Camaroeiros pedem fiscalização rigorosa sobre embarcações clandestinas e regularização de pescadores antigos
Excesso de barcos, escassez de camarão, e praticamente nenhum controle oficial. Essa é a triste e preocupante realidade da atividade de pesca de camarão no litoral do Espírito Santo. A gravidade da situação é reconhecida tanto pelos camaroeiros tradicionais quanto pelos órgãos públicos.
A solução, por sua vez, também caminha para um consenso em relação à urgência de uma fiscalização rigorosa sobre embarcações vindas clandestinamente de outros estados, e na regularização dos antigos camaroeiros capixabas que ainda não conseguiram a documentação. Mas esbarra na falta de prioridade política e no sucateamento dos órgãos de controle.
“Setenta por cento dos barcos aqui no píer da Praia do Suá não têm licença. Tem muito pescador que trabalha há vinte anos e não consegue tirar a carteira. E ainda vêm muitos barcos do Rio de Janeiro, da Bahia, arrastando balão aqui”, declara o presidente da Colônia de Pesca Z-5, da Enseada do Suá, em Vitória, Álvaro Martins da Silva, o Alvinho.
Em outro pesqueiro importante no Estado, Santa Cruz, litoral de Aracruz, no norte, a situação não é diferente. “Agora mesmo, que apareceu um pouco de camarão, tem 200 barcos arrastando lá em Santa Cruz. Onde antes tinha 20 barcos do pessoal de lá, agora tem 200, vindo de tudo que é lugar”, relata.
O líder camaroeiro acredita que “a tendência é piorar”, caso os órgãos públicos não enfrentem a situação, fiscalizando e penalizando quem infringe a lei. “Como não tem fiscalização, não tem camarão para todo mundo. E fica mais prejudicado quem tem a licença e quer fazer tudo certo”, expõe, destacando a ausência de presença efetiva do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Capitania dos Portos.
A situação, que há anos é dramática, neste outono teve um agravante, que foi o sumiço dos camarões de todo o litoral capixaba. Desde o fim do defeso, em primeiro de março, os camaroeiros não encontram o crustáceo. Os barcos estão parados há mais de um mês e os camarões da torta capixaba vieram, de caminhão, do Rio de Janeiro e da Bahia.
Analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas e da Biodiversidade Marinha do Leste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Centro Tamar/ICMBio), Nilamon de Oliveira Leite Junior reconhece que a escassez atípica deste ano ainda não tem explicação, pois seria necessário fazer estudos para identificar as causas verdadeiras.
“Desde 2018 o defeso do camarão no Espírito Santo acontece nesses três meses de verão, de primeiro de dezembro a 28 de fevereiro. E os pescadores sempre constatam que, após o defeso, a pesca do camarão fica boa. Este ano surgiu algum fato diferente e a gente espera que seja isolado”, explica.
Causas variadas
As possibilidades são muitas, elenca o especialista: a lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP, efeito adverso de correntes marinhas, mortalidade não detectada de filhotes (a larva do camarão é muito pequena e quando morre, não se consegue detectar a olho), problema na reprodução das espécies, fenômeno ambiental ou meteorológico, efeito das mudanças climáticas, excesso de barcos em atividade (aumento do esforço de pesca)…ou uma soma de tudo isso”, resume. “Lama contribui, mudança climática contribui, algum fator ambiental não previsto também, aumento do esforço de pesca também”, reafirma.
O tema será tratado em uma reunião do Centro Tamar/ICMBio com os pescadores na próxima semana, que também terá como pauta a atualização dos pescadores em relação a uma nova portaria federal que regulamenta a atividade, publicada no último dia 30 de março.
Assinada pelo titular da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/Mapa), Jorge Seif Júnior, a Portaria 656/2022 estabelece as normas de ordenamento e monitoramento para o exercício da pesca dos camarões rosa (Penaeus paulensis, Penaeus brasiliensis e Penaeus subtilis), sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri), branco (Penaeus schmitti), santana ou vermelho (Pleoticus muelleri) e barba-ruça (Artemesia longinaris) no Mar Territorial e na Zona Econômica Exclusiva nas regiões Sudeste e Sul do Brasil.
