O juiz Thiago Albani Oliveira, da Vara da Fazenda Pública, Registros Públicos e Meio Ambiente de Linhares (norte do Estado), determinou nesta sexta-feira (20) que a Samarco/Vale adote “todas as medidas necessárias” para promover a abertura imediata dos pontos de vazão naturais da foz do rio Doce em Regência, inclusive os pontos assoreados, garantindo assim o escoamento ao mar dos rejeitos da barragem rompida em Mariana (MG). Com a decisão, a enxurrada de lama chegou ao oceano na tarde deste sábado (21).
A empresa deve mantê-los abertos e com razoável vazão até deliberação do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), ouvidos em audiência nesta sexta. Além dos representantes dos órgãos ambientais, contribuíram para a decisão, segundo o Tribunal de Justiça do Estado (TJES), depoimentos de especialistas.
“Houve a concordância unânime dos presentes, sendo esclarecido que a melhor providência no ponto de vista técnico e científico para reduzir os danos ambientais e sociais coletivos é aumentar a abertura da foz do rio Doce ao mar e, consequentemente, a vazão dos pontos já existentes da foz para garantir maior diluição do material contaminado, além de abrir outros pontos que sejam possíveis”, afirmou o magistrado.
A decisão afirma que manter os resíduos no rio “é matá-lo, é acabar com a fauna, a flora, a economia, a população e com a dignidade de Linhares, pois não há garantias que tais medidas [de contenção] funcionariam, já que a força do rio não pode ser contida, e mais cedo ou mais tarde, tudo o que nele se depositou chegará ao mar, seja pelo tempo, seja pela força das chuvas que se aproximam nesta época do ano”.
Para o juiz, mandar os rejeitos para o mar “pode trazer prejuízos à fauna e flora marinha, mas não há garantias que estes estarão a salvo com a suposta retenção, inclusive porque até mesmo o nascedouro da vida marinha regional se faz na foz do rio Doce”.
A Samarco deverá ainda realizar a “proteção dos acessos da água do rio Doce às demais fontes (lagoas e afluentes) e áreas sensíveis do estuário, interrompendo a conexão gradualmente e de forma coordenada, de acordo com o avanço da pluma”. Para isso, irá considerar os pontos que forem identificados pelo Iema e ICMBio.
Outra determinação é que, após ser notificada pelo Iema, a empresa remova imediatamente qualquer obstáculo de contenção da água do rio para o mar. No caso de descumprimento, máquinas envolvidas na contenção da água deverão ser apreendidas e os responsáveis encaminhados para a Delegacia de Polícia, pelo crime de desobediência. A única exceção é a utilização superficial da máquina, para recolher e retirar imediatamente da água material grosso em suspensão.
O juiz também definiu como medida à Samarco/Vale o imediato resgate de exemplares de todas as espécies da fauna aquática nativa que utilizam o rio como habitat natural, com o intuito de salvaguardar a variedade genética, devendo ser quantificados e catalogados. A ação contará, obrigatoriamente, com amparo técnico e supervisão dos órgãos ambientais.
E, ainda, a imediata implantação de estruturas para a proteção da mata ciliar e das ilhas, como barreiras de contenção, para que não haja o contato direto com o material, evitando, também, que ocorra a sedimentação da lama às margens do rio, onde outros animais terrestres possam ter contato direto.
O juiz encerra a decisão frisando que qualquer plano de ação elaborado pela Samarco para o rio Doce, incluindo sua foz, deve ser submetido aos órgãos ambientais para análise conjunta das soluções apresentadas, preferencialmente, em comitê para este fim específico. “A adoção de medidas mitigadoras dos danos é urgente, mas o rio Doce não é casa da mãe Joana”, concluiu.
Em caso de descumprimento das determinações, foi fixada multa de R$ 20 milhões, além de multa diária de R$ 1 milhão no caso de abandono das obras da foz, a ser revertida para o Fundo Municipal de Meio Ambiente (Fundema).
Prefeitura
A ação (0017045-06.2015.8.08.0030) que gerou a decisão do juiz é da gestão do prefeito Nozinho Correa (PDT), com pedido principal de garantir que a onda de passe sem retenções por Linhares, o último antes de os rejeitos atingirem o mar.
A prefeitura alegou que existem dois fatores que indicam que os rejeitos de minério venham a “estacionar” em Linhares. “O primeiro é a perda da força de correnteza da lama tóxica ao longo dos vários quilômetros que já percorreu. O segundo é a situação atual do nível de água do rio Doce, que se encontra extremamente baixo, em virtude do assoreamento e da falta de chuvas que nos últimos meses vêm prejudicando a cheia do rio”.
A autora também afirma que, em coletas de água realizadas para análise, a água do rio Doce apresentou alto índice de ferro, o que inviabiliza seu tratamento para consumo, além de grande quantidade de mercúrio, que é altamente tóxico para qualquer forma de vida aquática.
Sentido contrário
A decisão do juiz de Linhares contraria decisão da Justiça Federal dessa quarta-feira (18) que estabeleceu prazo de 24 horas para que a Samarco/Vale apresente e execute um plano de prevenção e contenção para impedir que a onda de lama atinja o oceano, com o objetivo de proteger todas as áreas e ecossistemas da costa do Estado, como mangues, praias e unidades de conservação (UCs).
Neste caso, o juiz federal Rodrigo Reiff Botelho determinou ainda que a empresa comprove as ações executadas, com fiscalização e acompanhamento do Iema e secretarias de Meio Ambiente de Vitória, Vila Velha, Serra, Guarapari, Fundão e Anchieta.
O prazo venceu na noite dessa quinta-feira, mas a empresa, alegando “surpresa”, recorreu pedindo extinção da ação. A Samarco/Vale se apoiou, para isso, no termo de compromisso socioambiental (TCSA) preliminar assinado com representantes do Ministério Público Estadual (MPES), Federal (MPF) e do Trabalho (MPT), que a livra de punições mais pesadas, entre elas, de ações judiciais.
Em sua contestação, porém, o procurador Fabrício Caser reiterou a omissão da empresa e os riscos da chegada dos rejeitos no mar. “A lama já percorreu mais de 500 km, sem que houvesse até o presente momento qualquer ação devidamente eficiente por parte da ré em evitar os inúmeros danos ambientais e sociais em todo o caminho percorrido por ela”.
Em caso de descumprimento, foi arbitrada multa diária de R$ 10 milhões.
O processo voltou ao juiz nesta sexta-feira, para decisão.