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Linhares e extremo norte despontam com maior crescimento do deserto verde

Dados do MapBiomas apontam pelo menos 18 municípios com mais de mil hectares de monocultivos de eucaliptos

Fase/ES

Aracruz, Colatina, Conceição da Barra, Domingos Martins, Jaguaré, Linhares, Montanha, Mucurici, Nova Venécia, Pedro Canário, Pinheiros, Rio Bananal, Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa, São Mateus, Serra, Sooretama e Vila Valério. Esses são os 18 municípios capixabas que, segundo levantamento do MapBiomas, já apresentam mil hectares ou mais de plantios de eucaliptos. Outros já se aproximam bastante e com curvas em ascensão, como Baixo Guandu, Brejetuba, Fundão, Marilândia, Muniz Freire e Pancas. 

Os dados foram divulgados nesta semana e compõem um estudo nacional sobre a ocupação do uso do solo em todos os biomas brasileiros entre os anos de 1985 e 2021, com informações por estado e município. Chamou atenção o crescimento das áreas ocupadas com silvicultura, que aumentaram em seis vezes no Brasil nesses 37 anos. No Espírito Santo, a área praticamente dobrou no período.

A série histórica do MapBiomas inicia em 1985, quando o “boom” do deserto verde já havia se estabelecido. Conforme registra o livro Conservação da Mata Atlântica no Estado do Espírito Santo – Cobertura Florestal e Unidades de Conservação, publicado em 2005 pela ONG capixaba Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema), as expansões mais violentas ocorreram entre as décadas de 1960 e 1970. 

“A Lei Federal nº 5.106, publicada em 1966, estabelece incentivo fiscal, com abatimento de Imposto de Renda para o reflorestamento. Entre 1967 e 1986, surgem então os grandes projetos de reflorestamento homogêneo para atendimento da demanda industrial”, registra a publicação. 

“O eucalipto, principal matéria-prima para a produção de celulose, passou a ocupar significativas parcelas de terra na região das bacias dos rios São Mateus, Barra Seca e Itaúnas, onde inclusive áreas de floreta nativa foram substituídas por grandes extensões de plantações homogêneas”, ressalta a publicação, citando trecho de relatório da comissão coordenadora do relatório estadual sobre meio ambiente e desenvolvimento, de 1992. “No final da década de 70, o reflorestamento já ocupava área equivalente a 119.303 ha”, informa a obra.

Esse registro histórico explica o comportamento da curva de crescimento do deserto nos municípios onde a invasão dos eucaliptais da então Aracruz Celulose (hoje Suzano) teve início de formais mais violenta: Aracruz, nos arredores das fábricas de celulose, e São Mateus e Conceição da Barra, onde ainda hoje a multinacional usa de violência contra as comunidades quilombolas que resistem dentro do seu território Tradicional do Sapê do Norte. 

E reforça a ressalva necessária a se fazer em relação aos números absolutos de hectares com monocultivo medidos pelo MapBiomas. Como explicado pelo coordenador técnico da iniciativa, Marcos Rosa, as imagens Landsat utilizadas no levantamento trazem menor precisão que as utilizadas, por exemplo, pelo Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, não captando portanto todos os plantios existentes. Enquanto o Atlas aponta para 300 mil hectares de silvicultura no Espírito Santo em 2015, o MapBiomas registrou 162 mil. Da mesma forma, enquanto o estudo nacional inicia 1985 com 93 mil hectares de eucaliptais, o livro do Ipema aponta 119 mil ainda no final dos anos 1970. 

Mesmo sendo, porém, menos preciso nos números absolutos, o MapBiomas reflete com segurança o comportamento da silvicultura no Estado e nos municípios, mostrando os momentos de maior expansão e ligeira retração, bem como as tendências atuais, nesta década de 2020 que se inicia. 

Conceição da Barra, São Mateus e Aracruz

O município com mais área ocupada com deserto verde é Conceição da Barra, onde também há o maior número de comunidades quilombolas certificadas, aguardando titulação federal. Passada a primeira grande onda de expansão, a curva municipal se mantém quase linear, com as áreas de plantio limitadas inclusive por lei municipal.

Em segundo lugar vem São Mateus, mostrando comportamento similar ao vizinho do norte. Ambos atingem o ápice em 1992, quando, assim como no restante do país, vêm uma pequena redução das áreas tomadas de monocultivo, por força da ECO 92. Interessante perceber, no entanto, que outro marco ambiental, em 2012, quando é publicado no Novo Código Florestal, que freou um pouco o avanço do deserto na maior parte do país, não teve repercussão significativa nos dois municípios.

