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Justiça Federal absolve Vale, Samarco e BHP por crime da Samarco

Atingidos apontam violações do sistema judicial e esperam reparação internacional

A Justiça Federal de Minas Gerais absolveu as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, além de 22 réus, incluindo altos executivos e diretores, das acusações criminais relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. O crime, a maior tragédia ambiental do Brasil, resultou na morte de 19 pessoas. A decisão foi proferida pela magistrada Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho e consta em uma sentença de 191 páginas. A decisão é justificada pela “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal dos acusados”.

Leonardo Sá

O entendimento da magistrada diverge da conclusão da Polícia Federal (PF) à época da investigação, que apontava que a alta gestão da Samarco estava ciente dos problemas estruturais da barragem. Entre os investigados e absolvidos, estão Ricardo Vescovi, então presidente da Samarco; Kléber Terra, diretor-geral de operações; Germano Lopes, gerente-geral de projetos; Wagner Alves, gerente de operações; Daviely Rodrigues, gerente de geotecnia de barragens; e o engenheiro Samuel Loures, da consultoria VogBR.

O relatório da Polícia Federal, coordenado pelo delegado Roger Lima de Moura, indicava que os executivos tinham ciência dos riscos e das falhas na estrutura da barragem de Fundão, incluindo fissuras que já haviam sido identificadas em 2014. Mesmo com esses alertas, a gestão teria optado por priorizar aumentos na produção ao invés de realizar investimentos para melhorar a segurança da estrutura.

Na sentença, a juíza Patrícia Alencar concluiu, segundo divulgado na imprensa nacional, “que não havia provas suficientes para estabelecer a responsabilidade penal dos acusados, destacando que a dúvida só pode ser resolvida em favor dos réus”. Ela argumentou que a responsabilização penal não é a ferramenta ideal para evitar tragédias desse porte e que o acordo firmado na esfera cível já prevê um aporte bilionário para a reparação dos danos ambientais e sociais causados pelo crime.

“Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Pelo contrário. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer. Nesse sentido, a busca obtusa por culpados é incapaz de evitar outras tragédias e, dificilmente, desastres dessa ordem podem ser explicados, exclusivamente, pela conduta de alguns indivíduos”, afirma.

A magistrada acrescentou que a condenação criminal, “baseada em provas insuficientes, não honraria a memória das vítimas, reafirmando a necessidade de entender as razões técnico-científicas do acidente para evitar a repetição de tais catástrofes”.

A absolvição das mineradoras chega em um momento de forte crítica ao processo de repactuação do crime entre as comunidades atingidas, que consideram insuficientes as medidas de compensação propostas, após nove anos de violações e impunidade.

Além disso, em meio ao julgamento do caso em Londres, na Inglaterra, onde a mineradora BHP Billiton enfrenta uma ação ambiental coletiva, considerada uma das maiores da história da justiça inglesa. O julgamento, previsto para terminar em março de 2025, determinará se a BHP será responsabilizada pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015. Os pedidos de indenização somam US$ 46,8 bilhões e envolvem 620 mil vítimas, incluindo municípios e comunidades afetadas.

‘Justiça violadora’

A decisão da Justiça Federal provocou indignação entre representantes dos atingidos, que reiteram denúncia de favorecimento às empresas envolvidas. Segundo o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Heider José Boza, “o sistema judicial tem repetidamente atuado em benefício das empresas em vez de buscar justiça e reparação efetiva”.

Ele considera a decisão “equivocada e parcial,” especialmente por ocorrer simultaneamente ao encerramento do processo de repactuação no Brasil e ao avanço da ação em Londres, onde novas provas indicam que as empresas tinham ciência dos riscos e não tomaram medidas para evitar o crime.

Para o representante do MAB, “a Justiça Federal no Brasil tem atuado como advogada das empresas,” o que ele considera uma afronta à busca por responsabilização real” O movimento buscará instâncias superiores para evitar que o caso termine sem punições.

A decisão também foi criticada pelo presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, conhecido como Lambisgoia. “Os atingidos estão revoltados, porque o crime vai ficar lá, e o que foi feito para reparação é uma mera troca de favores”, afirmou, em referência à insuficiência e injustiça percebidas nas compensações.

O cacique Tupinikim Vilmar Benedito Oliveira, da aldeia Caieiras Velha, em Aracruz, norte do Estado, compartilha da mesma constatação. “A cada dia, a Justiça brasileira viola os direitos da população”, ressalta. Ele expressou sua decepção com o processo de responsabilização, e apontou o impacto da influência das grandes empresas nas decisões judiciais. “É como se o valor do capitalismo falasse mais alto”, pontuou.

As comunidades afetadas esperam que o resultado de Londres traga a justiça que até então tem sido negada no Brasil. O cacique reforçou sua esperança de que o processo seja capaz de promover reparação dos danos causados, que ainda permanece distante para os atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP.

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