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‘Mais de 80% da agricultura familiar depende da extensão rural do Incaper’

Pesquisadores e organizações repudiam fala do secretário Enio Bergoli de que “o Incaper pode ser extinto amanhã”

Ales

Uma fala muito “infeliz” que, mais uma vez, mostra a ideologia neoliberal que domina a alta cúpula da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) – a mesma que chamou a Agricultura Orgânica de “demodé” e que nomeou um expoente do agronegócio para a presidência do Incaper – e se esforça para invisibilizar e marginalizar cada vez mais a maioria dos agricultores familiares do Espírito Santo, principais responsáveis pelo alimento que chega à mesa das famílias capixaba.

A avaliação consta em notas de repúdio publicadas nesta terça-feira (15) por pesquisadores e entidades ligadas ao setor, em protesto à afirmação feita contra o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) pelo gestor da Seag, Enio Bergoli, durante o Seminário de Defesa Agropecuária, realizado pelo Sindicato dos Fiscais Estaduais Agropecuários do ES (Sinfagres) na última quarta-feira (9) na Assembleia Legislativa, em homenagem ao Dia do Fiscal Estadual Agropecuário.

Na ocasião, o secretário, provavelmente entusiasmado com a presença de muitos servidores e gestores do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), que integram a categoria dos fiscais agropecuários, disse textualmente: “A Secretaria de Estado da Agricultura tem um conjunto de instituições, tem lá o Incaper, que faz pesquisa, assistência técnica e extensão rural, mas isso pode ser pode ser feito pelo privado, a gente pode extinguir o Incaper, exagerando, podemos extinguir o Incaper amanhã. Isso não vai acontecer porque a gente tem muitas funções dentro do Incaper, mas assim, o Idaf não. O Idaf vai existir sempre”.

“É no mínimo lamentável, ainda mais por essa fala vir de um servidor do Instituto. E que ainda demonstra descaso e profundo desconhecimento da realidade rural”, afirmou a Associação dos Servidores do Incaper (Assin), em nota assinada também pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Assistência Técnica, Extensão Rural e da Pesquisa, do setor Público Agrícola do Brasil (Faser), Comissão Quilombola Sapê do Norte e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

“Descaso com os servidores do órgão e com os agricultores, e desconhecimento, pois o Incaper é o único órgão do Espírito Santo que faz Extensão Rural. Parte da Assistência Técnica pode e deve ser feita por uma ampla rede de instituições, incluindo o setor privado. Já a Extensão Rural é direcionada justamente para aqueles que não conseguem pagar por uma assistência técnica de qualidade. Fazemos questão de lembrar ao secretário de que o Estado precisa existir ‘para dar oportunidade e vida digna a todos, seja no campo ou na cidade'”, detalham as organizações.

A nota afirma ainda que “quem está extinguindo o Incaper aos poucos é o próprio governo, por não oferecer condições mínimas de trabalho e por remunerar os servidores com salários baixíssimos”.

‘Nas mãos do agronegócio’

Presidente da Assin, Luiz Carlos Bricalli reforça o posicionamento das organizações, ressaltando que “o Incaper precisa de recursos para poder funcionar em sua plenitude”, o que inclui “salários dignos para os servidores”. E, contestando uma possível justificativa dada por Bergoli de que sua fala na Assembleia foi apenas uma força de expressão, Bricalli ressaltou que “se não houver recursos, nem melhoria salarial, não acreditaremos que foi apenas um ‘exemplo infeliz’ do secretário”, sugerindo, assim, que a Seag mostre em ações concretas que a extinção do Incaper não faz parte de seu horizonte de gestão.

Servidor aposentado da autarquia e um dos expoentes do pensamento e da luta pela agricultura familiar no Estado, o engenheiro agrônomo Edegar Formentini traz uma perspectiva política do contexto que levou a autoridade máxima da agricultura capixaba neste momento a se sentir motivado a usar uma fala tão infeliz para agraciar a categoria profissional que o convidou para a palestra, categoria cuja relevância é inquestionável, verdade seja dita, porém, não é maior que a dos extensionistas públicos, principalmente quando se considera a importância vital que estes possuem para a dignidade e prosperidade para mais de 80% das famílias agricultoras capixabas.

Com o título “Agricultura familiar capixaba: nas mãos do agronegócio o que há de se esperar”, o texto de Formentini salienta que “a política desenvolvida atualmente pela Seag se dirige ao agronegócio e aos aproximadamente 15 mil agricultores familiares inseridos no mercado capitalista”, definindo estes como os que “estão sendo cooptados pelas organizações patronais em disputa com os movimentos dos trabalhadores rurais”.

Para os demais 65 mil agricultores familiares, explica, o que resta “são os serviços de assistência Técnica e Extensão Rural desenvolvidas pelo Incaper com uma imensa defasagem profissional, de formação e muito frequentemente de infraestrutura”. Não bastasse isso, prossegue, “o Sr. Enio Bergoli afirma que o Incaper pode acabar amanhã, ou seja, esses 65 mil agricultores familiares não precisam de políticas públicas”.

O texto relaciona ainda que a ideologia da cúpula da Seag reforça o êxodo rural, fenômeno ainda presente na sociedade capixaba e brasileira e que tantos prejuízos provoca na qualidade de vida das populações do campo e da cidade. “Pressupõe-se nessa fala que, para ele, esses agricultores precisam migrar para outras atividades: Quem sabe vir para a periferia dos grandes centros para serem cooptados pelo tráfico de drogas”.

União 

Edegar Formentini traz um alerta também para as próprias organizações que efetivamente lutam pela agricultura familiar, afirmando que a união estabelecida em 2022 para reeleger o governador Renato Casagrande (PSB), por meio do Fórum Estadual da Agricultura Familiar, logo se enfraqueceu, assim que ele foi reconduzido ao Palácio Anchieta e, em Brasília, um governo ainda mais comprometido com as luta sociais chegou ao poder. Prova é que após o atendimento parcial de uma das principais pautas do Fórum durante a campanha, com a criação da Subsecretaria Estadual de Agricultura Familiar, em junho passado, a mobilização se desfez.

“O Fórum da Agricultura Familiar teve um grande retrocesso em sua unidade, no momento do debate para a ocupação do espaço criado no governo. Com isso, a direita ligada ao setor agrícola e capitaneada pela OCB, FAES e suas ramificações, pressionou o governo Casagrande para ocupar totalmente os espaços governamentais da agricultura capixaba. A reação das entidades ligadas ao Fórum da Agricultura Familiar foi pífia e, com isso, a Secretaria de Estado da Agricultura, com quase todas as subsecretarias e as gerências ocupadas pelo agronegócio, a presidência e a diretoria técnica do Incaper estão todas sob o controle da Grande Agricultura, o secretário de Estado da Agricultura, na contramão de toda a política do governo Federal, afirmando que o Incaper pode acabar amanhã”.

Citando as entidades que assinaram a nota da Assin e outras – Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Rede de Sustentabilidade (Rede), Fetaes, Via Campesina, Mepes, MAB, Unicafes – Formentini convoca uma nova união: “A agricultura familiar do Espírito Santo continua em perigo. A unidade de vocês é politicamente forte o suficiente para reverter esse quadro”.

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