Ministros Zanin e Barroso votaram contra a tese. Julgamento volta na próxima semana
Mais que um desempate, um prenúncio de uma possível vitória. Os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin e Luiz Roberto Barroso, na tarde desta quinta-feira (31), foram comemorados por povos e apoiadores da causa indígena de todo o País.
Ao se manifestarem contrários ao Marco Temporal, os ministros – Zanin, indicado pelo presidente Lula, e Barroso, o mais antigo na Casa – elevaram o placar para 4 x 2 contra a tese. Zanin destacou que a Constituição Federal reconhece o direito à posse e usufruto de terras indígenas antes de sua promulgação. “A originalidade do direito dos indígenas às terras que ocupam foi reafirmada com o advento da Constituição de 1988, o que revela a procedência desse direito sobre qualquer outro, assim como a ausência de Marco Temporal a partir de implantação do novo regime constitucional”, afirmou.
Barroso, encerrando a sessão, falou em nome dos quatro que já votaram contra a tese, afirmando que “todos nós desmistificamos a ideia de que haveria um Marco Temporal assinalado pela presença física em 5 de outubro de 1988, reconhecendo, ao revés, que a tradicionalidade e a persistência da reinvindicação em relação à área, mesmo de desapossada, também constituem fundamento de direito para as comunidades indígenas”.
Zanin, no entanto, defendeu, de forma semelhante ao ministro Alexandre de Moraes, que votou em junho, a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas. “Em situações complexas, o Estado pode e deve transferir às partes a possibilidade de construção de uma solução pacificadora, que preserva o interesse de todos os envolvidos e traga segurança jurídica necessária para continuidade de atividades, negócios e usufruto dos bens envolvidos no conflito”, afirmou.
Antes deles, votaram o relator, ministro Edson Fachin (contra), Nunes Marques (a favor), Alexandre de Moraes (contra) e André Mendonça (a favor).
Atos públicos
O encerramento desta semana de julgamento tranquilizou os milhares de manifestantes que, desde segunda-feira (28), acampavam em estradas e outros pontos de aldeias indígenas em vigília para acompanhar os desdobramentos do caso na suprema corte brasileira.
No Espírito Santo, os atos públicos ocorreram em aldeias Tupinikim e Guarani de Santa Cruz, em Aracruz, norte do Estado. Nas estradas que cortam as terras indígenas, vigorou o sistema “pare e siga”, em que os manifestantes interrompiam o fluxo de veículos por dez a vinte minutos – com exceção de ambulâncias, viaturas e outros transportes essenciais – enquanto cantavam, dançavam e exibiam faixas e cartazes sobre o perigo que o Marco Temporal representa para a segurança jurídica dos territórios indígenas e para a segurança física dos povos originários, bem como para a sustentabilidade do planeta.
Próximos votantes
Com os votos de Zanin e Barroso, os manifestantes retornam para suas casas e somente na próxima quarta-feira (6) retomam as mobilizações, quando será retomado o julgamento, conforme anunciou a presidente da corte, ministra Rosa Weber. A expectativa é de que ela seja uma das primeiras a votar, considerando seu pedido feito em junho para que pudesse se manifestar antes de sua aposentadoria, marcada para o início de outubro.
Depois dela, ainda votam Carmem Lucia, Luiz Fux, Dias Tofoli e Gilmar Mendes. Desses, somente Gilmar Mendes tem se manifestado nitidamente a favor do Marco Temporal, como registraram a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) em suas redes sociais, ao repudiarem o que chamaram de “fala racista” de Mendes, que “questionou a identidade indígena do cacique [Babau, de Olivença, na Bahia] e o direito do povo Tupinambá ao seu território”.
“O ministro fala ainda em ‘província de valência, na Bahia’, algo completamente fora da atualidade cartográfica brasileira. Uma afronta a todos os povos indígenas do Brasil, questionando nossa honestidade. Posições completamente absurdas para alguém que deveria estar calcado na ciência, para debater a aplicação das leis brasileiras”, afirmam as entidades.
Otimismo
Refletindo o otimismo que se fortaleceu após a sessão desta quinta-feira, o coordenador-geral da Apoinme e liderança na aldeia de Caieiras Velha, em Aracruz, Paulo Tupinikim, afirmou que a expectativa é de aumentar a vantagem no placar com os próximos votantes. “Teoricamente, nós já vencemos no STF”, profetiza, comemorando também a tranquilidade com que os atos transcorreram nesta quinta-feira.
Ao contrário de junho, quando a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) impetrou uma ação para impedir as manifestações nas estradas que cortam as TIs em Santa Cruz, alegando prejuízos econômicos com os minutos em que os manifestantes interrompiam os veículos que servem às indústrias da região. Nessa quarta-feira, uma nova ação judicial chegou a ser levada para o protesto Tupinikim, mas foi derrubada. “A DPU [Defensoria Pública da União] está conosco, conseguiu reverter”, relata Paulo.
ONU
Os atos presenciais só retomam na próxima semana, mas nas redes sociais, as campanhas seguem firmes, com divulgação dos e-mails dos ministros e muita informação histórica e legal sobre o que está em jogo, além de articulações políticas em vários níveis, como a feita com a Organização das Nações Unidas (ONU), que nesta quarta-feira (30) publicou um comunicado reforçando o seu posicionamento contra o Marco Temporal. “Na publicação, a ONU ressalta a importância da proteção dos territórios indígenas para a garantia dos direitos dos povos originários e para a humanidade”, relatou a Apib.
A tese
No julgamento, os ministros discutem o chamado Marco Temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às áreas que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.
O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.