Os povos indígenas de todo o país estão discutindo em rodadas de oficinas o que fazer contra o novo Marco Legal da Biodiversidade, que regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado.
As lideranças indígenas já tem clareza que vão recorrer à Organização Internacional do Trabalho (OIT), exigindo o cumprimento da Convenção no 169, da qual o Brasil é signatário.
Também há indicativo de que recorram ao Supremo Tribunal Federal (STF), por considerar que foram atingidos em seus direitos constitucionais. O cacique Toninho, da aldeia Guarani Tekoá Porã (Boa Esperança), relata que os índios do Espírito Santo participarão da oficina que será realizada em Salvador, nos dias seis a oito de outubro próximo.
Há agendas regionais das oficinas sobre o novo marco da biodiversidade em todo o país. Depois, os índios se reúnem numa oficina nacional. Está programada para os dias 14 a 16 de novembro próximo, mas as datas e o local estão sujeitos à confirmação.
Conhecimento
“Querem tirar os direitos indígenas”, afirma o cacique Toninho. Ele lembra que a sabedoria tradicional indígena permite aos seus pajés tratar das doenças que acometem os índios com os seus métodos, entre os quais com o uso de ervas medicinais. O câncer inclusive, como disse.
Citou um caso recente, de uma anciã, com mais de 90 anos, que mora na aldeia Guarani do Caparaó. Ela foi acometida de pneumonia. O próprio cacique foi para a aldeia e indicou as ervas e a forma de usá-las para tratar a doença. A anciã está curada com a medicina milenar dos índios.
Todo este conhecimento tradicional os índios receberam de suas divindades, no que eles chamam de revelação. Este conhecimento permite aos responsáveis pela saúde dos indígenas saber o que tem o índio, a doença que compromete seu fígado, seus rins, as doenças que afetam suas pernas, por exemplo.
“Somos donos deste saber indicado pelos deuses. Agora querem nos tomar este conhecimento para produzir remédio e ganhar dinheiro. Para nós, não fica nada”, afirma o cacique.
Toninho, neto da xamã guarani Tatantin-Roa-Retée, cita que sua avó morreu aos 104 anos, sem jamais ter usado remédios de branco. Tinha saúde de ferro. Agregue-se que a xamã também não usava sal e açúcar, entre outros produtos de uso comum do branco, que causam doenças.
O cacique Toninho denuncia mais: “Os laboratórios ou cientistas e seus representantes é que vão indicar o que querem. E decidirão o valor que pagar, se pagarem, sobre o lucro que tiverem após industrializar as ervas conhecidas pelos indígenas”.
O cacique afirma categórico que os índios não aceitam que todo o seu conhecimento seja tomado assim, sem mais nem menos. E faz um destaque: todas as decisões incluídas na nova lei não foram discutidas com os índios. Sequer com os seus apoiadores.
Marco legal
O chamado Novo Marco Legal da Biodiversidade foi definido na LEI Nº 13.123/2015, sancionada em maio pela presidente Dilma. Regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. A nova legislação substitui medida provisória em vigor desde 2001, alvo de reclamações principalmente da indústria e da comunidade científica.
Mas os índios alertam que seus direitos previstos na Constituição Federal de 88 não foram respeitados. E nem convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Esta convenção foi regulamentada pelo Decreto Nº 5.051/2004 e diz no seu artigo 1°: “A Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.
A convenção que o Brasil assinou determina no seu artigo 1º que ela se aplica: “aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial”.
E, “aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas. …”.