As imagens são claras: a lama já chegou, ao norte, até o sul da Bahia e se encontra de forma mais concentrada até São Mateus. Toda essa área marinha, portanto, está tão contaminada quanto a que já foi considerada como proibida para a pesca, até o Degredo. E o Rio Doce, obviamente, idem. Mas, incrivelmente, a pesca ao norte da Foz e ao longo do Rio continua liberada. Oito meses depois.
Esse é provavelmente o maior absurdo dentre as inúmeras barbaridades que têm ocorrido desde o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale/BHP, no dia 05 de novembro de 2015. Resultado: o maior crime ambiental da história do país e um dos maiores do mundo tornou-se também um sério problema socioeconômico e de saúde pública e um escândalo que prova quão danosa é a famosa lentidão da Justiça. Lentidão tamanha que já é sentida, pelos atingidos, como omissão e até mesmo cumplicidade velada.
Somente nesta terça-feira, dia 19, as comunidades de Pontal do Ipiranga, Barra Seca, Urussuquara, Campo Grande, Barra Nova, Nativo, Guriri, São Mateus e Conceição da Barra foram ouvidas pela Defensoria Pública Estadual. O Grupo SOS Rio Doce, formado por seis defensores públicos que têm realizado atendimentos em diversas comunidades atingidas pelo crime, esteve em Pontal para uma reunião de esclarecimentos e levantamento de informações. “Estamos na fase inicial, de análise do perfil das demandas locais, da quantidade de atingidos etc.”, sintetizou o coordenador do grupo, Dr. Lucas Marcel Pereira.
Os defensores passaram uma manhã inteira conhecendo melhor as realidades locais e concordam que a situação é revoltante. “Não é porque estão fora da área de embargo da pesca que não está tendo seus direitos violados”, afirma Pereira. Porém, ainda não foi possível ao Grupo indicar qualquer ação a ser feita, em curto prazo, que traga algum resultado efetivo para a dramática situação das comunidades.
Famílias sendo separadas, pessoas sendo despejadas de suas casas, sem condições até mesmo de garantir o alimento. Uma humilhação para profissionais que sempre tiveram sua dignidade garantida no trabalho da pesca e que, há oito meses, se viram privados de realiza-la e sem nenhum tipo de auxílio, seja por parte da empresa ou do Estado.
Acima de Degredo, apenas Pontal do Ipiranga recebeu uma equipe da Samarco durante os dez dias em que a praia ficou interditada, no verão. Foram feitos alguns cadastros e distribuídos alguns cartões para recebimento do subsídio mensal. Quem não foi atendido na época, segundo a própria empresa, não será atendido mais.
“Há um mês uma reunião grande, com pescadores e comunidades, e a empregada da Samarco disse que não ia cadastrar mais ninguém, porque Pontal não é considerada área afetada”, denuncia Mônica Silva, presidente da Associação de Moradores do Pontal do Ipiranga.
E o abandono nas demais comunidades ao norte da Foz. “Eles telefonam dizendo que vem mas não vem. Agora disseram que vão voltar nas casas em agosto pra fazer novo cadastramento. Outro? Ninguém acredita mais”, reclama Mônica.
População sendo envenenada
“Estão envenenando a população”, indigna-se Mônica, referindo-se ao consumo do pescado contaminado, seja na região, na Grande Vitória ou em Minas Gerais, para onde se sabe que alguns pescadores têm levado sua produção de forma clandestina.
Desde janeiro o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem monitorada a dispersão da lama (ou pluma) pelo mar. São três sobrevoos por semana. Com base nesse monitoramento, o Ministério Público Federal fez em março uma recomendação formal determinando a expansão da área proibida de pesca no mar até Barra Nova e a proibição em todo o Rio Doce. A Justiça não acatou.
Essa orientação então integrou uma Ação Civil Pública publicada no dia 03 de maio, onde é estimado em 155,5 bilhões os custos a serem investidos pela empresa para ressarcimento dos danos. E até agora, mais de dois meses depois, nenhuma das liminares foi julgada. Segundo as Assessorias de Imprensa do Ministério Público Federal no Espírito Santo e Minas Gerais, somente no início de setembro a Justiça promova uma audiência de conciliação entre o MPF, de um lado, e a empresa e a União do outro. Até lá, o que resta à população?