Preocupados com aumento de câncer e mortalidade, pescadores pedem estudos e avaliações médicas dos atingidos
Um mês após a divulgação do primeiro relatório oficial que confirmou a insegurança no consumo do pescado oriundo de todas as áreas atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP, a Justiça Federal determinou a “adoção de medidas urgentes” por parte da União, dos estados e municípios atingidos.
Na sentença assinada nessa segunda-feira (19), o juiz substituto da 12ª Vara Federal, Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, intimou o Comitê Interfederativo (CIF) – instância criada em março de 2016 para fiscalizar as ações de reparação e compensação dos danos provocados pelo crime – bem como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que preside o CIF, e a Advocacia Geral da União (AGU), para que, “juntamente com os entes públicos federais, estaduais e municipais pertinentes (…) proceda à adoção das medidas adequadas, com as devidas interlocuções com os órgãos ambientais e sanitários pertinentes”.
Outra determinação é pela “extensão ao máximo possível de auxílio financeiro emergencial aos atingidos”. É dado ainda o prazo de quinze dias para que os entes apresentem as medidas tomadas ou ao menos o cronograma ou plano para sua implementação.
Mortes e câncer
Assim como na ocasião da divulgação do relatório, a publicação da sentença judicial foi recebida sem surpresa pelos pescadores atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais, reunidos no coletivo Nos Trilhos da Verdade, que vem realizando encontros e debates dedicados à reivindicação de direitos negados pelas mineradoras criminosas, pela Justiça e o poder público.
“Essa verdade a gente já vem mostrando há muito tempo. Agora nós vamos exigir das esferas municipais, estaduais e federais, que a saúde entre logo. Tem que saber como está esse atingido que come o pescado, pescador, todos os atingidos. A mortalidade está crescendo e ninguém fez esse levantamento. Também muitos casos de câncer”, relata João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), e uma das lideranças do coletivo.
Os trabalhadores da pesca, afirma, já solicitaram ajuda das instituições de Justiça para que peticionem junto à 12ª Vara um pedido de levantamento do estado de saúde dos pescadores e demais atingidos que fazem consumo periódico do pescado contaminado.
“Já passamos para o Ministério Público e Defensoria, estamos preocupados com essa situação. Pedimos à Defensoria para encaminhar uns médicos e fazer check-up nos camaroeiros. A gente tem um hábito, de almoçar carne, mas jantar o nosso pescado, o camarão, a lagosta, o peixe”, explica.
Até o momento, reforça, nem a Fundação Renova nem as mineradoras ou qualquer instituição realizou estudos médicos necessários para avaliar os impactos que os rejeitos tóxicos podem estar causando na saúde dos consumidores. “Nenhum levantamento foi feito. Todo mundo se preocupa com indenização, repactuação, mas esquece da saúde do atingido. É o mais importante de tudo. Tem que dar prioridade à saúde, tem que ver como a gente está por dentro. A gente tem vários vídeos mostrando o minério no chão. Imagina como está na água e dentro da gente”.
Ele lembra que os rejeitos, que foram estimados em cerca de 50 milhões de metros cúbicos na ocasião do rompimento da barragem, em novembro de 2015, continuam vazando e aumentando a contaminação. “O problema nosso aqui é quando chove em Minas Gerais, porque vem sangrando de lá e jogando mais rejeito para cá, não tem fim isso”.
Uma prova concreta, afirma, é a área de proibição de pesca. Apesar de ter sido determinado para até 20 metros de profundidade na foz do Rio Doce, já tem sido encontrado rejeito em 21 metros, como mostrado com exclusividade por Século Diário no final de agosto. “Onde está essa lama mesmo, se for fazer um estudo verdadeiro? E como que está a saúde da população do Espírito Santo?”, questiona.
Não há segurança
O relatório a que se refere o magistério foi elaborado pela Aecom do Brasil Ltda, nomeada em março de 2020 pela mesma 12ª Vara, como perito oficial do juízo, sendo responsável pela “avaliação da segurança do alimento, direcionada para o consumo do pescado no Rio Doce, desde o Estado de Minas Gerais até a foz e região marítima do Espírito Santo”.
O documento alerta que não há segurança para o consumo do pescado oriundo das áreas atingidas, seja rio, foz ou mar. No detalhamento da apresentação dos dados, a Aecom mostra as diferenças entre cada um dos ambientes, entre o volume de consumo (baixo, médio ou alto) e em relação às faixas etárias e gêneros que compõem a população.
De forma resumida, explica que “o consumo do pescado oriundo da região da bacia do Rio Doce, foz e região marítima no Espírito Santo atingida pelo rompimento da barragem de Fundão apresenta preocupação para os altos consumidores de pescado da bacia do Rio Doce e para as crianças consumidoras dos valores médios (média do consumo na bacia do Rio Doce)”
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