Dezenove audiências, sem nenhum acordo. Esse foi o saldo de uma maratona de tentativas de conciliação entre a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e proprietários de terrenos a serem desapropriados para construção da Represa dos Imigrantes, a grande barragem sobre o Rio Jucu.
Em função da falta de entendimento entre as partes em todos os processos, o juiz Rafael Calmon Rangel, titular da 1ª Vara Cível, Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos e Meio Ambiente da Comarca de Viana, determinou a realização de avaliações judiciais dos terrenos a partir do próximo dia 22.
Um dos proprietários que reivindicam preços justos por suas terras é o psicultor Júlio Cesar Velten, em cuja área está prevista a obra da represa, propriamente dita, na localidade de Córrego do Onça, entre Domingos Martins e Viana.
A avaliação da Cesan definiu o preço de R$ 94 mil para a indenização. O valor comercial, no entanto, informa Julio, calculado em uma avaliação particular, é de R$ 747 mil. Sendo que, desses R$ 94 mil, apenas 60% poderão ser sacados por ele, pois o restante irá pagar os honorários advocatícios. “Vão me restar algumas migalhas, que eu não vou conseguir comprar nenhum lote de 300 metros quadrados, quanto mais uma propriedade de 64 mil quadrados. Com R$ 30 mil, 40 mil?”, indaga.
Casos como o de Julio se multiplicam e formam a regra na região. Mais estranho, relata o psicultor, é o valor de R$ 10 mil pago pela Cesan para a realização de cada avaliação. “Tem propriedade que o valor avaliado foi de R$ 8,6 mil, ou seja, a avaliação é mais cara que o valor do terreno. Desperdício de dinheiro público!”, denuncia.
Em geral, relata Julio, a Cesan oferece R$1,50 o metro quadrado. Os preços atualmente, no entanto, em função da especulação imobiliária gerada pela expectativa de construção da represa, estão entre R$ 18 e R$ 25 o metro quadrado.
A região do Córrego do Onça tem cerca de 80 proprietários rurais identificados para a desapropriação em favor das obras. Praticamente todos eles judicializaram a questão e alguns já têm obtido decisões judiciais. “Ninguém perdeu pra Cesan”, informa Júlio Velten. E os preços definidos pela Justiça foram todos muito acima do oferecido pela concessionária, todos, acima de R$ 14,00 o metro, o que dá quase dez vezes mais que a média de R$ 1,50 oferecido pela Cesan.
Cerca de metade dos processos, no entanto, ainda precisam de avaliações judiciais para contrapor as da empresa. Dezenove delas começarão a ser feitas ainda este mês, por determinação do magistrado da Comarca de Viana.
Além da discrepância no preço, a Cesan ainda insiste em pagar ao proprietário apenas 60% do valor definido judicialmente àqueles que não possuem escritura da terra. “Gostaria de saber do Banco Mundial, que é o maior financiador da Cesan, o que acha dessa injustiça social, já que o banco prega pela justiça e saúde”, pondera Júlio.
“Tinha várias pessoas humildes hoje que tiveram que ter auxílio de defensor público. Por isso digo que o Banco Mundial não sabe o que o parceiro está fazendo em cima dessas pessoas”, protesta. “E o governo do Estado? Vai lavar as mãos nessa situação em que os desapropriados vão receber apenas 60℅ do valor judicial?”, questiona.
Megaprojeto
A Barragem do Rio Jucu, ou Barragem dos Imigrantes, será construída pelo Consórcio Barragem Braço Norte, que venceu a licitação, feita sem a participação dos proprietários de terra atingidos, no final de agosto do ano passado. A ordem de serviço foi assinada em primeiro de outubro, no Palácio Anchieta, ainda gestão de Paulo Hartung, e prevê investimento total de R$ 96,5 milhões.
O Consórcio é formado pelas empresas Seveng Cilvisan S/A Empresas Associadas de Engenharia, Sahliah Engenharia Ltda e Poente Engenharia e Construtora Ltda. E os recursos financeiros para as obras são oriundos da Cesan, governo do Estado e Orçamento Geral da União, por meio do Ministério da Integração Nacional e Caixa Econômica Federal.
A Barragem do Rio Jucu é uma das maiores das 60 previstas no Programa Estadual de Barragens. Com capacidade de armazenamento de 23 bilhões de litros de água, objetiva servir de segurança hídrica para o abastecimento direto de cerca de 64% da população metropolitana.
O espelho d' água do lago da barragem ocupará uma área de 14 hectares e a barragem terá 50 metros de altura. O conceito básico do projeto é funcionar como sistema de acúmulo de água no período úmido para uso no período seco, ou seja, o lago deverá trabalhar como uma enorme caixa d'água para suprir as necessidades de abastecimento em períodos de forte estiagem.
Para a sua construção, quase oitenta proprietários rurais precisam ser desapropriados. A maioria é descendente de imigrantes alemães, instalados há gerações na região. Para muitos, deixar a sua terra é algo inimaginável, tamanho sentimento de pertencimento ao lugar.