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Movimento quilombola repudia apoio de Torino a posseiros no Sapê do Norte

Seguindo cartilha bolsonarista, deputado incita conflitos no território para enfraquecer luta pela titulação

Lissa de Paula/Ales

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo Zacimba Gaba publicaram nota de esclarecimento em que repudiam o apoio do deputado estadual Torino Marques (PTB) a um grupo de pessoas que reivindicam títulos de propriedades dentro do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra.

O estopim para o comunicado ocorreu durante a sessão ordinária dessa segunda-feira (4) da Assembleia Legislativa, em que o agora petebista (eleito pelo PSL, também ex-partido de Jair Bolsonaro) convidou uma liderança dos posseiros para reivindicar, na Tribuna Livre, terras dentro do Sapê do Norte. 

“Samuel Gentil Muniz Batista, que se diz presidente da Associação de Produtores Rurais e Artesãos do ES, não representa o Movimento Quilombola no norte do ES”, afirmam a Conaq e a Zacimba Gaba. Tampouco, prosseguem, “tem legitimidade para falar sobre a temática apresentada pelo deputado Torino Marques”, afirmam, referindo-se à decisão da Justiça Federal de declarar nulos os títulos de terra entregues à Fibria (atual Suzano Papel e Celulose e ex-Aracruz Celulose).

A sentença foi deferida em outubro passado no âmbito de uma ação civil pública impetrada pelo MPF em 2013 (processos 000693-61.2013.4.02.5003 e 0104134-87.2015.02.5003), com base na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, realizada em 2002 pela Assembleia Legislativa. Apesar de não concluída, a investigação reuniu comprovações de que as terras foram obtidas pela multinacional papeleira por meio de processos de grilagem. Torino Marques já havia levantado esse assunto há um ano, quando a ação ainda não havia obtido decisão em primeira instância. 

“Essas pessoas se intitulam pequenos agricultores, cuja única intenção é fragmentar todo o território quilombola e vender a posse de lotes, como já ocorrido algumas vezes, tanto que há várias ações de reintegração de posse ajuizada pela empresa Fibria, atual Suzano, conforme se comprova através de um simples consulta no site da Justiça Federal do Espírito”, pontuam a Conaq e a Zacimba Gaba.

AQPOA

As entidades denunciam ainda que “a invasão [das comunidades quilombolas do Sapê do Norte] por pessoas físicas está se tornando insustentável, avançam a cada dia mais para os territórios de Angelim I, Angelim II, Linharinho, São Domingos e São Jorge, todas comunidades que estão com procedimentos administrativos abertos no Incra/ES [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que tem a atribuição de titular territórios quilombolas no Brasil]”.

A “ocupação indevida por estes indivíduos”, ressaltam, “só atrasa a finalização da entrega do território devidamente reconhecido pelo RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território, elaborado pelo Incra”. 

Por esse motivo, advertem “as legítimas lideranças representativas repudiam veementemente as ocupações indevidas que estão ocorrendo nos territórios das diversas comunidades da região e adotarão as providências cabíveis para a retomada das áreas que pertencem única e exclusivamente às comunidades quilombolas devidamente certificadas!”. 

O documento informa ainda que existem no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, mais de 32 Comunidades reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares, aguardando a titulação do processo de titulação pelo Incra, muitas há mais de dez anos.

O processo de titulação, destacam, tem em sua base legal os artigos 215 e 216 da Constituição Federal; o Decreto Federal nº 4.8887/2003; o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal; a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (LIT); e a Lei nº 12.288/2010 – Estatuto de Igualdade Racial. 

“Pois bem, há mais de dois séculos as comunidades quilombolas do Sapê do Norte lutam incessantemente para sua manutenção no território, pelo direito de existirem, de serem reconhecidos como povos tradicionais, suas tradições como patrimônio imaterial da humanidade, e agora se veem no dilema de litigar contra pessoas estranhas à comunidade que se intitulam quilombolas, mas pertencem a nenhum quilombo, e assim estão adentrando no território sem nenhum respeito às organizações!”

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