

Essa verdade socioambiental sempre foi negligenciada. “Há uns dez anos tinha uma lógica win-win, de que ‘todos ganham’. Acontece que não se tem nenhum exemplo histórico de enfrentamento da desigualdade social sem que os de cima percam. Tem que taxar em cima. não adianta uma estratégia de enfrentamento que se resumem em políticas emergenciais para os mais pobres. Ainda não existe nada estruturante nesse sentido. Estruturante seria demarcar territórios tradicionais, fazer reforma agrária, taxar os super-ricos …”, pondera. 

No Espírito Santo, apesar do atual protagonismo de Renato Casagrande (PSB) nas coalizações estaduais vinculadas às mudanças climáticas – conforme se deu durante a 26° Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática (COP-26), em Glasgow/Escócia, em novembro passado, e que prossegue este ano – a estrutura econômica insustentável e antiecológica do Estado não se altera. “Ele e Paulo Hartung [ex-governador, que o antecedeu] são muito semelhantes nesse aspecto. Eles tentam encontrar um nicho político-ambiental de mercado entre os setores exportadores capixabas, fazendo cadeias intrassetores, entre a siderurgia e a celulose, entre a celulose e o petróleo … conseguindo assim seus financiadores de campanha. O que falta é o outro lado, políticos que enfrentem as grandes corporações, pública e abertamente, não só a do eucalipto, mas também a do petróleo. Aguardamos que as próximas candidaturas apontem para isso”. 

Biocapacidade do planeta

Conforme explica o Instituto Akatu, entram na conta da humanidade o uso excessivo e cada vez maior de recursos naturais, seja na queima de combustíveis fósseis ou no uso (e desperdício) de alimentos, madeira, fibras e matérias-primas minerais e vegetais. “O resultado dessa insustentabilidade retorna para nós na forma de crise climática, perda de biodiversidade, erosão do solo e escassez de água doce, por exemplo, além da incapacidade de absorção de resíduos”, alerta.

O cálculo do Dia da Sobrecarga da Terra, realizado pela Global Footprint Network, divide a biocapacidade do planeta (a quantidade de recursos que a Terra é capaz de regenerar por ano) pela pegada ecológica da humanidade (nossa demanda de recursos naturais por ano) e multiplica o valor por 365 (número de dias em um ano), chegando a um resultado que vem piorando desde 1971, quando começou a contagem — na época, a data caiu em 25 de dezembro.

“Deveríamos utilizar os recursos naturais renováveis em 365 dias, mas, em 2022, gastaremos tudo até o 209º dia do ano. A partir desta data, vamos entrar no ‘cheque especial’ do planeta. É como se estivéssemos gastando juros preciosos que são os recursos naturais das futuras gerações”, reforça o Instituto.

“O Dia da Sobrecarga da Terra é uma data fundamental para entendermos a importância de praticarmos a produção responsável e o consumo consciente, construindo uma sociedade onde haja o suficiente para todos para sempre, sem excessos nem desperdícios”, explica o diretor-presidente do Akatu, Helio Mattar.

Ações individuais, alcance coletivo

A entidade afirma que, ainda que governos e empresas tenham uma grande responsabilidade na redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais, cada indivíduo também pode fazer a sua parte. 

“Quando deixamos de comprar itens supérfluos, por exemplo, estamos evitando o uso e o desperdício de recursos naturais, além de minimizarmos as emissões de gases poluentes associados à produção, ao transporte e ao armazenamento deste produto”, elenca, listando principais atitudes e quanto cada uma delas pode adiar o Dia da Sobrecarga da Terra, caso sejam adotadas em escala global: Proteger as florestas tropicais (sete dias); Combater o desperdício de alimentos (13 dias); Diminuir o consumo de carne (17 dias); Economizar e reutilizar a água (21 dias); Preferir casas mais inteligentes e sustentáveis (21 dias); Priorizar fontes renováveis de energia (26 dias).

No site Footprint Calculator é possível calcular a sua pegada ecológica individual e saber quantos planetas seriam necessários se toda a humanidade adotasse o seu estilo de vida.

Empresas e governos

O Portal Terra noticiou, na última sexta-feira (22), os possíveis impactos que uma população de 10 bilhões de pessoas, estimada para 2050, provocará sobre o planeta, numa análise semelhante a que é feita no âmbito do Dia da Sobrecarga da Terra. E pontuou posturas que precisam ser adotadas pelo setor econômico e público. 

As empresas podem fomentar condições de trabalho justas e contribuir para o desenvolvimento de comunidades locais e nativas. “[As empresas podem] oferecer informações verdadeiras e claras sobre seus processos e produtos e incentivar uma cadeia de valor mais sustentável, através de seus fornecedores”, disse Bruno Yamanaka, engenheiro ambiental e especialista de conteúdos do Instituto Akatu.

Já os governos, salientou a reportagem, precisam continuar ofertando serviços universais e gratuitos, como: Abastecimento de água, coleta de resíduos e tratamento de esgoto; Promoção de políticas públicas de redistribuição de renda; Proteção aos trabalhadores; Preservação de ecossistemas; Promoção da geração de energia limpa; Investimento em pesquisa e tecnologia; Mais mobilidade urbana; Incentivo a práticas corporativas mais sustentáveis; Inserção de temas de sustentabilidade na agenda governamental.

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