É gravíssimo: “O membro do Ministério Público (MPES), responsável por exigir a indenização dos prejuízos da poluição, tratou, em outra CPI, a maior poluidora do Estado, a Vale, como sua parceira. O que demonstra, por si só, a falência do sistema de proteção ao cidadão”. E mais: existe promiscuidade entre a Prefeitura de Vitória e o governo do Estado com as poluidoras Vale e ArcelorMittal. O povo paga a conta.
As afirmações sobre a relação dos órgãos e a Vale e ArcelorMittal estão no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Vitória. O relatório foi divulgado nessa quinta-feira (30).
A CPI do Pó Preto foi presidida pelo vereador Davi Esmael (PSB), e relatada por Rogerinho Pinheiro (PHS). O vereador Vinícius Simões (PPS) foi vice-presidente. O documento será enviada às autoridades, para que sejam tomadas “as providências cabíveis”, como sugerem.
Os vereadores não deixaram barato a postura de conivência dos poderes públicos com a Vale e ArcelorMittal Tubarão. A relação que apontaram em Vitória é a mesma praticada em todo o Estado, como em relação à Samarco (uma empresa da Vale) e a Aracruz Celulose (Fibria), que estão entre as grandes poluidoras do Espírito Santo.
Em trecho do relatório, os vereadores denunciam que “poluição é, na verdade, um serviço do município (prefeitura de Vitoria) e do (governo do) Estado prestado às poluidoras. O Termos de Ajustamento de Conduta (TCA) da Vale foi fundamentado em ATOS VICIADOS E NULOS DE PLENO DIREITO (destaque do relatório), ferindo o direito da coletividade contido no Art. 225 da Lei Magna da República”.
E quem praticou as benesses, ou a “submissão dos órgãos públicos às poluidoras”? O relatório afirma: “O membro do Ministério Público (MPES) responsável por exigir a indenização dos prejuízos da poluição, tratou, em outra CPI, a maior poluidora do Estado, a Vale, como sua parceira. O que demonstra, por si só, a falência do sistema de proteção ao cidadão”.
A omissão tanto do governo do Estado, através da Secretaria de Estado e Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama/Iema), e das prefeituras, como a de Vitória, tem alto custo para a população. Só na Grande Vitória, os capixabas gastam R$ 565 milhões por ano para tratar doenças produzidas pela poluição do ar pela Vale e ArcelorMittal Tubarão e Cariacica.
A ação
No relatório, os vereadores da CPI do Pó Preto da Câmara de Vitória desnudam a maneira de agir dos órgãos públicos e as empresas poluidoras. “O modus operandi que até aqui se verifica, não deixa qualquer dúvida que as poluidoras lucram com os danos à saúde pública e vendem, juntamente com seus produtos, na verdade, os recursos hídricos e o ar puro que pertencem à coletividade”.
Seguem explicando: “Ou seja, o valor que se agrega ao produto (a maioria dele exportado com isenção de impostos), é o custo da poluição do ar, da doença respiratória e cardiovascular, a sujeira aos imóveis, o desconforto do cidadão e a água que é um bem escasso. Bens esses que pertencem aos particulares e a toda a sociedade, que, na verdade, estão sendo agregados ao valor do produto exportado sem uma indenização aos lesados”.
Os submissos
A CPI apurou provas incontestáveis de submissão dos órgãos públicos às poluidoras e da impunidade dos agentes públicos e particulares, dizem seus membros. “Até a presente data, há desconhecimento de ações que possam investigar ou punir os responsáveis pelos danos à propriedade, à saúde pública, à incolumidade física, inclusive lesões corporais e mortes”.
Os vereadores assinam que foi provada a falta de estrutura pessoal e material, aparelhamentos, equipamentos, laboratórios, técnicos, entre outros, dos órgãos públicos para realizar a gestão ambiental e da poluição no município de Vitória. Criticam: “E, por absurdo (que possa parecer), essa falha é aproveitada pelas poluidoras para elas próprias contratarem diretamente ou indiretamente os serviços, sob argumento de compensação da poluição”.
Então, fica fácil a manipulação que tentam fazer com a população. “Quando, na verdade, imiscuem-se no trato da questão pública, que jamais deveria permitir a dependência do particular”.
