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‘Mesmo que a atitude negacionista seja individual, o coletivo paga a conta’

Quilombola Selma Dealdina fala sobre o impacto do negacionismo em territórios tradicionais

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A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) aponta que 5.654 casos de Covid-19 foram registrados entre quilombolas desde o início da pandemia, provocando 299 mortes. Discutir os impactos de uma pandemia que ainda não acabou é também falar de um negacionismo que atinge, de forma mais letal, os povos tradicionais, e nega, em primeiro lugar, a existência desses grupos, aponta a quilombola e assistente social Selma Dealdina.

Os dados, baseados no monitoramento autônomo junto aos territórios, também identificou 12 mortes entre povos quilombolas no Espírito Santo. “Mesmo que a atitude negacionista seja individual, quem paga a conta é o coletivo. Quando você nega que existe o vírus, diz que não precisa usar a máscara, você impacta o coletivo”.

Apesar de ter sido evidenciado durante a crise sanitária causada pela Covid-19, o negacionismo faz parte de uma conjuntura construída ao longo dos últimos anos, explica Selma, secretária executiva da Conaq. “É quando você nega a importância de um meio ambiente cuidado e preservado, nega orçamento para políticas públicas, nega o direito de território a esses povos tradicionais. É uma bola de neve. São impactos que a gente vem sofrendo durante todo esse tempo”, destaca.

Em um contexto de atrocidades e violações estatais, inflamadas pela gestão Bolsonaro, povos tradicionais pagam a conta desse movimento que nega a ciência, nega a história e constrói o próprio discurso sobre a realidade. “Os territórios quilombolas não são corpos a parte da sociedade. A gente compõe esta sociedade, então nós sofremos com os impactos dessas ações que são decididas individualmente, mas quem paga é o coletivo”, reforça.

No Estado, além de lidar com os problemas de saúde pública, quilombolas precisam sobreviver às invasões e ações de reintegração de posse da Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose). Os conflitos históricos, intensificados durante a pandemia, dialogam com um governo que, desde a campanha eleitoral, se colocou contra os povos tradicionais.

“Você nega a existência desses povos não colocando orçamento para políticas públicas, não titulando os territórios. E aí os impactos estão no despejo, no agravamento do conflito agrário (…) Quando o Estado brasileiro precisa cortar algo, ele corta de quem já não tem, então ele corta a merenda dos quilombolas, fecha as escolas, dificulta o acesso médico nesses espaços”, declara.

Prova do agravamento desses conflitos são as ocupações irregulares nesses territórios, que, em abril deste ano, chegaram a representar 80% da área da comunidade do Angelim 2, no Território do Sapê do Norte, de acordo com cálculos da Defensoria Pública do Espírito Santo (Dpes). Selma, que é da comunidade Morro da Arara, em São Mateus, vê de perto a resistência dos povos tradicionais para preservarem o direito à terra.

“O Brasil vive uma disputa de território. Permanecer naquele espaço, preservar aquele espaço, está ligado diretamente à defesa do que a gente acredita. O que a gente tem de território preservado hoje é muito devido à teimosia de povos tradicionais, os quilombolas, indígenas, pescadores que lutam por esses espaços”, enfatiza.

Negacionismo e território

Esse mesmo negacionismo será o tema da palestra desta quinta-feira (30) no XII Seminário Nacional de Educação das Relações Étnico-Raciais Brasileiras, promovido pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes). Selma Dealina será uma das palestrantes do encontro, que falará sobre os impactos do negacionismo nos territórios negros e indígenas.

Iniciado na última sexta-feira (24), o seminário vai até o dia 20 de outubro e é exibido no canal do Neab no YouTube. Nesta quinta, a palestra também contará com a presença da indígena Aline Kayapó, de Porto Seguro, Bahia, que é atuante em movimentos de mulheres indígenas.

Voltado para professores capixabas, militantes de movimentos sociais e estudantes, o seminário passa por temas como assistência social, economia, políticas, saúde e educação, abordando o genocídio da população negra, a pandemia e o (neo)conservadorismo.

“A pandemia da Covid-19 deu maior visibilidade à questão da desigualdade social e racial, ao mostrar que a população negra é a que mais tem sofrido com os efeitos da doença, seja no acesso à saúde, na compilação de dados de morbidade/comorbidade, no acesso à política de renda mínima, trata-se de um processo em que vislumbramos privilégios e desprivilégios que se distribuem entre grupos raciais através da política, da economia e das relações cotidianas”, disse a coordenadora do Neab, Jacyara Silva de Paiva, durante a abertura do seminário.

Confira a programação nas redes sociais do Neab:
https://www.instagram.com/neab.ufes_oficial/

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