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Lítio exportado pelo Porto de Vitória provoca destruição a indígenas e quilombolas

Reportagem do Observatório da Mineração desmascara “maquiagem verde” da mineradora canadense Sigma

Economia de baixo carbono definitivamente não significa uma economia que combata o racismo ambiental e favoreça a justiça social. Muito pelo contrário. A conclusão é nítida diante de fatos como o narrado pela reportagem Vendido como ‘verde’, lítio da canadense Sigma afeta indígenas e quilombolas no Jequitinhonha, do Observatório da Mineração.

O texto foi publicado nessa quinta-feira (27), mesmo dia em que o Espírito Santo recebeu o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB) e outras autoridades, para presenciar a exportação do primeiro carregamento de lítio explorado pela mineradora canadense Sigma no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, provocando graves impactos em territórios tradicionais de povos indígenas e quilombolas.

Hélio Filho/Secom

Do Porto de Vitória, foram embarcadas para a empresa chinesa Yahua 15 mil toneladas de lítio pré-químico premium e outras 15 mil toneladas de rejeitos ultrafinos sem produtos químicos, empilhados a seco, segundo informou o governo mineiro. “A estimativa da Sigma Lithium é de exportar 130 mil toneladas até o final do ano”, acrescentou.

Conforme apresentou o Observatório da Mineração, atrás da Sigma, há uma série de empresas canadenses que, juntas, dominam 85% das reservas brasileiras de lítio. A propaganda do setor é que o lítio mineiro é um produto “verde, sustentável, com zero químicos, zero água potável, zero rejeitos e 100% de prosperidade para a região”, mas, no território quilombola e indígena, a realidade é oposta, com a mineração provocando, desde abril, “comprometimento do abastecimento de água, poluição sonora, poluição do ar, inflação causada pela atividade da mineradora, aumento da violência e ameaças a áreas de proteção”.

Em declaração à reportagem, Cleonice Pankararu, liderança da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, às margens do rio Jequitinhonha, afirma que “a Sigma vem causando impactos na questão hídrica, cultural, na paisagem, na fauna e na flora”. Até mesmo o abastecimento com carro-pipa, com que a comunidade contava, sofreu alteração, pois o contrato da Sigma, tendo sido fechado com valores mais altos, desestimulou o fornecedor a continuar atendendo os indígenas e quilombolas”.

Inflação também está ocorrendo nos preços de alugueis na cidade de Araçuaí, onde estudantes indígenas e quilombolas estudam, dificultando e até mesmo impedindo que continuem os estudos, mesmo em centros de excelência como o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG).

A espiritualidade, que para os indígenas e quilombolas se manifesta naturalmente nas serras, chapadas e florestas, também sofre impactos. “A empresa destrói o solo e o subsolo. Nós indígenas sentimos muito. Para a gente o patrimônio material e imaterial, o natural e o sobrenatural, são indissociáveis e inseparáveis. Uma pedra tem valor, uma gruta tem valor, um riacho, uma nascente. Tudo isso é muito importante para nossa vida, orientação, cultura, organização social e espiritual”, relata Cleonice Pankararu.

A reportagem ressalta o perigo crescente a que as comunidades estão vulneráveis, já que o mercado de carros elétricos já tem crescido velozmente no país. “Mais de 10 milhões de carros elétricos foram vendidos no mundo em 2022 e a expectativa é que esse número cresça 35% este ano, alcançado 14 milhões de unidades, segundo a Agência Internacional de Energia. Atualmente, a participação dos carros elétricos no mercado automotivo já é de 14% e pode chegar a 18% em 2023”, pontua o Observatório.

Agência Minas

Projetos sociais

Para além dos governadores capixaba e mineiro e do vice-presidente da República, a falácia verde do lítio tem sido ignorada por outros setores importantes do governo federal, acrescenta a reportagem. “A Sigma também lançou o ‘Instituto Lítio Verde’, com o aval do Ibram [Instituto Brasileiro de Mineração], e tem se aproximado do governo federal. Este mês Ana Cabral-Gardner [CEO da mineradora] foi recebida pelo ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, em Brasília. O assunto da reunião foi ‘promover a inclusão socioeconômica com olhar mais sustentável”.

Outra reunião recente, prossegue, foi com a Secretária Nacional de Autonomia Econômica do Ministério das Mulheres, Rosane da Silva, com a proposta de “combater a violência doméstica e gerar desenvolvimento social” no Jequitinhonha por meio da “autonomia financeira da mulher”. “Antes, em junho, Cabral-Gardner esteve novamente em Brasília e participou de cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente no Palácio do Planalto, quando tirou foto com a ministra do MMA, Marina Silva”, elenca.

Outro ponto fundamental da maquiagem verde apontado pela reportagem está na origem do dinheiro que sustenta o Instituto Lítio Verde, já que parte dos milhões anunciados para aplicação em projetos socioambientais vem da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), o royalty da mineração – “ou seja: dinheiro que a empresa precisa pagar obrigatoriamente” – e outra parte vem da captação junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Recentemente, o Observatório da Mineração publicou um levantamento exclusivo sobre como o BNDES tem inundado mineradoras de dinheiro nos últimos 20 anos e como o governo Lula III pretende ampliar essas ‘parcerias'”, aponta o Observatório.

Vale do Lítio e da esperança

Do Palácio da Liberdade, o governador Romeu Zema (Novo) faz a sua parte para facilitar a mineração canadense sobre territórios tradicionais ao conduzir o projeto Vale do Lítio Brasil, que foi lançado em maio na bolsa de valores Nasdaq, em Nova Iorque.

Do Palácio Anchieta, Casagrande segue liderando o Consórcio Verde, que reúne governadores comprometidos com as metas do clima do Acordo de Paris. Um dos principais documentos a ser apresentado pelo grupo na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP28) que acontece de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes, foi construído durante um evento greenwashing ocorrido em junho na Enseada do Suá em Vitória, que reuniu algumas das empresas e políticos que mais destroem a biodiversidade e atacam direitos dos povos indígenas no país.

Campanha Nem Um Poço a Mais

Na ocasião, o economista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi usou, coincidentemente, o mercado de carros movidos a baterias de lítio como exemplo da insustentabilidade da economia de baixo carbono que vem sendo conduzida pelos líderes de governo e multinacionais poluidoras.

“O carro elétrico pode ser a resposta certa – fonte de energia – para a pergunta errada – como manter o transporte individual e privativo. Acho que isso acaba adiando o necessário debate sobre como melhorar a mobilidade urbana assegurando saúde humana, relações sociais e sustentabilidade ambiental. Para tal, parece-me, a ordem de preferência deve ser: a pé, bicicleta, transporte coletivo, transporte individual público, transporte individual privado. Os investimentos governamentais e incentivos aos privados no Brasil, estados e municípios têm respondido a uma ordem inversa a essa graças aos lobbies das petrolíferas e da indústria automobilística”.

E o pior é que a abertura do mercado de lítio não freia em nada a indústria porto-petroleira, baseada em combustíveis fósseis, minério de ferro e agrotóxicos, conforme ilustra o projeto do Porto Central, que avançou fortemente com seu licenciamento este ano, ao conseguir a primeira Licença de Instalação em maio passado, mesmo sem garantir quaisquer condicionantes para as comunidades pesqueiras ou mesmo ter a caracterização completa de todas elas.

A pergunta que fica é: quando é que o motor do desenvolvimento vai de fato começar a ser abastecido de forma efetivamente inovadora, combatendo o histórico racismo ambiental e promovendo a justiça social a todos os povos?


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https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/sustentabilidade-para-quem

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