E: “Demonstrou-se que a legislação é insuficiente, mas, a que existe, não é cumprida. Valendo ressaltar que o princípio do poluidor – pagador impõe a responsabilidade objetiva dos que poluem, bastando a comprovação do nexo causal. Não é necessária haver prova de culpa, e tampouco a observância de padrões de limites são justificativas legais para que os danos não sejam reparados”.
Os vereadores afirmam que “a CPI apurou que o descumprimento das atribuições funcionais por parte dos gestores e servidores dos órgãos públicos para realizar a gestão ambiental e da poluição é, na verdade, um serviço do município e do Estado prestado às poluidoras. Por permitir que continuem cometendo danos impunemente, eis que todo dano não reparado transforma-se em lucro”.
O que fazem então os governos do prefeito Luciano Rezende (PPS) e do governado Paulo Hartung (PMDB) em relação às poluidoras? “O sistema de colaboração do município e do Estado com as poluidoras é reforçado pela falta de certificação e acreditação por parte de entidades especializadas para estudos, inventários, sistemas de medições de poluição do ar, sistemas de controles de emissões de poluentes nas indústrias, para se garantir a acreditação do sistema de gestão ambiental e da poluição”.
No município de Vitória e no Estado há, ainda, “a falta de segurança e da garantia da inviolabilidade dos processos de medições de poluição do ar, dos sistemas de controles de emissões de poluentes nas indústrias e etc.; para se garantir a acreditação do sistema de gestão ambiental e da poluição”.
A CPI do Pó Preto da Câmara de Vitória também demonstrou que o Decreto 3463-R, que definiu os padrões de qualidade do ar do sistema de gestão ambiental e da poluição no Estado, não é coerente com a necessidade e realidade. Além disso, foi baixado sem que fossem ouvidos previamente a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Secretaria de Saúde, atendendo aos interesses das poluidoras.
Tecnologias velhas
“Ficou provado que empresas ArcelorMittal e Vale S/A não se utilizam das tecnologias mais modernas (quando utilizam) em seus processos para o controle das emissões de poluentes e que muito há de se fazer para se atender as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para os padrões de qualidade do ar”, afirmam os vereadores.
E ainda que “as provas colhidas pela CPI demonstram que as condicionantes contidas na Licença de Instalação (LI) 32261845 Vale (CVRD) e que suportaram a liberação da Licença de Operação (LO) 32261845 da 8ª Usina de Politização VALE (CVRD) não tiveram sua comprovação documental de atendimento e muito menos por documentação técnica e científica acreditada por empresas isentas e de acreditação mundial”.
Também afirmam os vereadores que “o mesmo pode ser dito quanto às condicionantes contidas no TCA da Vale, firmado entre o MPES, Iema, com representação de oito associações de moradores e da Vale (CVRD)”.
A denúncia aumenta o tom: “O TCA da Vale foi fundamentado em ATOS VICIADOS E NULOS DE PLENO DIREITO (destaque do relator) ferindo o direito da coletividade contido no Art. 225 da Lei Magna da República que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e seu bem difuso de uso comum, entre todos o mais importante, ou seja, o ar”.
E apontam: “Ficou claro e de forma inconteste que os pesados financiamentos de campanhas eleitorais a agentes políticos de todos os níveis, proporcionados por essas grandes poluidoras, decerto alteraram as regras do jogo, descolando as decisões sobre licenciamentos ambientais para competência exclusiva dos chamados órgãos legitimados, Comdema, Consema, Comremas, Sema e Iema, além do MPES”.
Nesta área, afirmam os vereadores de Vitória: “A sociedade capixaba, assim, deposita na CPI do Pó Preto a oportunidade ímpar de remover esse sistema ideologicamente equivocado, imoral, sob a lógica da ética social e ilegal do ponto de vista normativo, implantado em nosso Estado”.
Para finalizar: “Valendo lembrar que essas grandes poluidoras (Vale e ArcelorMittal), quando atuam em países ou locais desenvolvidos, não causam esses danos e não agem como aqui o fazem, pois lá há leis, há fiscalização, há educação, há autoridade, há punição patrimonial e cadeia para os agentes públicos e privados que jogam ar sujo nas narinas e nas residências dos outros”.