Com 950 famílias acampadas de norte a sul do Espírito Santo, e com a maioria dos assentamentos aguardando infraestrutura básica, como estradas, barragens e habitações, os movimentos sociais esperam uma mínima abertura de diálogo com o novo superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Nelson Marques Felix, empossado nessa terça-feira (9). Funcionário de carreira do órgão e com significativa experiência no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), ele assume uma instituição sucateada e refém das políticas antidemocráticas do governo federal.
Uma de suas principais metas, por exemplo, é a titulação definitiva de 500 famílias, exatamente o oposto do que vem sendo reivindicado pelos movimentos sociais, que são totalmente contrários à titulação definitiva e reivindicam a emissão da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
“Titulação é privatizar a terra. É um retrocesso. Toda a MP 759 [norma em que a meta de titulação definitiva está incluída] é um retrocesso”, enfatiza Joselma Maria Pereira, uma das coordenadoras estaduais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) presente na cerimônia de posse.
Joselma conta que nenhuma família assentada no Espírito Santo possui o CDRU. O documento mantém a terra como propriedade da União, porém, garantido o uso perpétuo da mesma pela família, que pode inclusive transmiti-la aos seus descendentes. É um formato que dá segurança para os assentados e mantém o Estado como responsável por fornecer políticas públicas de apoio à produção, como estradas, barragens, saneamento e moradia, além de assistência técnica.
O título definitivo, ao contrário, explica a líder camponesa, precisa ser comprado pelas famílias, que têm prazos de 10 a 20 anos para pagar e os torna pequenos produtores, que terão que recorrer ao mercado para acessar essa infraestrutura básica.
É mais uma faceta da investida do Governo Temer contra os trabalhadores, que tem como outros ícones as reformas trabalhista e da Previdência, como aponta Joselma. “É o Estado Mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital”, explica.
O mais grave, no entanto, alerta a coordenadora do MST, é o impacto que essa titulação gera, não só para cada família, mas para a sustentabilidade do campo de um modo geral, para a produção de alimentos saudáveis, para a segurança alimentar do Estado e mesmo para a sustentabilidade das cidades. De posse do título de propriedade e sem apoio do Estado, os então pequenos produtores rurais terão a venda da propriedade – após dez ou vinte anos de pagamento das prestações – como única alternativa para amenizar a primeira crise hídrica/financeira que enfrentarem. “Mais êxodo rural e concentração da terra”, alerta.
Os trabalhadores rurais e sem-terras capixabas também seguem uma pauta nacional de luta, que inclui o respeito do direito que o assentado tem de escolher, se quer o título definitivo ou o CDRU.
“Esperamos que ele [Nelson Felix] tenha minimamente sensibilidade e abertura pra conversar com os movimentos sociais do campo. E que a partir dessas demandas que apresentamos, ele busque formas de atender. Estamos esquecidos pelo órgão. Com essas trocas frequentes de superintendentes e o bloqueio pelo TCU [Tribunal de Contas do Estado], estamos há dois anos sem nada para os assentamentos e acampamentos”, relata a líder sem-terra.
O novo superintendente do Incra assume no lugar do também servidor de carreira Sebastião Vicente Buteri, que havia sido nomeado em outubro de 2016. A justificativa para a mudança, após apenas sete meses, não foi apresentada pelo órgão federal.