Empresários capixabas fortalecem a agricultura familiar, para atender consumidor que busca saúde e sustentabilidade
Herdeiro de outro pioneirismo capixaba, o de restaurantes veganos, Pedro Moreno Ortiz é proprietário da Sol da Terra Orgânicos e também tem prosperado ao investir nesse segmento orgânico e vegano. “Contratei mais pessoas e equipamentos durante a pandemia”, conta. E o número de produtos comercializados, que era de 37 itens há dois anos, hoje passa de 260. Todos livres de qualquer insumo animal e 100% certificado com selo orgânico, incluindo verduras, frutas, doces e outras delícias saudáveis.
A tendência é mundial e atinge também outros segmentos veganos. Conforme noticiado pelo Jornal da Universidade de São Paulo (USP), em dezembro passado, o segmento de cosméticos veganos deve alcançar a marca de US$ 21,4 bilhões até 2027, segundo dados da ReportLinker. No Brasil, levantamento feito pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), o antigo Ibope Inteligência, a pedido da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), aponta que mais de 30% da população escolhe opões veganas em restaurantes e estabelecimentos.
Em abril passado, o jornal Folha de S.Paulo destacou que “Flexitarianos impulsionam crescimento do mercado vegano no país” e que “por amor aos animais ou consciência ambiental, consumidor quer comida, maquiagem e outros produtos ‘livres de crueldade”. O termo “flexitarianos” refere-se a pessoas que não são totalmente vegetarianas ou veganas, que mantêm o consumo de proteína animal, mas buscam reduzi-lo cada vez mais. A mesma pesquisa do Ipec encomendada pela SVB mostrou ainda que 46% dos brasileiros já deixam de comer carne ao menos uma vez na semana por vontade própria.
A rejeição à “crueldade contra animais” é uma das principais motivações para as escolhas vegetarianas, seguida pela consciência ambiental e cuidados com a saúde, complementa a reportagem do Jornal da USP.
Estabilidade de preços
Pedro destaca ainda outra vantagem dos produtos orgânicos em relação aos convencionais, que é a estabilidade de preços. Há casos, exemplifica, em que produtos com veneno, nos supermercados, subiram tanto de preço, que ficaram mais caros que os orgânicos nas feiras.
“Hortaliças com agrotóxicos estão a R$ 3 ou R$ 4 no supermercado. Na feira orgânica, continua a R$ 2,50, há três anos”, compara, ressaltando que, em sua loja, o preço é de R$ 3,50, a orgânica. A cenoura orgânica é outro exemplo marcante, pois tem sido encontrada ao preço de R$ 8 a R$ 12 no supermercado, mas na feira, a R$ 5.
“Os agricultores orgânicos familiares têm uma outra forma de produzir e viver. Não sobem os preços junto com o mercado convencional nem na mesma medida que os supermercados. Com aumento geral dos preços, é uma grande oportunidade para as pessoas começarem a aderir mais aos orgânicos e às feiras”, orienta, ressaltando que os agricultores familiares capixabas são seus principais fornecedores.
Aproximar a alimentação orgânica da população é o que move a empresa, afirma Pedro, desde a época do Restaurante Sol da Terra, fundada há 40 anos por seu pai, o médico Marco Ortiz, falecido em dezembro passado. Na época, o Espírito Santo via surgir as primeiras iniciativas organizadas da chamada Agricultura Alternativa, que denunciava os malefícios dos agrotóxicos e queria retomar uma forma de produção mais saudável para os próprios agricultores, os consumidores e a natureza como um todo. “Tornar a alimentação orgânica mais acessível é o nosso propósito”, assevera Pedro.
Maíra também tem nas feiras orgânicas de agricultores familiares sua principal fonte de matéria-prima. Os ingredientes do Crilancha são polvilho, água, azeite e hortaliças. O rótulo traz a informação de que “pode conter” uma gama de verduras e ervas, como alface, couve, manjericão, salsinha, cebolinha e coentro. “Eu compro o que sobra da feira e tem qualidade. É uma forma de reduzir o desperdício dos agricultores e de introduzir essas hortaliças na alimentação das crianças”, explica. Por isso, afirma, o Crilancha “é muito mais que um biscoito. São três pilares: lanchar, aprender e cooperar”.
A compra das sobras das feiras é uma proposta que Marco Ortiz empreendeu durante muitos anos dentro da Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPORg), conta Pedro. “As prefeituras poderiam comprar esses alimentos para usar na merenda escolar”, reforça. Durante a pandemia, observa, as feiras perderam movimento, pois muitos clientes passaram a receber cestas em casa. E mesmo após a suspensão dos decretos de distanciamento físico, muitos permaneceram nesse sistema. Uma boa hora para colocar em prática essa política de compra de sobras pelos poderes públicos.
Menos carne, mais vida
Especificamente sobre a alimentação vegetariana, Pedro também resgata ensinamentos preciosos do pai. “O intestino humano mede 12 vezes o comprimento do nosso corpo. Nos animais carnívoros, ele equivale a três vezes o comprimento”, compara, chamando atenção para o fato de que, no intestino humano, o trânsito da proteína animal libera uma quantidade muito maior de radicais livres e toxinas (que bois, vacas, porcos e outros animais de abate produzem durante a vida em confinamento e no momento da morte) do que nos organismos dos carnívoros, provocando grandes danos à flora intestinal, o que pode explicar uma das causas do grande crescimento de câncer de colo de intestino.
E, assim, como no microcosmos humano, o macrocosmos também sofre com a criação e morte industrial de mamíferos e aves. Se a flora intestinal é dizimada, também as florestas tropicais estão sendo derrubadas movidas pela expansão da pecuária, especialmente na Amazônia.
“O setor pecuário é devastador. Para o solo, a água, a biodiversidade, o clima. O agrotóxico usado no pasto fica concentrado na carne e é ingerida pelo ser humano. Um produtor de gado me disse uma vez que não come a carne que ele mesmo produz, devido à quantidade de agrotóxicos que ele aplica”, relata Pedro.
A qualidade dos produtos feitos pela indústria vegana precisa ser examinada com mais critérios, sublinha. “Uma salsicha vegetal, por exemplo, se você for ver o rótulo, é cheia de acidulantes, conservantes, muitos ‘antes’. Não é saudável. Mas isso faz parte da mudança que está ocorrendo, a pessoa ainda quer uma salsicha, um queijo, com cara de convencional. Daí empresas de carne fazem essas opções, mas isso é uma contradição né”, ressalva, pois essas gigantes do agronegócio, que tanto incentivam a destruição das florestas e a morte cruel de milhões de animais todos os anos, acabam chegando à mesa e ao intestino de pessoas que não querem mais colaborar com esse ecocídio.
“Sustentabilidade só existe quando todos os agentes da cadeia estão ganhando, inclusive o próprio planeta. Não se pode falar em sustentabilidade e comer carne todo dia, não separar o lixo, jogar plástico no mar, no rio”, concorda Maíra.
A chave para conseguir vencer as contradições e colaborar de verdade com a mudança que tantos querem, afirma Pedro, é o amor à causa. “Para preservar no orgânico e vegano, tem que ter muito amor. Como meu pai fez por 40 anos e como quero continuar fazendo”.
Saiba mais
Crilancha: https://www.instagram.com/crilancha/
Sol da Terra Orgânicos: https://sol-da-terra-organicos.goomer.app/