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Líder comunitária denuncia ameaça de morte e aterro ilegal em APP

MPES move processo contra loteamento desde 2018. Bairro está dentro da área de proteção da Lagoa Grande, na Ponta da Fruta

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Uma ameaça de morte ao telefone é o mais novo capítulo de uma luta travada por moradores e Ministério Público Estadual (MPES) há anos para proteger as áreas naturais em Balneário Ponta da Fruta, no sul de Vila Velha. De um lado da linha, a atual presidente da Associação de Moradores, Everlyn Neto; do outro, um proprietário de terreno identificado como Nilson, um dos mais antigos do loteamento e que, como muitos, comprou seu lote sem saber que havia Áreas de Preservação Permanente (APPs) a serem protegidas de interferências humanas como aterros, canalizações e obras.

O fato ocorreu nesta terça-feira (20), na esteira de uma série de irregularidades promovidas pela empresa contratada para construir o sistema de esgotamento sanitário do bairro, conta a líder comunitária. A terra cavada das ruas para instalar os dutos da rede de coleta de esgoto, descreve, ao invés de ser levada para o aterro sanitário, está sendo vendida a preços bem abaixo do mercado para moradores e proprietários de terrenos que, em muitos casos, estão aterrando ÁPPs e margens de lagoas.

“Gravei imagens do caminhão saindo desse terreno após deixar a terra. Com certeza não é algo que tenha o aval da Cesan [Companhia Espírito-Santense de Saneamento, responsável pela obra de saneamento executada pela empresa]. Os moradores denunciaram que esses funcionários estavam vendendo a terra a R$ 50 a caçamba, sendo que o preço normal é seis vezes mais caro. A gente tem pessoas que precisam aterrar seus terrenos, que não estão em áreas de preservação, mas eles não doam para essas pessoas. Isso me acendeu um alerta”, relata.

O caso de agora se soma a uma série de degradações ambientais que se iniciaram com a criação do loteamento, em 1978, contextualiza Evelyn, com base em documentos oficiais, como um parecer da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Mobilidade (Semdu) e uma ação civil pública movida em 2018 pelo Ministério Público Estadual (MPES).

“Esse loteamento foi projetado sem levar em conta a topografia e os acidentes naturais da região”, afirma o parecer, citando curvas de nível, matas, vales, ravinas, lagoas e grotas. O descaso “impediu a perfeita implantação da malha viária, em alguns casos tornando impossível a abertura de ruas a demarcação de lotes, pois foram localizados no meio de lagoas e em encostas de grande declividade”, aponta o documento, que menciona, como consequências, “falta de segurança pública, precariedade de circulação viária e dificuldade de acesso e transportes”.

Reprodução

Como conclusão da análise do caso, a Semdu recomenda que as duas principais áreas verdes do loteamento, marcadas por lagoas cercadas de vegetação natural, sejam recategorizadas no Plano Diretor Municipal (PDM) como Zona Especial de Interesse de Preservação (ZEIP). Sugere também que, “se possível, ambas sejam transformadas em unidades de conservação ambiental e que este processo seja enviado para a Secretaria do Meio Ambiente”.

No registro das movimentações da ACP movida pelo órgão ministerial – processo nº 201800511774 contra o Município de Vila Velha, a Cesan e a Imobiliária Patrimônio Ltda -, consta uma primeira decisão judicial, dois meses após a petição inicial, no sentido de “deferir em parte o pedido liminar e impor ao Município obrigação de não liberar os lotes caucionados até posterior deliberação deste Juízo”. Após isso, se somaram várias audiências de conciliação e suspensões temporárias da tramitação do processo em busca de acordo extrajudicial, consenso, porém, ainda não alcançado. Novas petições foram inseridas até fevereiro passado e o caso segue ativo na Justiça.

A olhos nus, Evelyn conta que é possível flagrar agressões graves, como ruas que atravessam lagoas e muros que interrompem brejos. “Tem uma lagoa gigante que fazia um S, mas ela foi separada por ruas e se dividiu em quatro lagoas menores. São coisas bem absurdas”, exemplifica.

“Eu e os demais moradores que temos conhecimento da lei procuramos explicar para as pessoas que são áreas necessárias para a nossa sobrevivência e qualidade de vida, porque recebem drenagem pluvial, inclusive manilhada pela prefeitura, e que se forem aterradas, a água de chuva não vai ter onde escoar e vai colocar a população em risco. A gente vê o mundo se mobilizando contra o aquecimento global, para proteger a Amazônia. Mas e a Mata Atlântica, a mata que está aqui do lado da nossa casa? Elas também precisam ser protegidas. Ninguém vai fazer nada?”, pondera.

“Não é fácil ficar no foco dessas ameaças”, desabafa, relatando outras situações de violência, como xingamentos e ameaças mais sutis, algumas já registradas em Boletim de Ocorrência (BO). “Defender uma coisa que é para o bem de todos, mas ficar com medo de levar um tiro, é muito triste”, desabafa.

Ela não está, porém, sozinha na luta. Um vídeo recente circula nas redes sociais dos moradores, denunciando a poluição e pedindo proteção às lagoas do bairro, até como forma de atração turística, e um grupo de moradores se mobiliza em torno do projeto Parque das Águas, nome em referência a um conhecido parque aquático que havia atrás do bairro, com vistas a reivindicar junto à prefeitura que tome de fato as medidas necessárias para a proteção das lagoas, brejos e matas do local. “O bairro está dentro de uma APA, mas a gente não vê fiscalização nem qualquer ação de preservação efetiva”, pontua.

No site da prefeitura, a informação é de que a Área de Proteção Ambiental (APA) Lagoa Grande foi criada em 2006 e possui 2,7 mil hectares, sendo “caracterizada por ecossistemas de restinga, áreas frágeis alagadas, córregos e a bacia de contribuição da Lagoa Grande, e em função da fragilidade desses ecossistemas, sua vegetação exerce papel fundamental para a estabilização dos sedimentos e a manutenção da drenagem natural”.

A atual gestão municipal, destaca a líder comunitária, tem se mostrado mais propensa a ações de proteção ambiental, por isso o diálogo será mais estreitado. “O prefeito [Arnaldinho Borgo [Podemos] tem interesse em evitar novas ocupações em áreas de preservação e áreas públicas, tem se mostrado atuante nesse sentido. Vamos tentar agendar uma reunião para buscar soluções, tendo em vista esses últimos acontecimentos”, afirma.

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