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Moradores denunciam prefeitura sobre desmate de APP em Praia Grande

Abertura de valões no local foi mote de campanha do vice-prefeito, Murilo, mas mata evita alagamentos, aponta denúncia

Uma mata preservada em área urbana é um privilégio, infelizmente, cada vez mais raro no Espírito Santo. Enquanto poucas são transformadas em unidades de conservação – vide parques como Fonte Grande, em Vitória, e Jacarenema, em Vila Velha -, a maioria continua sofrendo pressão por corte para dar lugar à expansão urbana desordenada e agravamento de problemas de infraestrutura e transtornos para moradores, além de perda de biodiversidade, recursos hídricos e proteção contra os efeitos das mudanças climáticas, galopantes em todo o mundo.

Exemplos não faltam, como a APP da Lagoa Encantada, também em Vila Velha, que, mesmo com o processo de criação de um parque natural municipal, é alvo de projetos de novas estradas que podem impactar diretamente sua integridade.

Em Fundão, no norte da região metropolitana, um caso que se desenrola no distrito de Praia Grande foi denunciado ao Ministério Público Estadual (MPES). Encaminhado à Promotoria do município, sob responsabilidade de Egino Gomes Rios da Silva, trata-se da tentativa de desmatamento de uma Área de Preservação Permanente (APP) de 16 hectares localizada no bairro Mirante da Praia e que consta como uma das “áreas de proteção da paisagem e com características excepcionais de qualidade e fragilidade visual” no Plano Diretor Municipal (PDM).

GeoIema

A ameaça vem da própria prefeitura, que alega necessidade de construir valetas para escoamento de água de chuvas intensas. Um trator chegou a iniciar o serviço, mas foi interrompido após alarde de moradores, que apontaram a ilegalidade da obra.

Um histórico resumido da APP informa que ela inicialmente pertencia a uma antiga fazenda da família do atual vice-prefeito de Fundão, José Murilo Coutinho (Cidadania), conhecido como Murilo. O loteamento da área teve início nos anos 1990 e prosseguiu por meio de duas imobiliárias, Santa Arinda e Praia das Flexeiras, ambas com o viceo como responsável legal, sendo que esta última já possui uma Ação Popular com denúncia de irregularidades na ocupação de áreas públicas.

Inicialmente mantida protegida, enquanto o loteamento avançava, foi em 2019 que especificamente o terreno onde está a APP foi vendido por Murilo para um empresário local, que tentou iniciar o desmate. No ano seguinte, durante as eleições municipais, o então candidato a vice-prefeito usou como um dos motes de sua campanha a necessidade de derrubada da mata para a construção dos valões.

A denúncia ao MPES, no entanto, explica que é justamente a mata que protege os terrenos de problemas ainda mais graves decorrentes de chuvas torrenciais, que tendem a se tornar mais frequentes, em função da crise global do clima.

“Em suas campanhas políticas no bairro Mirante, sua única promessa era de abrir o valão na mata para acabar com alagamentos, não se discutiu e não propôs sobre o atendimento médico que tínhamos aqui e foi retirado não demonstrando interesse de atender essa população, não se propôs em abrir meios de comunicação direta com os moradores, se recusou a ouvir reivindicações, dentre outros assuntos que eram discutidos anteriormente. De lá para cá, não vimos nenhuma melhoria no bairro. As ruas continuam cada vez piores, não existe saneamento, sendo esta uma comunidade cada vez mais vulnerável pelo descaso da atual gestão”, pontuam os denunciantes.

Legislação

Sobre a função ecológica da APP, o documento ressalta que a mata, no estado de conservação atual, cumpre com as funções de APP previstas no novo Código Florestal em relação aos recursos hídricos e declividade. E, apresentando as características morfológicas de toda a região e apontando evidências de extração ilegal de areia nos terrenos que originaram os loteamentos atuais, afirma a necessidade de reverter o avanço das intervenções insustentáveis.

“O problema de inundação ocorrida no bairro Mirante não tem nenhum nexo causal com a existência de um córrego com vegetação nativa preservada em sua APP. Pelo contrário, a referida APP presta um serviço ambiental inestimável para o bairro, servindo de esponja das águas provenientes das chuvas, liberando de forma gradual sentido córrego-mar, as águas que ali precipitam. Ou seja, qualquer projeto que vise a canalização e supressão da vegetação não resultará em nenhuma solução imediata para a população local, e sim agravar ainda mais o problema, sobretudo quando combinado maré alta com excesso de chuvas, ocasionando refluxo em qualquer sistema adotado”.

Intervenção na mata iniciada por trator da Prefeitura de Fundão. Foto: Reprodução

A denúncia também cita uma obra particular do vice-prefeito, próxima ao bairro Mirante da Praia. “No condomínio de alto padrão Residencial Costa dos Corais, de propriedade do vice-prefeito José Murilo Coutinho, observa-se o cuidado no que se refere ao nivelamento do terreno, situação essa completamente negligenciada para o Bairro Mirante da Praia. Nota-se que o terreno deste residencial também teve a extração ilegal de areia”, informa. A obra, no entanto, já chegou a ser embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e multado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Outras denúncias

O caso já havia sido denunciado ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que orientou encaminhamento ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf). Em janeiro, o Idaf informou que, se a construção das valetas fosse declarada como “de caráter de urgência e de interesse da defesa civil para prevenção e mitigação de acidentes em área urbana”, não necessitaria de licenciamento ambiental, mas que a diretoria do Idaf enviaria uma equipe “para acompanhar a execução desta obra, garantindo que ela ocorra sem impactos negativos à vegetação ao entorno”.

A deputada estadual Iriny Lopes (PT) também acompanha o caso e, segundo o dossiê dos moradores, “se comprometeu a se dedicar às questões ambientais do município de Fundão e instruiu o envio desta denúncia também ao Ministério Público Federal”.

Reivindicações

Ressaltando a impropriedade do desmate para resolução dos problemas das enchentes e o descaso da atual gestão municipal com demandas variadas do bairro nas áreas de saúde, educação, urbanização e assistência social, a denúncia lista reivindicações que devem ser acolhidas pela gestão do prefeito Gil (PSB) e outros órgãos competentes.

Entre elas, “reparação aos moradores que adquiriram os imóveis no bairro, e que, por falta de orientação, não construíram estrutura elevada como forma de compensar o desnível do terreno”; “rever os limites dos terrenos de todo o bairro, pois estes apresentam metragens não condizentes aos documentos emitidos e indenizar aqueles que foram lesados”; “nivelamento dos terrenos existentes, assim como as ruas, para que as águas pluviais tenham declive suficiente para encontrar com um sistema de águas pluviais que precisam ser instalados em todas as ruas do bairro”; “tratamento de resíduos de esgotamento sanitário”; regularização do sistema de endereços dos bairros do Distrito de Praia Grande”; e “pavimentação adequada ao Bairro Mirante da Praia”.

Os moradores também mantêm um perfil no instagram com fotos e vídeos da biodiversidade preservada pela APP do Mirante da Praia.

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