Tragédia foi controlada por voluntários e os bombeiros. Urgência agora é reconstruir a cerca de proteção
“A cura do planeta é plantar árvores, cuidar de árvores e da floresta”. A declaração emocionada é de Newton Campos, proprietário do Sítio Jaqueira, em Alegre, na região Caparaó, após horas de exaustivo trabalho de combate às chamas que consumiram 90% da área, de 30 hectares. A tragédia não abala sua convicção na urgência de reflorestar o planeta e a alma dos seres humanos. “Agrofloresta é a saída, não existe outra saída para a humanidade”.
Agrofloresteiro, plantador de água, educador ambiental há 35 anos, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Itapemirim desde seus primórdios e da Associação de Plantadores de Água (Plantágua), Newton é referência na região e em todo o Estado no trabalho de recuperação de terra degrada e plantio de água por meio de agrofloresta, sendo convidado também em outros estados para palestrar e prestar consultoria sobre o assunto, trabalho feito também de forma online nesses últimos meses de pandemia.
O incêndio começou por volta do meio-dia de sexta-feira (11) num loteamento vizinho à propriedade, por algum morador que queria queimar lixo ou algo parecido, um hábito infelizmente ainda muito comum no Brasil. O vento forte rapidamente levou as chamas a ultrapassarem a estrada e avançarem sobre a nascente, a área de recarga da nascente, e toda a mata de topo, que inclui dois reflorestamentos com espécies nativas que vinham sendo cuidados há seis anos. “Foi muito rápido. Quando me avisaram eu estava com o fusca lotado de frutas para ir à feira. Corri lá com um abafador. A enxada chegou quando o fogo já tinha voado por cima da estrada”, relata.
O combate às chamas adentrou a madrugada de sábado (12) e foi empreendido por voluntários da região, basicamente estudantes do campus local da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que desenvolvem diversos trabalhos com o Sítio e a Associação PlantÁgua, incluindo um projeto apoiado pelo edital da Petrobras Ambiental e executado em parceria com o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alegre, a ONG Kapixawa (formada por estudantes e professores da Ufes de Alegre), além da prefeitura local e órgãos ambientais do Estado. “Um exército de jovens foi chegando aqui”, declara Newton em meio às lágrimas de gratidão e tristeza. “Fomos almoçar era meia-noite, e tivemos que parar pra apagar mais fogo”, conta.
“Salvamos a mata ciliar, os caixotões de água, a área onde eu vivo e produzo frutas, jaca, acerola, manga, açaí, banana e hortas, que eu vendo na feira. Essa mata ciliar conseguiu abrigar muitas cobras, gambás, ouriço-caixeiro, tamanduá, outros bichos que moravam na mata de topo”, descreve, graças ao aceiro feito pelos voluntários, alguns moradores do Sítio, que tem cinco casas de aluguel para estudantes que desejam aprender na prática as técnica de plantio de água e agrofloresta com o mestre Newton. As casinhas também foram salvas, além do refeitório e da pracinha, o antigo curral transformado em área para receber os visitantes do trabalho de educação ambiental realizado no lugar.
Ajuda para cercar
A urgência agora, ressalta o plantador de água, é refazer a cerca destruída pelo fogo. “O que eu preciso é de ajuda para cercar o sítio”, afirma. São cerca de dois mil metros de divisa, morro acima, que protege o sítio do pasto do vizinho, cujos bois rotineiramente destroem o cercado e invadem o sítio, pisoteando as mudas, destruindo toda a vegetação. O trabalho de manutenção da cerca é constante e, mesmo no dia a dia, necessita de ajuda, mas que agora, após o incêndio, é urgente e ainda maior. “Precisamos de pau, arame farpado e mutirão”, pede.
A partir de junho do ano que vem, vai ser preciso um novo aceiro, para o qual será bem-vinda a ajuda da prefeitura e do Estado – como já foi feita em outras situações, por meio do Programa Reflorestar e do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) municipal – com a cessão de um homem com roçadeira. “Eu estou entre o lixão e a comunidade. Sou uma barreira verde particular, faço isso por amor”, afirma.
Um novo reflorestamento já está nos planos de Newton e de seus apoiadores. “Não precisamos de mudas nem de plantar árvores agora. É logico que vamos replantar, mas já tenho a turma, as plantas-mães e as sementes que estão nascendo e que nós estamos adotando essas árvores filhas”, explica, ressaltando que o Jaqueira está produzindo suas próprias mudas nativas. “Temos na mata ciliar árvores-mãe de espécies nativas e frutíferas, que já estão dando semente. Não recebemos mais mudas de fora, para não receber pragas, estamos produzindo mudas do nosso sítio, já adaptadas, sem NPK, porque o NPK deixa a planta adocicada e atrai muita formiga”, explica.
Não é a primeira vez que o Sítio Jaqueira sofre as consequências da falta de responsabilidade e consciência dos moradores ao redor. “O último fogo que entrou aqui foi em 2010, queimou 98%. Outros entraram na periferia e conseguimos apagar rapidinho, fazendo os aceiros”, relata, ressaltando os dois fantasmas que assombram todo protetor da floresta: o boi e o fogo, para os quais cerca e aceiro são as proteções físicas essenciais e sempre urgentes.
Localizado em um local estratégico, perto da cidade de Alegre, o Sítio Jaqueira poderia ser loteado, reconhece Newton. “Eu podia fazer um bairro aqui e vender cada lote por 80, 100 mil reais, e iria ficar milionário. Mas em vez de vender, eu planto árvore nativa. Eu prefiro andar no meu fusquinha 68 e na minha parati 93 do que ter uma caminhonete Hilux. Prefiro essas milhares de árvores aqui. Meu trabalho é em prol da comunidade. Sinto a espiritualidade do lugar o tempo todo, eu amo muito essa montanha, esse Caparaó. Prefiro as árvores, porque a árvore é a cura do planeta”, declara.