Comunidade no Caparaó iniciou movimento há 15 anos e hoje comemora nova terra adquirida para expandir agrofloresta
Protagonizando um caso raro de blindagem contra o devastador êxodo rural, a comunidade de Feliz Lembrança, em Alegre, no Caparaó Capixaba, tem conseguido não apenas manter os jovens no campo, mas também atrair de volta pra “roça” os que se viram obrigados a deixar a terra da família em busca de melhores oportunidades de crescimento na cidade.
O movimento teve início há cerca de 15 anos a partir da mobilização da juventude local. Primeiramente por meio da igreja e, em seguida, da Associação de Moradores e Produtores de Feliz Lembrança (Amfra), que foi reativada com objetivo de trazer benefícios que atraíssem os jovens para o empreendedorismo e a diversificação da produção agrícola.
Josiane Abreu Machado é uma dessas lideranças. Como outras jovens mulheres, focou sua atenção na estruturação da agroindústria e investiu na cozinha industrial a partir de cursos feitos no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Na época, estava grávida do primeiro filho.
Na roça, o trabalho é compartilhado com o esposo e é acompanhado de perto pelas filhas. Produzem mandioca, palmito, café. “No meio da lavoura tem banana, cítricos, manga. Assim a gente tem renda semanal e mensal. Não dá pra contar só com café, uma vez por ano”, descreve, acrescentando árvores de lei também, “não só as que dão renda”, como ipês, pois a beleza também alimenta e enriquece o espírito. “Eu gosto muito da área rural, é um prazer pra mim mexer com a terra. Primeiro é a paz interior, e daí vem o sustento que a gente precisa”.
Toda essa movimentação em torno da agroecologia e da diversificação da produção agrícola, há 15 anos, foi responsável por abrir os horizontes da juventude de Feliz Lembrança, permitindo que toda uma geração fosse beneficiada com a redução drástica do êxodo rural.
Outros equipamentos também foram sendo incorporados, como a chamada “sala de conhecimento”, com laboratório de informática, onde os moradores podem se conectar à internet e fazer serviços digitais, que, antes da revolução jovem, era distantes da realidade local.
Há cerca de quatro anos, uma nova guinada: a mobilização de esforços dos jovens e seus pais para a compra de uma área há muito sonhada por toda a comunidade, localizada ao redor do vale onde ela se instalou. Um grande pasto degradado e improdutivo, mas cujo proprietário se recusava a vender. Depois de muita negociação, finalmente o negócio foi fechado e o pagamento concluído em janeiro deste ano.
Os novos 144 hectares abriram mais uma janela de crescimento, atraindo de volta alguns dos jovens que, mesmo com os primeiros movimentos de transformação socioeconômica, tiveram que deixara roça e tentar a vida na cidade. Às 55 famílias que resistiram, outras 30 se juntaram.
Diones de Abreu Azevedo é um dos que retornou. “A volta está sendo incrível. Só espero melhoras”, depõe. “A liberdade do campo, você saber que vai construir sua história, ser dono do seu caminho”, diz. “Eu venho de uma comunidade que preza muito o conhecimento”, orgulha-se.
O período que antecedeu a sua saída da comunidade é recordado como um tempo em que, primeiro, foi preciso vencer o preconceito e o sentimento de inferioridade. “Comecei a estudar em Alegre e chamavam a gente de roceiro. Quando comecei a entender que roceiro era elogio e não insulto, tudo mudou. Hoje tenho orgulho disso. É o que acontece com nossos jovens hoje de 11, 12, 13 anos. Hoje eles riem e deixam pra lá porque estão satisfeitos, é a alegria deles ser ‘da roça'”, conta.
Atual presidente da Amfra, João da Silva Abreu afirma que desde a conclusão da compra da nova terra, há quase um ano, “a comunidade está em festa até hoje” e que “tem hora que a gente nem acredita, tá andando dentro da propriedade e nem acredita!”. As primeiras colheitas foram de feijão, milho e abóbora e já há muito café plantado.
O futuro se abriu em horizontes de ainda mais prosperidade. “Se a gente conseguir adquirir mais terra, vai reflorestar, para cuidar das águas”. O cuidado se explica pelo contexto dramático que passa todo o planeta e atinge Feliz Lembrança também. “Teve período de muitas famílias ficarem sem água, as nascentes secaram e fizemos caixa seca e barragem seca nos altos de morro”.