Aracruz tem comportamento semelhante a Conceição da Barra e São Mateus, apenas com uma queda um pouco mais pronunciada a partir de 1992, mas chegando em 2021 com tendência de leve crescimento.

Linhares e extremo norte

Já Linhares, localizada entre Aracruz e o Sapê do Norte, tem um comportamento mais diferenciado, com subidas e descidas peculiares. No período de 1985 a 2021, a área com eucaliptais dobrou, assim como no geral do Espírito Santo. Chama atenção ainda a curva ascendente, desde 2017, sem sinal de redução.

Montanha também impressiona. Com uma curva rente à base até 2003, inicia uma escalada ininterrupta de avanço do deserto verde, afora pequenas variações sutis. O ano é 2004, o segundo da primeira gestão de Paulo Hartung. O ex-governador é hoje presidente do Instituto Brasileira de Árvores (Iba), entidade que defende os interesses das indústrias ligadas à silvicultura no Brasil. Nem mesmo o marco temporal de 2012 afeta esse comportamento. 

É uma das curvas mais agressivas do Estado, considerando que se dá numa escala maior que outros municípios do norte capixaba onde a silvicultura também cresce fortemente, pois em Montanha já são quase 9 mil hectares de plantios, segundo o MapBiomas.

Mucurici, Pedro Canário e Pinheiros apresentam curvas semelhantes, saindo de números muito baixos, quase zero, e subindo ininterruptamente a partir de certo ponto, até 2021. As diferenças são as datas do primeiro salto e os números absolutos de deserto verde já alcançados. Pinheiros salta já em 1998, Mucurici em 2003 e Pedro Canário em 2006.

Passivo ambiental impune

Ainda há pessoas que relatam de viva voz como se deu, em campo, a destruição das florestas pela então Aracruz Celulose, passivo ambiental que continua impune, mesmo após sucessivas mudanças de nome da multinacional, hoje Suzano – ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria.

Entre as comunidades quilombolas, os mais velhos passam as histórias para as novas gerações, para que não se perca a noção do que é realmente uma floresta e o que são os monocultivos de árvores. Berto Florentino é um desses guardiões da memória, protegendo também córregos e nascentes próximos à sua casa.

Em entrevista a Século Diário, Berto enunciou mais de uma dezena de córregos que foram extintos pela empresa, que chegou com tratores e esteiras, derrubando toda a mata, eliminando toda a fauna e expulsando toda a gente que via no caminho. O córrego Samambaia, que nasce em sua propriedade, sob os cuidados seus e de sua esposa, continua vivo. Mas, quando deságua no São Domingos, encontra o mesmo destino das demais centenas de córregos da região. 

“Daqui até São Mateus secou tudo. Só tem água no lugar da cana, nos eucalipto secou tudo. No lugar dos eucalipto não tem nenhum. São Mateus não tem nenhum, Santana, tudo seco. São Domingos e Santana eram os maiores que tinha, tá tudo seco”, narra.

Mestre do Ticumbi de Conceição da Barra, Berto encontra na brincadeira do bailado folclórico em homenagem a São Benedito – uma das mais representativas manifestações do folclore capixaba – forças para continuar resistindo, com alegria e fé. 

O bailado do Ticumbi narra, em versos e há mais de dois séculos, a disputa de dois reis africanos: o Rei do Congo e o Rei de Bamba. O primeiro, convertido ao catolicismo, quer impedir que o “pagão” Rei de Bamba continue a celebrar a festa em homenagem a São Benedito – o santo negro, padroeiro das comunidades quilombolas do Sapê. 

“A guerra sempre termina com a vitória do Rei do Congo sobre o Rei de Bamba, que é interpretado e atualizado como os inimigos da cultura negra e os expropriadores dos territórios das comunidades quilombolas”, explica o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Oswaldo Martins de Oliveira. 

No artigo “Ticumbi: o baile dos congos para São Benedito”, publicado no Posfácio do livro Negros no Espírito Santo, de Cleber Maciel, o pesquisador transcreve versos que ouviu do Rei do Congo, durante a festa realizada em 1 de janeiro de 2010:

“Secretário do Rei de Bamba

O culpado são vocês

Que a grande floresta plantou

De cana-de-açúcar e eucalipto

E os quilombolas da terra expulsou

E vocês vão morrer de fome

Ou comer erva daninha

Porque raiz de cana-de-açúcar

E nem de eucalipto

Não serve pra fazer farinha

E tampouco criar gado,

Porco e nem muito menos galinha”.

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