Morreu na madrugada dessa quinta-feira (9) o herói Guarani Kwaray Mimby (João Carvalho), maior liderança na retomada das terras para seu povo em Santa Cruz, Aracruz, no norte do Espírito Santo.
Kwaray estava adoentado há muito tempo, do coração. Os registros oficiais falam da idade de 74 anos, mas os Guarani acreditam que esse número seja subestimado.
Foto: Lu Índia
Foi Kwaray quem primeiro manifestou ser o monte às margens da foz do rio Piraquê-açú a esperada Terra Sem Males. Isso nos idos dos anos 1960, durante a peregrinação liderada por sua mãe, a xamã Tatanti Rua Retee.
A visão se deu ainda no barco, enquanto atravessavam o rio – na época não havia ainda a ponte. Diante da afirmação do filho, Tatanti aceitou o fato e conduziu os seus a se instalarem.
Assim que chegaram, os Guarani encontraram os Tupinikim, nativos do lugar, e passaram a conviver em harmonia. Veio então a Ditadura Militar e a Fazenda Guarani, em Carmésia/MG, para onde foram levados também outros povos indígenas, de várias partes do país.
Reconhecida hoje como uma experiência de prisão/reformatório, a Fazenda Guarani causou grande sofrimento a todos os indígenas que por lá passaram. Da parte do grupo de João Carvalho, a decisão foi por evadir do local. Na caminhada de volta, passaram uma temporada com os Krenak, em Resplendor/MG, até chegarem ao litoral capixaba.
Nesse retorno, Tatanti recebeu, em um sonho, a revelação de que Santa Cruz era mesmo a Terra Sem Males, devendo ali ser fundada a primeira aldeia, Tekoa Porã (Boa Esperança).
Foto: Lu Índia
A perseguição do Regime Militar, contudo, continuou, e Kwaray manteve sempre sua voz e postura de comando, alimentando a unidade e a saúde do seu povo, enfrentando a Polícia Federal, quando necessário.
Outras aldeias foram fundadas e a população Guarani cresceu. Kwaray Mimby continuou sendo reverenciado, como ídolo, em gratidão por sua liderança.
A cerimônia de despedida do velho herói foi muito emocionante. No culto, os conducentes encomendaram sua alma e sopraram, com muitos cachimbos, abundante fumaça sobre o caixão, numa prática espiritual tradicional de purificação. Também houve cânticos, com o Coral Guarani.
O sepultamento foi feito na quinta-feira (9), no Cemitério de Santa Cruz, o mesmo onde jaz sua mãe.