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Indígenas de Aracruz retornam do 19º ATL com importantes conquistas

Delegação capixaba levou a Brasília 180 Tupinikim e Guarani, a maioria jovens, afirmando sua cultura e formação política

Reestruturação de coordenações locais, construção de unidades de saúde, abertura para novos projetos de reflorestamento e participação em fórum nacional foram algumas das conquistas que os indígenas capixabas trazem do 19ª Acampamento Terra Livre (ATL), que se encerra nesta sexta-feira (28), em Brasília.

Com cerca de 180 pessoas, entre Tupinikim e Guarani, a delegação do Espírito Santo foi formada principalmente por jovens, como em edições anteriores, que levaram sua cultura e força de luta e afirmaram a importância da formação política e intercâmbio de experiências com outras etnias brasileiras.

Paulo Tupinikim, liderança em Caieiras Velha, em Aracruz, norte do Estado, e coordenador-geral da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), conta que os parentes capixabas participaram de importantes momentos da programação, incluindo a marcha contra o Marco Temporal e a audiência pública que criou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, coordenada pela deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Destaque também para a reunião com o secretário especial de Saúde Indígena (Sesai), Ricardo Weibe Tapeba, onde foi encaminhada a construção de uma unidade de saúde na aldeia Pau Brasil. Não havendo previsão da obra no plano distrital de Saúde da Sesai, uma solução foi apontada pelo vereador Vilson Jaguareté (PT), que informou sobre a disponibilidade de três deputados, entre eles Célia Xakriabá e o capixaba Helder Salomão (PT), que se comprometeram a garantir emendas parlamentares, sendo necessário apenas uma contrapartida da Sesai. “Com as emendas, o secretário disse que não há problemas na contrapartida da Sesai”, relata Paulo.

Outra reunião importante foi com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em que houve comprometimento dos gestores em recriar a Coordenação Técnica Local (CTL) da Terra Indígena (TI) Comboios e a reestruturação da coordenação de Aracruz.

Houve ainda a eleição de Juliana Tupinikim, atual diretora do Departamento de Mulheres da Apoinme, como representante do Espírito Santo na Articulação Nacional da Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Na plenária final, prossegue Paulo, com mais de seis mil pessoas, a presença do presidente Lula (PT) trouxe novos anúncios importantes. Entre eles, a assinatura de dois decretos, um que recria o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNEGATI), que garante implementação da gestão ambiental dentro dos territórios indígenas e agora vai ficar alocado no Ministério dos Povos Indígenas.

Ricardo Stuckert

“Em 2014, quando a PNEGATI foi criada, os povos indígenas não estavam inseridos no Programa Reflorestar, do governo do Estado. A PINEGATI inseriu os indígenas de Aracruz no Programa e conseguimos mais de 200 hectares de reflorestamento. Com o decreto, é possível que venham mais reflorestamentos”, comemora.

Outro decreto recriou o Conselho Nacional de Política Indigenista, retomando o controle social sobre todas as políticas indigenistas do Brasil, sob presidência da Secretaria Executiva do Ministério.

O presidente Lula também homologou a demarcação de seis Terras Indígenas, após seis anos sem qualquer homologação em todo o País. São elas: TI Arara do Rio Amônia (AC); TI Kariri-Xocó (AL); TI Rio dos Índios (RS), TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Uneiuxi (AM); TI Avá-Canoeiro (GO).

“Saímos com resultados bastante positivos. Até o final do governo, esperamos ter mais conquistas”, resume Paulo Tupinikim. Entre as novas prioridades, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), está a criação de uma política para desintrusão (retirada de intrusos de dentro dos territórios indígenas) e homologação de outras TI prontas para demarcação. “Continuaremos em luta até a conquista”, afirma a entidade, em suas redes sociais.

‘Hoje somos protagonistas da nossa história’

Em seu discurso na plenária final, Paulo Tupinikim ressaltou que a Apib, da qual a Apoinme faz parte, representa 305 povos indígenas e mais 1,6 milhão de pessoas com diferentes culturas e mais de 270 línguas originárias.

Saudando a presença do presidente Lula, disse que “é importante dizer que vencemos um governo genocida, etnocida, antiindígena e estamos em um novo patamar da história da política indigenista do Brasil. Hoje somos protagonistas da nossa história e estamos fazendo política junto com vossa excelência”.

O coordenador-geral da Apoinme também lembrou das centenas de terras indígenas que precisam de “identificação, demarcação, homologação e desintrusão” e dos “oito parentes Guarani Kaiowa que estão presos injustamente”.

Ressaltou ainda a presença de “grandes mineradoras que contaminam nossos rios e desmatam nossa floresta, como o crime do rompimento da barragem de Fundão da Samarco, que deixou nossos parentes Krenak e o povo Tupinikim e Guarani no ES sem poder exercer suas atividades e até hoje sem compensação nem reparo dos estragos causados nas vidas daquelas pessoas”.

