A presidenta da Associação, Flávia dos Santos, que também é coordenadora financeira da Associação de Programas Alternativas em Tecnologias Alternativas (APTA), foi à Procuradoria da República em São Mateus para registrar denúncia contra os sobrevoos e também contra a aplicação de agrotóxicos dentro de sua propriedade, vizinha à estrada que limita com as plantações de eucalipto da Aracruz Celulose (Fibria).
“Passaram aqui em frente à minha propriedade. Não imaginei que era o herbicida, aí eles passaram pulverizando de um lado e voltaram pulverizando na beira da minha cerca. Nunca vi fazendo isso. Achei que era vistoria de formiga. Três a quatro dias depois, vi a beira da cerca toda destruída: pimenta-do-reino, maracujá, fava … tudo o que eu plantei na beira da cerca, exatamente pra fazer barragem do agrotóxico que eles aplicam no eucaliptal ao lado e que pode vir pelo vento”, relata Flávia.
Na procuradoria de São Mateus, no entanto, a denúncia foi recusada e a orientação foi para a contratação de um advogado particular. De posse das fotos das plantas mortas na beira da cerca e do avião em voos rasantes sobre a sua casa, Flávia estuda pedir auxílio à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que presta assessoria jurídica gratuita às comunidades quilombolas, ou reformular o requerimento junto ao MPF, desta vez em nome da própria Associação e, quem sabe, de outras ações do Sapê do Norte, todas revoltadas com a presença constante das aeronaves e seus venenos mortais.
“A comunidade está preocupada que essas aplicações contaminem as nossas lavouras e a gente até perca a certificação orgânica”, conta a presidenta.
Terror vindo do céu
Um agravante sobre toda essa situação esdrúxula é a orientação, vinda da empresa Equilíbrio, contratada para os sobrevoos, para que, em caso de mal-estar devido à inalação/absorção do produto, a população se dirija à empresa e não ao serviço público de saúde. “O senhor que mora aqui no sítio que recebeu o recado e me falou, eu não estava em casa na hora”, indigna-se a agricultora.
O terror vivido pelas famílias durante a aplicação aérea dos agroquímicos – fertilizantes, segundo as indústrias de eucalipto, e agrotóxicos, segundo os atingidos que passam mal e assistem suas criações de aves morrerem ao entrar em contato com o produto –, afirma Flávia, nunca vai ser esquecido, até porque, considerando o histórico, elas devem se repetir em breve.
“Agarrei na minha filha e tentei protege-la de respirar ou ingerir esse produto”, lembra, para em seguida fotografar as aeronaves logo acima dos coqueiros que circundam a residência.
A Associação Quilombola de Pequenos Produtores Orgânicos do Angelim II foi a primeira a receber, há dois anos, a certificação de produção orgânica dentro do Território Tradicional Quilombola do Sapê do Norte. Os associados trabalham basicamente com hortaliças, frutas, verduras e milho para alimentação das criações de aves e suínos. Vendem na feira de Conceição da Barra e para os Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (Pnae). Outras duas associações, em Linharinho e Córrego do Macuco, já estão em fase final de certificação.
Visita do inimigo
Na última quarta-feira (25), a presidenta da Associação recebeu uma visita de técnicos do Programa de Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT) da Aracruz Celulose (Fibria) e pequenos agricultores dos municípios de Aracruz e Pinheiros, que participam do mesmo. O objetivo era conhecer a experiência exitosa do Angelim II e obter certificação também para essas localidades.
Flávia aproveitou para falar do temor da comunidade em perder a certificação por conta da ação irresponsável da Aracruz Celulose (Fibria), que os levava ali para aquela visita. Falou também das dificuldades crônicas de acesso à água, resultado, também, da gigante do deserto verde. “Estávamos entre iguais, eles que vieram nos visitar são pequenos agricultores como a gente, não é deles a culpa, mas eu precisava falar”, conta.
“Praticamente não temos água, nem pra manter a horta”, lamenta. Há dez anos que a água consumida no Angelim II vem de um poço artesiano de 80 metros cavado pela Prefeitura por ordem do MPF, depois de sucessivas denúncias sobre a contaminação e represamento do Córrego Angelim, que sempre abasteceu os moradores.
“Teve época que o rio foi tão poluído, que os animais morriam na beira do córrego. Segundo o pessoal do meio ambiente, a água tinha herbicida e resíduos sanitários, de limpeza de fossa feita pela Disa [Destilaria Itaúnas S/A]”.
Atualmente, os moradores estão buscando água para consumo humano numa bica pública a cerca de quatro quilômetros, pois a água do poço artesiano está com excesso de ferro, segundo as últimas análises da Companhia Espirito Santense de Saneamento (Cesan). “Ninguém bebe, porque dá cólica”, conta.
Já a irrigação da horta orgânica utiliza um poço feito pela própria comunidade, com escavadeira, mas que está raso e não está sendo suficiente. O pedido para a Prefeitura aprofundar o poço ainda não foi atendido.