Sentença também confirma inclusão dos atingidos do litoral norte nos programas de indenização
Digna de muita comemoração é a sentença emitida pelo juiz Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal, de Belo Horizonte, na noite dessa quarta-feira (15), quando atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP chegaram a perder o sono, tamanha a alegria, com a esperança de que uma injustiça histórica possa ser finalmente corrigida. “Teve gente que nem dormiu com essa notícia tão boa!”, relata João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes).
Objetivamente, a sentença reafirma a ilegalidade da quitação geral de danos imposta pela Fundação Renova aos atingidos que adeririam ao seu sistema simplificado de indenização, o Novel. Pelas cláusulas do contrato, a Renova só estaria obrigada a pagar 71 meses de lucro-cessante (valor que a pessoa deixou de ganhar por ter tido sua atividade econômica interrompida, em função da contaminação da água e dos pescados), de novembro de 2015 a outubro de 2021. Todo a renda perdida após essa data não seria mais responsabilidade das empresas criminosas.
Em seu despacho, o magistrado explicita que essa cláusula é ilegal, concordando com a argumentação da Defensoria Pública Estadual (DPES) e do Ministério Público Federal (MPF), de que o pagamento do lucro-cessante deve continuar sendo feito enquanto perdurarem os danos e os efeitos do crime. Efeitos que, conforme o último relatório da Aecom, perita judicial do caso, continuam de forma grave, tornando impróprio para o consumo grande parte dos produtos agrícolas produzidos na Bacia do Rio Doce e dos pescados oriundos do mar, rios e estuários atingidos.
A situação é tão dramática, que várias entidades e lideranças representativas do setor da pesca capixaba defendem que é preciso proibir toda a pesca do Espírito Santo, com a respectiva indenização dos trabalhadores, pois a contaminação prejudica a saúde dos pescadores e dos consumidores, constatação que já vem desde o relatório anterior da Aecom, em 2022.
Outra decisão fundamental da sentença é a determinação, mais uma vez, da inclusão imediata nos programas de compensação e reparação dos danos, de todos os atingidos localizados em comunidades costeiras do litoral norte que continuam excluídos dessas medidas pela Renova, apesar de constarem na Deliberação nº 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF). Decisão nesse sentido já havia sido emitida por Cobucci há pouco mais de um mês, em outro processo.
“O mais importante é que nós ‘quebramos’ o Novel. A gente vem nessa luta desde 2020. Aqui temos a cadeia da pesca, cadastro desde 2018, e, quando o Novel chegou, em 2019/2020, não aceitamos o cadastro nem as condições dele, mas teve gente que foi enganada pelo juiz da época [Mario de Paula Franco Junior] e por uns advogados. Ficou com quitação geral, recebeu só 71 meses”, relata Lambisgoia.
Uma questão que ainda precisa ser compreendida, acrescenta, é qual a matriz de danos que o juiz decidirá que precisa ser aplicada para o pagamento dos lucro-cessantes em aberto e daqui para frente, e para os demais danos àqueles atingidos descritos na Deliberação 58. “A Fundação Getúlio Vargas, quando veio fazer a matriz de danos, fez com a gente aqui. Para a decisão do juiz ficar perfeita, só falta tirar a matriz de danos da Renova e colocar a da Getúlio Vargas”, sugere.
No total, a sentença elenca dez deliberações, detalhando o procedimento a ser efetuado para cada perfil de atingido prejudicado pelo Novel e pela negativa da Renova em cumprir a Deliberação 58 e as sentenças já emitidas, determinando sem cumprimento, com juros e correção monetária.
Além delas, Vincicius Cobucci estabelece que “a Renova deverá também cumprir as decisões anteriores do AFE [Auxílio Financeiro Emergencial], no prazo de 90 (noventa) dias corridos, a contar de sua intimação, a ser cumprida via mandado, por oficial de justiça plantonista”.
O magistrado afirma que “apesar do grande volume de requerimentos, a própria Renova deu causa à sobrecarga de trabalho, em razão de sua conduta com posicionamentos unilaterais, não validados pelo CIF ou pelo juízo” e que “as vítimas do rompimento não podem ser novamente prejudicadas enquanto a Renova se beneficia da própria torpeza ao não cumprir com suas obrigações”.
Para isso, afirma, “se necessário, [a Renova] deverá proceder as novas contratações e adoção de todas as providências necessárias, para cumprimento do prazo, sob pena da incidência de multa diária pelo descumprimento, além de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça”.
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