Selene Tesch, representante da região Sudeste, ressalta que uma das pautas é restaurar orçamento destruído por Bolsonaro
Os dois primeiros dias da programação da Campanha Anual do Produto Orgânico, em Brasília, mostraram a disposição do governo federal em restaurar as políticas públicas de apoio ao setor. A percepção é da agricultora orgânica Selene Hammer Tesch, presidente da Associação Amparo Familiar, em Santa Maria de Jetibá, na região serrana capixaba, e representante da Região Sudeste no conjunto de Comissões de Produção Orgânica (CPOrgs) que participam de uma série de reuniões e eventos com membros da equipe do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro desde segunda-feira (29).
“Conseguimos uma audiência com o secretário-executivo do Ministério, o Irajá Lacerda, e entregamos a carta das CPOrgs. Ele já encaminhou ao ministro. Disse que a equipe deles vai estudar as nossas pautas e procurar soluções para nos atender”, relata Selene.
Durante as atividades dos dois primeiros dias da campanha, a liderança capixaba também identificou aspectos ressaltados pelos palestrantes e gestores, que dialogam com estratégias em que o Espírito Santo é referência nacional, como as feiras especializadas e as chamadas ‘rotas dos orgânicos”.
As feiras, explica Selene, tiveram uma grande expansão na Grande Vitória a partir de 2015, mas hoje sofrem com o descaso dos governos estadual e municipais, conforme denunciaram os feirantes no início do mês. Já as rotas também precisam de apoio dos entes públicos para se expandir, pois hoje são uma iniciativa de feirantes e empresários do setor, que compram produtos orgânicos de diversas regiões do Estado e do país e vendem nas feiras da Grande Vitória ou em suas lojas. “São ações positivas, necessárias para todos os estados”, pontua a agricultora.
A carta entregue ao secretário-executivo, no entanto, traz um número bem maior de medidas que precisam de apoio governamental. Nas cinco páginas do documento, os coordenadores das CPOrgs explicam o abismo em que os agricultores e empreendedores orgânicos foram lançados nos últimos anos, por meio de sucessivos golpes de orçamento e gestão irradiados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um dos mais severos foi denunciado em novembro passado, quando o orçamento imposto pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, para 2023, foi equivalente a 2,7% do volume solicitado e a 26% do orçamento liberado em 2022, que já havia era considerado impraticável para manter o funcionamento mínimo do setor.
Na carta entregue nessa segunda-feira (30), a restauração do orçamento solicitado, de R$ 10 milhões, é um dos pontos centrais, ao lado de outras dez pautas fundamentais, todas vinculadas à necessidade de implementação e execução da 3ª edição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que ficou engavetado durante toda a gestão federal anterior.
As ações incluem: alocação de recurso para o lançamento de editais de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) em todo o território nacional; estabelecimento de linhas de crédito, de investimento e custeio específicas para a produção orgânica e de base agroecológica; ampliação dos recursos referentes aos programas de compras governamentais (PAA e PNAE) voltados para o setor de produção orgânica; e elaboração de tabela exclusiva de preços para compras públicas de alimentos e produtos orgânicos.
E ainda: promoção de capacitação continuada para os produtores orgânicos, com foco no acesso às políticas públicas de comercialização, PAA e PNAE; aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), expressa no Projeto de Lei 6670/2016, que visa à redução gradual do uso de agrotóxicos e estimula a transição para práticas orgânicas e agroecológicas; reestruturação da política pública de apoio à criação e a manutenção dos Núcleos de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA) e dos Centros Vocacionais Tecnológicos (CVT); e fomento de ações para certificação dos produtos oriundos do extrativismo sustentável orgânico e para implantação de Feiras Orgânicas no Brasil e espaços destinados à comercialização, podendo estabelecer a Rota do Orgânico.
Sustentabilidade social e ambiental
A carta ressalta a contribuição imprescindível da agricultura orgânica e agroecológica para “saúde da população, relações justas de trabalho e valorização da floresta em pé”, além de ser “um instrumento para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, considerando que adota um conjunto de práticas de preservação ambiental”. Destaca também “a crescente demanda por alimentos saudáveis” no Brasil e no mundo.
Sinais positivos
O documento reconhece ainda as ações já estabelecidas pelo atual governo federal, com o anúncio da “retomada da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e reinstalação da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), para implementação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica 2024-2027”.
Mas, para cumprir os compromissos firmados, assinalam os signatários, “o Mapa deve preparar-se para as mudanças de paradigmas que esse projeto exige, fortalecendo a pauta da produção orgânica e agroecológica e tratando-a como prioritária”. O que inclui, elencam, ampliar o quadro de servidores, fomentar a construção de políticas públicas que favoreçam o crescimento do setor e fornecer recursos financeiros necessários por meio de orçamento robusto.
Retrocesso capixaba
Na contramão da retomada empreendida a partir de Brasília, a Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) se esforça para desqualificar uma construção histórica de regulação e valorização da produção orgânica e agroecológica de alimentos, chegando a chamar de “demodè” os termos “agricultura orgânica” e “agroecologia” – já consagrados legal, política, cultural, técnica e cientificamente.
O retrógado posicionamento foi assumido no início do mês quando a CPOrg-ES se reuniu com o secretário Ênio Bérgoli e sua equipe, para apresentação das pautas prioritárias no Estado. Além da desqualificação dos termos consagrados, a Seag não se comprometeu com nenhuma das demandas, sugerindo que os agricultores procurem os canais comuns de financiamento para aprovarem seus projetos.
Comissões
A carta das CPOrgs foi assinada pelos coordenadores regionais: Thiago Guedes Viana (Nordeste 1); Izabel Cristina da Silva Santos (Nordeste 2); Cecile Marie Yvonne Gabrielle Follet (Sul); Ieda Maria Bentes Machado Rivera (Norte 2); Ramom Weinz Morato (Norte 1); Selene Hammer Tesh (Sudeste); e Verinaldo da Silva Sousa (Centro-Oeste).
Painel online
Uma das ações da Campanha Nacional Anual do Produto Orgânico acontece nesta quinta-feira (1): o painel online sobre a importância da alimentação saudável para a saúde e o clima, com agrofloresteiros, pesquisador e consumidores capixabas.