Comunidade terá acesso à praia adjacente e urbanização de uma rua. Emprego é raro, diz líder comunitário
Acesso a pouco mais de meio quilômetro de praia – a única praia balneável que restou à comunidade – e urbanização de uma rua que alaga nos períodos de chuva intensa, na verdade, um antigo córrego, que foi transformado em valão e asfaltado.
Esse é o saldo entregue aos moradores de Barra do Riacho, no litoral de Aracruz, norte do Estado, em troca da instalação do porto da Imetame, novo empreendimento a se expandir na comunidade, que sofre com uma verdadeira invasão de portos e indústrias desde a década de 1960, quando chegou a pioneira, a então Aracruz Celulose e seu Portocel.
Empregos? Poucos e de baixa remuneração. Pesca profissional? Só para quem tem barcos maiores e pode entrar mar adentro. As pequenas embarcações se limitam ao pesqueiro formado no “bota-fora do Iema” – ponto onde foram depositados o fundo de mar retirado para dar profundidade ao Portocel e ao Estaleiro Jurong– já que o grande pesqueiro de camarão foi destruído pela Jurong e as demais categorias de pesca foram perdendo, ano após ano, empreendimento após empreendimento, seu território tradicional de pesca artesanal.
“É decepcionante. As mulheres têm dificuldade imensa de fichar. Quando consegue é só trabalho de limpeza”, relata o presidente da Associação Comunitária de Barra do Riacho (ACBR), Herval Nogueira.
O retrato da realidade local contrasta com o glamour da reunião virtual realizada na noite desta terça-feira (14), entre a senadora Rose de Freitas (Podemos), o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas; o presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Leo de Castro; o presidente da Imetame, Gilson Pereira; os senadores Fabiano Contarato (Rede) e Marcos do Val; os deputados Da Vitória (coordenador da bancada) e Evair de Melo; a presidente eleita da Findes, Cristhine Samorini; e CEO do Porto Central, José Maria Novaes.
Na ocasião, o ministro garantiu a conclusão das obras do Porto da Imetame, ao assinar termo aditivo do contrato, a ser publicado em breve no Diário Oficial da União (DOU). “Está resolvido, sem problemas”, garantiu Tarcísio Freitas.
O presidente da Imetame, por sua vez, disse que a primeira fase da obra do porto terá investimento de R$ 1,2 bilhão e que o projeto vai possibilitar cerca de 400 empregos diretos e receber navios com calado de até 16 metros. A conclusão do projeto está prevista para acontecer dentro de três anos, a partir de todas as confirmações do ministro Tarcísio Freitas de que que a cessão de áreas onerosas pertencentes à União – consideradas necessárias para os investimentos previstos para o terminal – será solucionada junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
“A nossa intenção é iniciar a parte marítima ainda este semestre. A parte externa, como o caso da terraplanagem, já começamos. Será um porto multipropósito, pois teremos terminais de contêiner, carga geral, de grãos e de granéis líquidos. O nosso porto, juntamente com outros projetos portuários, como a privatização da Codesa, vai transformar o Espírito Santo em uma solução para alternativas de escoamento da produção dos grãos oriundos do Centro-Oeste, região produtora que está em franca ascensão”, explicou Gilson Pereira.
Empregos não chegam aos moradores
Para a Barra do Riacho, as promessas de 400 empregos parecem uma realidade distante, considerando as décadas de promessas não cumpridas pelos grandes empreendimentos instalados. “Tem psicólogo, engenheiro, administrador, arquiteto … tem técnico e acadêmico aqui de nível superior pra encher quatro ônibus. Mas eles não conseguem emprego na área deles nas empresas grandes daqui”, testemunha o presidente da ACBR. Quando conseguem, explica Herval, são em funções de menor remuneração e, muitas das vezes, em formato intermitente, quando o trabalhador não tem direitos trabalhistas, recebem apenas pelos dias avulsos que prestam serviço.
“Muitos aceitam, pra sobreviver. Ou abrem um pequeno negócio próprio, que não tem vida longa, porque o volume de dinheiro que circula na comunidade é pequeno”, explica o líder comunitário. Os trabalhadores de fora são a maioria a ocupar as vagas abertas nas grandes fábricas e portos instalados no entorno de Barra do Riacho.
