Comboios e Córrego do Ouro também exigem da Suzano Estudo de Impacto Ambiental sobre o Canal Caboclo Bernardo
Em assembleia participativa realizada nesse sábado (3) na aldeia Córrego do Ouro, em Aracruz, norte do Estado, indígenas de quatro comunidades Tupinikim – também Comboios, Caieiras Velha e Pau Brasil – decidiram manter a ocupação dos trilhos da Vale iniciada na quinta-feira (1). A condição primeira para desmobilização é a presença de representantes das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton para abertura de diálogo em vistas da revisão do acordo de compensação e reparação dos danos firmado com a Renova há um ano.
O acordo é ilegítimo, afirmam, já que as lideranças foram coagidas a aceitá-lo, o que provocou uma ruptura dentro da Comissão de Caciques e insatisfação por parte dos moradores das aldeias Tupinikim e Guarani. A coação imposta pela Renova levou a valores de indenizações que não refletem a realidade dos danos sofridos pelas comunidades, denunciam as lideranças desde abril passado. Além disso, apontam, mesmo as cláusulas irrisórias estabelecidas não têm sido cumpridas, relegando as famílias a múltiplas fragilidades econômicas, sociais e ambientais.
“Durante a assembleia, as Lideranças e os Caciques de suas respectivas aldeias se pronunciaram, manifestando as insatisfações e revoltas das comunidades em relação a atuação da Fundação Renova dentro dos territórios indígenas, gerando conflitos internos e dividindo as comunidades. Enfatizaram que o impacto gerado pela Fundação tem se apresentado maior do que o causado pelo rompimento da Barragem de Fundão”, afirma a ata da assembleia.
“Em votação unânime, ficou decidido que a partir desta data, as comunidades indígenas presentes não manterão diálogo com a Fundação Renova, mas somente com suas mantenedoras (Samarco, Vale e BHP Billiton). A paralisação será mantida até a presença da representação das mantenedoras, que possa deliberar decisões frente ao pleito das comunidades, para que as negociações sejam efetivas e direcionadas, como decidido pelas comunidades, sendo a RENOVA não mais o canal de diálogo sobre o rompimento da Barragem de Mariana e os impactos gerados nos territórios indígenas Tupinikim”, prossegue o documento.
“A Renova é covarde. Dissemina a discórdia dentro das aldeias, coagiu as lideranças para assinarem um acordo que não atende às necessidades das comunidades. As comunidades são soberanas sobre qualquer liderança e isso não foi respeitado”, afirma o Cacique Vilmar Benedito Oliveira, da aldeia Caieiras Velha. A ruptura formal, lamenta, já atinge quatro das dez aldeias que na época compunham a Comissão de Caciques, todas atualmente mobilizadas na ocupação dos trilhos da Vale em exigência de uma negociação direta com as mantenedoras da Renova.
O diálogo demandado com as mineradoras tem quatro pontos focais: o Apoio de Subsistência Emergencial (ASE) – equivalente indígena ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) pagos às demais comunidades atingidas no Espírito Santo e Minas Gerais – os lucros-cessantes, o programa de retomada econômica e o Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI).
O ASE deve voltar a ser pago, incluindo o retroativo das prestações não pagas este ano, com “garantia de que será suspenso somente após comprovação a mitigação dos impactos, conforme preconiza o TTAC [Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, firmado em março de 2016 entre os governos federal e estaduais e as empresas criminosas]”.
Sobre o pagamento dos lucros cessantes, a reivindicação é que sejam incluídos no processo de indenizações estabelecido no acordo com a Renova, de forma a tornar o valor final mais próximo da realidade dos indígenas atingidos.
Já o programa de retomada e o PBAI, a exigência é de que sejam desvinculados, ao contrário do que estabeleceu o acordo. “O programa de retomada tem que voltar já, não pode esperar a conclusão do PBAI, que é um processo demorado, de longo prazo”, sublinha o Cacique Toninho, de Comboios, ressaltando ainda a necessidade de priorizar as mulheres e as futuras gerações, conforme decidiu a assembleia participativa.
Afora as questões relativas estritamente ao acordo com a Renova, as comunidades também elencam duas outras demandas: a entrega, pela Vale, do PBAI condicionado no licenciamento ambiental do trecho da ferrovia que atravessa as aldeias tupiniquim; e a elaboração, pela Suzano Papel e Celulose (ex-Fibrica e ex-Aracruz Celulose) de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) relativo ao Canal Caboclo Bernardo.
A Vale está com um atraso de doze anos na entrega do PBAI, afirmam os indígenas. Já no caso da Suzano, o débito é ainda mais antigo, visto que o Canal foi construído em 1999 para canalizar do Rio Doce até as fábricas da então Aracruz Celulose localizadas na Barra do Riacho, em Aracruz. “Não foi feito nenhum estudo na época, nenhum diálogo com as comunidades indígenas”, afirma o Cacique Toninho.
A obra, que se aproveitou de resquícios dos canais abertos na década de 1960 pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) do governo militar, prejudicou toda a dinâmica hídrica da região. Entre os principais problemas, estão a salinização do rio Riacho e consequente dano ao abastecimento de água de várias comunidades indígenas e não indígenas de Aracruz; e os fechamentos constantes da foz do rio Riacho, impossibilitando a saída dos barcos e limitando a pesca artesanal na comunidade pesqueira de Barra do Riacho.
O crime ambiental da Samarco/Vale-BHP só intensificou os problemas, pois a contaminação com os rejeitos de mineração tem acentuado a poluição das águas e as mortandades de peixes. O abastecimento de água até então existente nas comunidades de Barra do Riacho, Córrego do Ouro e Comboios, inclusive, precisou ser interrompido e hoje é feito por meio de galões de água mineral e poços individuais abertos pelas famílias em seus quintais.