quinta-feira, novembro 21, 2024
29.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

Incentivos fiscais resultam de fato em melhores indicadores socioambientais?

Possível nova fábrica da Suzano em Aracruz reacende a pergunta. Cada emprego direto/indireto custará R$ 3 milhões

Leonardo Sá

Uma possível nova fábrica da Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz) em Aracruz, no norte do Estado, reacende uma velha pergunta que ronda a “caixa-preta” dos incentivos fiscais concedidos historicamente pelo Espírito Santo: sozinhos, eles resultam de fato em melhores indicadores socioambientais, em melhoria na qualidade de vida da população? 

A intenção de um novo grande investimento da multinacional no território capixaba foi anunciada nesta quinta-feira (30), em uma reunião por videoconferência realizada entre o governador Renato Casagrande (PSB) e o presidente da empresa, Walter Shalka, da qual participaram também o secretário de Estado de Inovação e Desenvolvimento, Ricardo Pessanha, a presidente e o conselheiro da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Cris Samorini e Luis Bueno, o prefeito de Aracruz, Dr. Coutinho (Cidadania), e outros membros da diretoria da Suzano. 

Trata-se da primeira fábrica de papel tissue do Estado e a segunda unidade convertedora desse material em papel higiênico e toalha (a primeira foi inaugurada em março passado em Cachoeiro de Itapemirim, na região sul). O investimento previsto é de R$ 600 milhões, para produção de 60 mil toneladas anuais de tissue. 

A previsão é de geração de 300 empregos durante as obras e 200 empregos fixos, diretos e indiretos, para funcionamento das duas unidades fabris. A expectativa é de que o ano de 2023 aconteça a fase de licenciamento e que no segundo semestre de 2024 iniciem as operações. 

Com a nova fábrica, a unidade de Cachoeiro será abastecida com o tissue feito em Aracruz e não mais em Mucuri, na Bahia. E ambas as fábricas de papeis sanitários abastecerão o Espírito Santo e demais estados da região Sudeste. “Saímos de zero em 2017 para 11,5% do mercado brasileiro hoje. Agora daremos um novo passo na expansão do mercado brasileiro”, assinalou Walter Shalka. 

O negócio ainda precisa ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa e, segundo, Shalka, “ainda há condições precedentes para ser fechado”. Mas o clima da conversa nesta tarde de quinta-feira, como de praxe, foi de grande entusiasmo com o anúncio, com trocas de felicitações e agradecimentos entre as autoridades.

Passivos social e ambiental

Para entender o impacto real que tal empreendimento pode ter na sociedade capixaba, o primeiro número que salta aos olhos é o custo de cada emprego que será gerado. A conta simples indica R$ 3 milhões para cada vaga direta e indireta. Em segundo lugar, a pergunta que quer resposta é sobre o quanto de tributos serão de fato gerados para o Estado e o município, para que invistam em políticas e serviços públicos para a população. 

Há ainda o impacto ambiental que, no caso da Suzano e sua antecessora, Aracruz Celulose e Fibria, acumula um farto passivo, muito longe de ser quitado com a sociedade capixaba, especialmente os povos e comunidades que tradicionalmente vivem no território que foi violenta e gradativamente ocupado pelo deserto verde de eucaliptos, que teve seus rios, nascentes, lagoas e córregos drasticamente reduzidos para alimentar a fábrica e os monocultivos, e sofre cumulativamente com a poluição por agrotóxicos lançados por pulverização aérea sobre os talhões de eucaliptos e pelos poluentes lançados no ar pelas chaminés da fábrica, com destaque para o enxofre

São pescadores artesanais, quilombolas, indígenas e camponeses, que foram majoritariamente expulsos de suas terras e que, entre os que resistem nos territórios tradicionais, o cotidiano exige grande resiliência para lidar com os impactos e violações de direitos e grande capacidade de luta para continuar denunciando os crimes socioambientais e reivindicando a garantia de suas terras, suas águas e de respeito à sua cultura e modos de vida. 

Mão de obra local?

A economista Érika Leal, professora do Instituto Federal do Estado (Ifes) Campus Cariacica e integrante do Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC), ressalta que a conta básica para ter o custo de cada emprego gerado mostra como os grandes investimentos industriais hoje geram cada vez menos empregos. Para além disso, uma pergunta mais importante é saber a origem da mão de obra que será contratada. Se são 200 pessoas empregados fixos, 200 famílias, pode-se estimar cerca de 800 pessoas envolvidas, sublinha.

Os estudos para o projeto Desenvolvimento Regional Sustentável do Espírito Santo (DRS-ES), produzido pelo governo do Estado e parceiros, por exemplo, destaca Erika, mostraram que, em Aracruz, uma demanda forte da população é em relação exatamente à geração de empregos. “São muitos ônibus que chegam com pessoas de fora para trabalhar nas empresas do município”, conta, referindo-se a uma reclamação noticiada repetidas vezes em Século Diário, especialmente em relação à comunidade de Barra do Riacho, onde a Suzano e outras gigantes estão instaladas

“Se elas contratam pessoas de fora, significa que o emprego não é gerado no local. Se ela traz pessoas que vêm morar ali, é uma demanda maior de serviços públicos que precisam ser atendidos pela prefeitura e pelo Estado, em termos de saneamento, educação e saúde, por exemplo. Quando vemos um investimento dessa magnitude, vemos com boas expectativas, mas também com essas cautelas”, pondera a acadêmica.

Incentivos fiscais 

Com a entrada de Aracruz na área de abrangência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a tendência, salienta Érika, é que a Suzano e outras grandes empresas locais consigam fazer o que já acontece em outros municípios: a utilização de incentivos casados, municipais, estaduais e federais. 

Em relação à Suzano, o governador Renato Casagrande informou que o investimento previsto de R$ 600 milhões aconteceu por meio de negociações sobre crédito de ICMS. “Até o limite de 2% da receita corrente líquida, nós permitimos que as empresas que tenham crédito de ICMS por exportação [exportação de produtos semielaborados como a celulose não paga ICMS] negociem com empresas que tenham débito com o governo do Estado, numa negociação direta entre elas. Com isso, ela se financia para fazer investimento no Estado, desde que gerem emprego e crédito de ICMS. Porque só exportação de matéria-prima semielaborado ou commodities não gera ICMS, mas quando ela faz industrialização, passa a gerar crédito para o governo do ES”, explicou, ressaltando que “não é a primeira vez que fazemos isso”, citando o caso da ArcelorMittal, que também financiou o Laminador de Tiras a Frio por meio de uma operação semelhante, passando então a pagar ICMS ao Estado. 

O ODC, afirma a acadêmica, tem se dedicado a estudar os impactos dos incentivos fiscais no Espírito Santo. Recentemente, o grupo finalizou um levantamento sobre a Sudene. “Não encontramos evidências de que os incentivos da Sudene têm impacto positivo em variáveis como saúde e educação. Tem impactos positivos em geração de emprego e aumento de renda, mas nessas variáveis sociais não encontramos”.

O próximo caso a ser estudado é o do Programa de Incentivo ao Investimento no Estado do Espírito Santo (Invest-ES).  “Os incentivos fiscais são importantes para o desenvolvimento, mas sozinhos são instrumentos muito frágeis. O Estado tem que usar o seu poder de pauta política para trazer investimentos amigáveis ao meio ambiente e que melhorem os indicadores sociais e a qualidade de vida da população”, orienta a economista.

Mais Lidas