“Mesmo com a pandemia, permanecem muitas casas alugadas para pessoas de fora, que provavelmente são trabalhadores dessas empresas”, observa Herval. O fenômeno, antigo, tem feito elevar o valor dos alugueis de casas na comunidade, prejudicando os nativos que não conseguem os melhores empregos e têm poder aquisitivo bem menor. “Uma casa de quarto, cozinha e banheiro, que a pessoa aluga por quinhentos reais, se chega a empresa e aluga por oitocentos, é claro que ela aceita. Por isso subiram os preços aqui dentro”, descreve.
“Foi uma falta de respeito com a comunidade”, recorda. Após a vergonhosa audiência pública, a empresa passou a procurar as lideranças comunitárias, chegando, este ano, a esse acordo, em que ela promete manter o acesso da comunidade à parte da Praia do Sossego ou Praia do Ócio, a única praia limpa que restou para os moradores, já que, na foz do Rio Riacho, ao lado do Portocel, o esgoto inviabiliza o uso recreativo.
Em troca do fechamento de outra parte da praia, a empresa garantiu a resolução do problema de enchentes da rua Mauro Cunha, investimento de R$ 4 milhões, segundo informaram às lideranças comunitárias. “Negociar com alguém de barriga vazia com um prato de comida fica fácil!”, ironiza o presidente da ACBR. “Queremos garantia de que a praia continuará mesmo de acesso pra comunidade, porque os vigias da Imetame já tentaram barrar os meninos do surf que foram pra lá recentemente”, conta.
Histórico
Como registrado em Século Diário, a trajetória do porto da Imetame é marcada, entre os muitos desmandos, pela cessão, em 2016, de R$ 70 milhões de financiamento, por meio do Fundo do Desenvolvimento e Participações do Estado (Fundepar-ES), que é operado pelo Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), conforme resolução publicada no Diário Oficial do Estado.
Em 2014, o Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema) III autorizou a supressão de 11 mil hectares de vegetação – área três vezes maior que a maior unidade de conservação estadual, o Parque Estadual de Itaúnas, com 3,4 mil ha – incluindo vegetações em estágio médio e avançado de recuperação em Áreas de Proteção Permanente (APP) cobertas de restinga e margens de reservatório hídrico.
A autorização se deu pela Deliberação 13/2014, onde o conselho afirma que o corte não estava autorizado, o que depende de autorização emitida pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf); e que a empresa deveria recuperar o equivalente ao dobro da área suprimida, preferencialmente com espécies nativas da Mata Atlântica, conforme condicionantes do Laudo de Vistoria Florestal.
TVV, Porto Central, Codesa e Ferrovia
A reunião virtual entre o ministro, os parlamentares e os líderes empresariais desta terça-feira (14) também abordou a obra do TVV, que, de acordo com o ministro, será iniciada este ano, com investimento de R$ 125 milhões e 200 empregos diretos.
Sobre o Porto Central, Tarcísio Freitas disse compreender a importância do empreendimento para o Espírito Santo. O porto busca apoio na obtenção de participações societárias e gestão junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de garantir obras de infraestrutura que devem iniciar no primeiro trimestre de 2021. O ministro assegurou que está “trabalhando fortemente” para agilizar a assinatura do contrato de adesão para início dos investimentos.
O processo de privatização da Companhia Docas do Espírito Santo (CODESA) seguirá com a consulta pública prevista para acontecer em outubro deste ano, seguida do leilão, no primeiro semestre de 2021. Esta será a primeira privatização de um porto no Brasil.
Já a renovação da Ferrovia Centro Atlântica está ganhando, disse o ministro, que afirmou estar trabalhando na aprovação do projeto junto ao TCU e que espera a renovação da Ferrovia o mais rápido possível. Como compromisso da Concessão, Tarcísio assegurou a realização das obras da EF-118, entre Cariacica e Anchieta.
Por fim, o ministro anunciou o fim das obras do aeroporto de Linhares para dezembro deste ano. Segundo ele, 80% do cronograma previsto estão concluídos. Sobre o terminal de Cachoeiro de Itapemirim, Tarcísio disse que o projeto de desenvolvimento está entre as prioridades da Pasta.