“Essa portaria une todas as demais que já existiam”, conta Nilamon. Traz algumas novidades, como a mudança do período do defeso no Rio de Janeiro e estados ao sul dele, que passa a ser de 28 de janeiro a 30 abril ao invés de março a maio, mais próximo portanto do defeso capixaba. “De resto, reedita normas antigas, que já existiam, tamanho mínimo do camarão e da malha das redes”.
Zona de transição
Os defesos, explica, visam proteger as espécies durante alguns períodos do ano em que a reprodução é mais acentuada, visando restabelecer os estoques camaroeiros para a pesca. “O camarão sete-barbas se reproduz quase que durante o ano todo, mas o pico mais significativo de reprodução foi identificado no verão”. Em outros estados, os picos foram identificados em períodos diferentes.
O Espírito Santo tem essa particularidade, devido à sua localização geográfica, bem no meio do litoral brasileiro, onde ainda ocorre a cadeia de montanhas submersas Vitória-Trindade, um verdadeiro paredão montanhoso no fundo do mar, que liga a costa da capital capixaba até a ilha oceânica de Trindade, a 1,2 mil km de distância, onde funciona uma base da Marinha e uma base de estudo e conservação do Projeto Tamar, por se tratar de um dos principais sítios reprodutivos da tartaruga-verde (Chelonia mydas).
“O Espírito Santo está numa zona de transição entre uma corrente mais fria, vinda ao sul, das Malvinas, e as correntes mais quentes que vêm do Nordeste. Além disso, a Cadeia Vitória-Trindade também provoca alterações únicas”.
Permissionamento suspenso
A falta de fiscalização, concorda o analista ambiental, é uma realidade que precisa mudar. Quanto à regularização dos pescadores mais antigos que querem respeitar a legislação, a questão é mais complexa. Os camaroeiros capixabas contam que, não conseguindo a carteira profissional no Estado, acabam indo à Bahia, onde conseguem o documento com facilidade.
A pesca do camarão, explica Nilamon, é uma atividade controlada, já que é uma espécie muito visada comercialmente e que sofre um esforço de pesca desproporcional à capacidade natural de reposição populacional. É de 1997 a primeira portaria a regulamentar a questão, proibindo novas permissões no Sul e Sudeste do país.
Em 2007, houve uma abertura na lei, com uma portaria regulando um permissionamento de emissões de licenças para novas embarcações. Em 2011, nova janela, mas específica para determinados tamanhos de barcos. “Desde então, não há permissionamento para camarão, porque há o controle de esforço de pesca”.
No entanto, reconhece, muitos novos barcos entraram na pesca após a publicação da portaria proibindo novas licenças. “A gente entende a situação socioeconômica do país, a pesca é um escape social. As pessoas ficam sem renda e começam a pescar. Mas eles estão clandestinos. E a gente não pode ter abertura de forma descontrolada”, posiciona.
Para além de proteger o camarão em si, a medida visa também proteger os pescadores mais antigos, que têm realmente na captura do camarão a sua profissão. “Abrir de forma descontrolada vai dividir um estoque finito por um número descontrolado de barcos, e aí economicamente fica inviável pra todo mundo, prejudicando quem realmente vive da atividade tradicionalmente”.
Em extinção na Bahia
O camarão, sublinha, tem uma reprodução muito rápida, são várias desovas no ano e todas numerosas, então tem uma capacidade de reposição no ambiente muito grande. “É muito difícil de entrar em extinção, mas se houver uma pesca descontrolada, economicamente não vai ser viável sair pra pescar o camarão. Que é exatamente o que está acontecendo agora”.
Nilalmon ressalta ainda que, apesar da baixa probabilidade de entrar em extinção, o camarão sete-barbas está na lista estadual de espécies ameaçadas da Bahia. “É mais um motivo para ter um controle maior lá também”, alerta.