E que, “ainda há, dentro do Congresso Nacional, forças antiindígenas, que tramam contra o nosso povo, mas nós acreditamos em vossa excelência e nas pessoas que estão ocupando espaços estratégicos no governo”, saudou, citando a ministra Sonia Guajajara (Psol-SP), a presidente da Funai, Joenia Wapichana (Rede-RR), e secretário nacional de Saúde Indígena, Weibe Tapeba.

‘Sem demarcação não há democracia!’

O ATL é a maior assembleia dos povos indígenas brasileiros. Coordenado pela Apib, teve sua 19ª edição realizada entre os dias 24 e 28 de abril, com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”.

Joedson Alves/ABr

“Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Brasil possui cerca de 680 territórios indígenas regularizados e mais de 200 aguardam análise para serem demarcados. Em dezembro de 2022, a Apib integrou o Grupo de Trabalho sobre Povos Indígenas, do governo de transição, que apresentou em seu relatório final a importância de demarcar 13 Terras Indígenas (TIs), que não possuem pendências em seus processos e estão prontas para serem homologadas, como forma de compromisso concreto do atual governo com os povos indígenas”.

A Apib sublinha ainda que foi a partir do 18º ATL, em 2022, que o movimento indígena aldeou a política com a Campanha Indígena e a eleição das deputadas federais Célia Xakriabá e Sonia Guajajara, articulou a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a retomada da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além de cobrar o arquivamento de projetos de leis que ferem os direitos dos povos originários, como o PL 191/2020. Em fevereiro deste ano, a Apib apresentou uma petição ao Ministério dos Povos Indígenas e pediu que ele fosse rejeitado e arquivado. No documento, a APIB aponta irregularidades do PL em relação a Tratados Internacionais e à Constituição Federal. No dia 31 de março, o presidente Lula pediu ao Congresso que o projeto fosse rejeitado e arquivado.

“De acordo com dossiê Interfaces da Criminalização Indígena, produzido pelo Observatório de Justiça Criminal e Povos Indígenas da APIB, cinco proposições legislativas relacionados ao terrorismo facilitam ou estimulam a criminalização do movimento indígena no Brasil”, alerta.

O primeiro ATL surgiu em 2004, a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país, na frente do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. A mobilização ganhou adesão de lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país, reforçando a mobilização por uma Nova Política Indigenista, pactuada no período eleitoral naquele ano.

Dessa forma, foram consolidadas as estruturas para a criação e formalização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criada em novembro de 2005, como deliberação política tomada pelo Acampamento Terra Livre daquele ano.

Além da Apoinme, a Apib é formada por outras seis entidades de base: Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Comissão Guarani Yvyrupa, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho do Povo Terena e Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).

TIs e crise climática

A proteção das Terras Indígenas é uma política essencial para a qualidade ambiental não só dos povos indígenas, mas de vastas áreas em torno das TIs, aponta um estudo publicado no início de abril por um grupo internacional de pesquisadores na revista científica Nature Communications, Earth & Environment.

Conforme publicado pelo portal ((o))eco, o artigo é fruto de dez anos de trabalho e revelou que os territórios indígenas podem absorver 26 mil toneladas de poluentes nocivos liberados pelas queimadas todos os anos – principalmente o material particulado, como PM 2.5, altamente letal para a saúde humana –, evitando 15 milhões de casos de doenças cardiovasculares e respiratórias na região.

“Como os poluentes se movem por longas distâncias, mais ou menos por 500 km, eles conseguem afetar negativamente populações que vivem longe desses eventos [de queimadas]. Então, os territórios indígenas, mesmo que estejam distantes da onde os incêndios ocorrem, ainda assim conseguem fornecer o serviço, proteger as populações rurais e urbanas que moram em toda a região, não apenas próximas da onde esses territórios estão alocados”, explica Paula Prist, pesquisadora brasileira que atua na Ecohealth Alliance e autora principal do estudo.

“Proteger esses territórios indígenas não é apenas conservar a floresta e os povos indígenas, é também contribuir para a nossa saúde, para a mitigação climática. É uma questão de saúde pública e a gente tem que conversar e olhar para isso o quanto antes e o mais rápido possível”, prossegue.

A reportagem destaca ainda que, segundo levantamento realizado pelo MapBiomas em abril de 2022, nos últimos 30 anos, as TIs perderam apenas 1% de sua vegetação nativa, enquanto as áreas privadas perderam 20,6%.

“Os dados de satélite não deixam dúvidas que são os indígenas que estão retardando a destruição da Floresta Amazônica. Sem seus territórios, a floresta certamente estaria muito mais perto de seu ponto de inflexão a partir do qual ela deixa de prestar os serviços ambientais dos quais nossa agricultura, nossas indústrias e cidades dependem”, explicou Tasso Azevedo, Coordenador do MapBiomas, à época da divulgação do trabalho.

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