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Marco Temporal é tema de reunião nacional da Comissão Guarani Yvyrupa no ES

PL aprovado na Comissão de Agricultura do Senado inclui outros retrocessos, como a ideia da aculturação

Sara de Oliveira

O Marco Temporal voltou a ser o foco da luta indígena no Brasil com a aprovação do PL 2903 (antigo PL 490) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, nessa quarta-feira (23). No Espírito Santo, as aldeias de Santa Cruz, em Aracruz, norte do Estado, recebem neste final de semana a reunião da Comissão Guarani Yvyruypa (CGY), que tem o Marco Temporal como um dos temas centrais das discussões.

“Estamos elaborando um documento dizendo que nós, Guarani do Espírito Santo, não somos a favor da PL que foi aprovado”, informa o vice-cacique da aldeia Piraquê-açu, Rodrigo Guarani. Também serão discutidos projetos sociais que a CGY planeja implementar junto aos parentes capixabas. Projetos principalmente nas áreas de agricultura e cultura e que precisam de segurança fundiária para serem plenamente implementados.

A Comissão Guarani Yvyrupa é uma organização indígena que congrega coletivos do povo Guarani das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Em suas redes sociais, a entidade afirma que “demarcar nossas terras é proteger o meio ambiente e o futuro de todos nós” e explica que o PL dificulta demarcações futuras de terras, “tanto as de reivindicações que possam vir a existir, quanto aquelas que têm processos administrativos em curso, ao estabelecer a exigência de indenização prévia aos ocupantes das áreas a serem demarcadas, de modo que nós, indígenas, não poderemos usufruir plenamente de nossas posses antes do término de todo processo administrativo”. Atualmente, estima a CGY, existem mais de 70 processos de demarcação em aberto.

Outro retrocesso importante do texto que tramita no Senado é a possibilidade de perda de direitos territoriais baseado na ideia de aculturação, “já superada há tempos”, ressalta a Comissão. Ou seja: caso seja entendido que houve “alteração dos traços culturais”, a comunidade indígena pode ter seu território, mesmo demarcado, retirado e disponibilizado para outros usos.

Esses e outros pontos também são destacados pelo Observatório do Clima, uma rede fundada em 2002 para discutir a agenda climática brasileira e que hoje tem mais de 90 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Uma das atuações do OC é o SEEG, a estimativa anual de emissões de gases de efeito estufa em todo o país, publicada desde 2013.

‘Sem medo de ir para o inferno’

Ao se posicionar sobre a aprovação do PL na primeira comissão do Senado, o Observatório usou de ácida ironia ao dizer que “a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) decerto não tem medo de ir para o inferno”, visto que foi a autora do relatório aprovado na Comissão de Agricultura.

Para além de impedir a demarcação dos territórios de comunidades que não estavam no local reivindicado até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, o texto do PL 2903 traz outros penduricalhos graves: “permite contestar demarcações em qualquer momento do processo, decretar a suspeição de antropólogos no exercício de seu trabalho, arrendar terras indígenas, instalar nesses territórios atividades impactantes sem consulta prévia e até reverter homologações já feitas”.

Sobre a aculturação, citada pela CGY, o Observatório classifica como “um dispositivo racista que fede às teses de ‘integração do índio’ da ditadura militar”. Por outro lado, contrapõe, o PL também acaba com a política da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) do não-contato com grupos isolados, permitindo que até mesmo empresas privadas e missionários evangélicos façam contato com esses povos.

“Em pleno século 21, com o avanço da emergência climática e da crise da biodiversidade, e com os mercados de commodities dizendo não a produtos de áreas desmatadas, os ruralistas insistem no esbulho dos territórios que protegem um quarto da Amazônia e que são fundamentais para a manutenção da cultura de três centenas de povos”, aponta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Nessa terça-feira, 310 organizações da sociedade civil publicaram uma carta pedindo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que cumpra seu compromisso de garantir um debate adequado sobre o tema, encaminhando o PL às comissões de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Assuntos sociais. Dessa forma, dizem as organizações, poderá haver “uma análise tecnicamente qualificada de seus diversos aspectos e (…) ampliada a consulta aos povos indígenas, que serão diretamente afetados por essa mudança de regras”.

Essa é a estratégia defendida também pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (Psol), conforme noticiado pela Agência Pública. “O que estamos articulando e defendendo é que a tramitação siga o rito normal da Casa, que é passar nas comissões de mérito”, afirmou. “Passou na Comissão de Agricultura, que era totalmente a favor do PL, então é justo que passe pelo menos nas comissões de Direitos Humanos e de Meio Ambiente, onde a gente pode construir um diálogo e debater o projeto”

A reportagem lembra que uma tramitação padrão do PL, sem açodamento, pode permitir que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) aconteça antes da votação final no Senado, o que tende a ser favorável para os povos indígenas, pois há um entendimento, na Suprema Corte, de decidir contra a tese.

O prazo máximo previsto para concluir o caso é o mês de setembro, antes da aposentadoria da presidente, ministra Rosa Weber, que manifestou seu interessar em votar no processo antes de se retirar.

O placar está em 2 a 1 contra o Marco Temporal, sendo o ministro Nunes Marques a favor a Edson Fachin e Alexandre de Moraes contra. Este, no entanto, colocou como condição para a demarcação de terras a indenização dos ocupantes, o que os povos indígenas afirmam não resolver o problema, visto que a regularização dos territórios tradicionais ficará à mercê do orçamento do governo federal. O próximo a votar é André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico” indicado pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2021.

Caso o PL seja aprovado no Senado antes da decisão final do STF, uma saída apontada pelas entidades que compõem o Observatório e também pela ministra, é questionar a constitucionalidade do PL, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ou outro recurso semelhante.

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